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OPINIÃO

O momento de despir-se na psicoterapia

Com o passar do tempo e com a prática clínica, venho observando que existe uma variação em que o cliente começa a se abrir, a mostra-se tirando suas “vestes” diante de um “amigo”. No momento em que o paciente começa a falar de si já na primeira sessão, eu o ouço calado, percebo que ele não diz para mim, especificamente, mas que buscava alguém, qualquer pessoa que o ouvisse para se sentir aliviado, esvaziasse sua dor, seus sofrimentos. Ele “vomita” em mim, sem medo, sem me pedir segredo, sem me conhecer. São palavras soltas, pensamentos confusos, sentimentos francos e doloridos. Vem tudo como uma “represa” que estoura suas águas, sem fronteiras, sem limites. Depois de “esvaziar” a “represa”, começa o meu trabalho com o paciente. Haverá momentos de novos desabamentos, mas buscamos refletir cautelosamente diante dos fatos em momentos diferenciados no decorrer do processo psicoterápico.

No primeiro momento, vejo a conquista da confiança do cliente para comigo. Neste momento eu me deixo ver e observar pelo cliente. Ele me interroga, me olha, observa minha postura, fica atento à forma como coloco as coisas e minhas opiniões, como vejo e conceituo o mundo e as pessoas, etc., tudo isso é exposto de acordo com o que o cliente colocou ou expôs em sua fala inicial. Faço questão que ele me observe à vontade e sinta como estou atento diante dele e de seus problemas, sem me alarmar, sem me assustar, sem julgar, procurando manter a mesma serenidade e respeito pela pessoa que ele é. Evito criticar e ridicularizar os fatos e as pessoas ou entidades, falo genericamente e sobre problemas dos outros, os situando fora de mim e de meu cliente. Mostrar-lhe que também sou humano, que também tenho problemas, sem contudo, coloca-los explicitamente. Quando ele se vê diante de uma pessoa que o aceita como ele é, ele começa a querer falar de si mesmo e se abrir, escuto-o mas, às vezes, o interrompo para mostrar-lhe que nossa aproximação de deve gradativa e lenta para que ambos estejamos atentos para o que vai acontecer. Gosto de fazer perguntas simples como aquelas que fazemos numa sala de espera, para conhecer a pessoa que acabo de encontrar, travamos algum diálogo aberto e de confiança mútua. Mais do que apenas amigos, a relação terapêutica deve estar embasada em frases íntimas acompanhadas do olhar, da cumplicidade, com  proximidade física sem que haja distração; mas que ambos estajam envolvidos num clima especial, um observando atentamente o outro. Tenho observado que as pessoas sentem necessidade de encontrar alguém que as ouvem, que sejam bons ouvintes, que partilhe com ela de suas dores, suas emoções, frustrações e seus amores. Sei que o meu cliente vem disposto a pagar para obter esse tipo de relacionamento; sua primeira aquisição na terapia é exatamente sobre como se interam as relações de intimidade e como se fazem agradáveis e duradouros os contatos interpessoais verdadeiros.

Neste primeiro momento existe, sem dúvida, muita dúvida e, não raro, o processo terapêutico parece não estar fluindo. A aquisição se dá lentamente e uma vez adquirida partimos para outro momento.

O segundo momento tem três “clímax” diferenciados, os quais eu denominei metaforicamente de“despir-se”.  A  figura de linguagem não é  nova, porém devemos estar cientes que a “nudez” do cliente lhe dá meios para “vesti-lo” mais apropriadamente, sem roupas muito apertadas ou que estão fora da moda; mas que o cliente aprenda a vestir-se de acordo com a ocasião, sem necessidade de trocar a “maquiagem” – personalidade.

O despir-se somente poderá ocorrer quando houver confiança mútua. Devo me preparar para ajudar o meu cliente a “tirar a sua roupa”, peça por peça, sem me alarmar diante do “corpo cheio de feridas e/ou cicatrizes” que será mostrado, totalmente nu. A priori, eu não tenho idéia do que vou ver, pois até o cliente também não sabe. Se for uma criança isso pouco me afetará. Se for uma pessoa crescida, e trouxer um corpo sadio e bonito, ficarei apenas admirando, sem me sentir constrangido, inquieto ou perturbado. Embora , mesmo o corpo de uma criança com uma lesão ou algum aleijão, isso pode me chocar. Vemos pelas ruas pessoas sem olhos, sem pernas, sem boca, sem nariz, sem cérebro, viramos o rosto e não gostamos de fixar o olhar mirando aquelas deformidades. Se não estamos preparados para ver pessoas, ficamos chocados em mira-las, sentimos náuseas, fazemos vômitos ou arrepiamos de “dor”.

Quando nos preparamos, sabemos o que vamos ver, encontramos, geralmente, outra expressão no olhar, pois existe ai o respeito pela dor do outro.

Acredito que esta analogia é bem válida para nossa sala de psicoterapia, repito que não sou o primeiro a fazer esta analogia.

Partindo dessa analogia, venho buscando pedir ao meu cliente que metaforicamente tire calmamente sua roupa diante de mim e de si mesmo,  peça por peça, que se dispa devagar, sem medo, sem receio, confiante que cada peça tirada irá proporcionar-lhe a exposição de uma parte de seu “corpo”. Fico observando atentamente cada movimento, cada peça que cai, como ele mostra ou esconde cada parte de seu “corpo”, as vezes, sou “forçado” a ajuda-lo em alguma peça que fixou na “ferida” ainda sangrando, vejo as cicatrizes que marcam sua dor e sua angústia. À medida que ele vai se despindo vou fazendo o meu trabalho, dizendo-lhe como vejo cada parte, cada movimento. Nesse momento não me atrevo a toca-lo; porém, o cliente sente o meu toque, os meus olhos que percorre o seu “corpo” nu. Sinto-me importante e útil, pois passo a representar para o meu cliente o mundo, a sociedade, as pessoas e, ao mesmo tempo, estou emprestando a eles os meus olhos para que ele se veja, empresto-lhe minhas “mãos” para que ele se toque, se perceba e sinta as marcas do “passado”, “presente” em seu corpo, empresto-lhe meus ouvidos para que ele se escute.

Havendo uma preparação satisfatória, esse momento de despir-se não nos dói, nem nos assusta. Sinto por meu paciente um grande respeito. Sei que não posso toca-lo; mas sugiro que ele o faça, experimente a sensação de descobrir-se por inteiro. Faço-me de espelho e vou dizendo a ele o que vejo. Sou cauteloso e paciente, portanto não digo tudo que vejo, mas tudo que ele já pode saber, pois quero que ele sofra o mínimo possível, sei, às vezes, o caminho a seguir, mas não o digo, pois ele é quem precisa descobri-lo, porque já o amo.

Minha vivência profissional de vinte e nove anos e pessoal está consciente que é quase impossível que ele não sofra: algumas feridas estão abertas, sangrando; outras ele ainda não as viu; existem aquelas que ele tem consciência de sua existência, mas não gostava nem ao menos de falar nelas. Sei que é meu dever lhe contar tudo que vejo e que as críticas e comentários não importa para cliente.

O processo caminha, navegamos juntos num mesmo oceano, vou acompanhando o tirar a roupa de meu cliente e percebo o momento em que  o meu trabalho se assemelha ao “cirurgião plástico”. Não tenho a pretensão de ser tão ativo e determinista, ditando caminho meus em relação à vida de meu paciente. Procuro, com sua ajuda e permissão “reconstruí-lo” com amor e arte.

Meu paciente já fez escolhas de quais as partes de seu “corpo” devem ser extirpadas ou alteradas, mantidas, bem como que partes acrescentar.

É um processo lento, vou lhe dizendo o que esta bem encaixado, confiro junto com ele como esta ficando seu novo “corpo”. Sou o seu espelho, isso requer, não apenas o desejo de ajudar; mas respeito e responsabilidade para com meu cliente, que agora confia em mim e já me ama. Fico surpreso e contente quando vejo surgir diante de mim “uma nova pessoa”, como a obra de um artista, seu olhar é novo,  seu coração é novo, suas pernas são novas para um caminhar novo numa estrada também nova.seus sentimentos são tranqüilos, sua dor é calma, seu sofrimento é compreendido. Vejo-o andar sem posse das “bengalas”, das “muletas”, seu caminhar é consciente e seus pés tocam o chão com segurança. Sua maquiagem é leve, seu cabelo combina com seu novo rosto.

Finalmente, o cliente já esta pronto para vestir novamente sua roupa naquele novo corpo. É um momento rápido, porém deve ser vivenciado com firmeza, esta bem próxima da despedida. Ele se vê e fica contente com o que vê, pois tenho consciência de que o vê como queria, ou se precisava.

Eu me divido, porque ele vai me abandonar, porém o meu amor por ele é puro, fico quieto, mãos vazias e sujas de barro, no meu silêncio repleto de palavras, o coração transbordando de amor ao ver a obra terminada e o dever cumprido. Continuo amando aquele “Ser novo”, com um amor também novo. Nesse processo de despir-se, “transformar-se”e vestir-se eu guardo somente a recordação da relação íntima com o cliente que permite que nos mostremos sem medo, sem “fantasias doentias”; confiantes, verdadeiros, buscando a nós mesmo em nós, com a ajuda de quem desinteressadamente no ama e nos quer bem, proporcionando-nos a beleza de nos tornarmos livres de nós mesmos.

Fora ensinando o meu cliente a se despir diante de mim e de si mesmo, que eu compreendi e aprendi o verdadeiro sentido da vida, do encontrar a si mesmo, me encontrando.

Assim sendo, me permito dizer que o verdadeiro significado do processo psicoterápico  difere do “simplesmente” ir ao psicólogo, pois,  psicoterapia é o crescimento mútuo de duas pessoas que se acumplicia no respeito e no amor, incondicional, em busca de um viver pleno em comunhão com o Criador. . .

(José Geraldo Rabelo, psicólogo Holístico, psicoterapeuta espiritualista, escritor, prof. Ed. Física, artista plástico,  palestrante, especialista em família. Criança. Adolescente e Adulto. Dependência Química. Alcoolismo. E-mails.: [email protected] - [email protected])

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