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OPINIÃO

O vitimismo dos movimentos negros é incoerente, desleal e sem respaldo histórico

Recentemente, um grupo de jovens negros invadiu uma sala de aula em uma universidade em São Paulo (SP) e, aos gritos e ameaças, disse que a aula estava sendo interrompida para que “o branco” experimentasse a sensação da repressão, referindo-se ao período da escravidão no Brasil. Alguns alunos, sentindo-se prejudicados pela atitude agressiva, tentaram argumentar ponderando que eles não reprimiram ninguém, não escravizaram e que a política escravocrata é parte de um passado histórico da qual nem mesma a atual geração de pessoas negras foi atingida. A tentativa de diálogo foi logo suplantada com gritos de “cala a boca elite branca e rica”, “cala a boca opressor”, etc. Percebe-se que está ocorrendo uma verdadeira extorsão por parte de alguns grupos de pessoas que se denominam negras ou “descendentes de escravos”, no sentido de obter privilégios ou paparicos sob o manto do coitadismo, valendo-se de um discurso anacrônico, embusteiro e desonesto. Há, inegavelmente, uma parcela de malandros infiltrados dentre os bem-intencionados que visam apenas privilégios ou vantagens sem a contrapartida do esforço pessoal. Pessoas que acham que deve sempre se beneficiar às custas dos esforços alheios. Uma das grandes distorções da história do Brasil é em relação ao mito que envolve a vida dos escravos no período colonial. Ninguém mentalmente sadio seria capaz de imaginar a escravidão e não se revoltar com ela. Entretanto, ajustes oportunistas e mal-intencionados de fatos históricos não contribuem para a correção de injustiças sociais atuais. O vitimismo, atualmente tão utilizado, não tem sido o expediente recorrente apenas por alguns movimentos negros para a obtenção de privilégios. Essa modalidade de malandragem moderna é também utilizada por outros segmentos como judeus, feministas e movimentos de homossexuais, que dela se valem em larga escala. Na abordagem sobre a escravidão é preciso, antes de tudo, desconstruir alguns mitos. O principal é o de que o Brasil tem uma “dívida histórica de gratidão com os povos negros”. Papo furado! Arrisco a afirmar que os negros que vieram para o Brasil, estes sim, têm uma dívida de gratidão histórica com o Brasil. A utilização de mão de obra escrava não atingia todos os estados do Brasil. Ela era circunscrita a algumas províncias como, principalmente, o Rio de Janeiro, Bahia, Pernambuco e Maranhão. Em São Paulo, até o final o final do séc. XVII, quase não se encontravam negros. Atualmente, os Estados mais ricos e desenvolvidos do Brasil não tiveram como base o emprego de mão-de-obra escrava. Não se pode afirmar que o regime de escravidão contribuiu para com o desenvolvimento do país. Ao contrário. Tornava-o estagnado em razão do modo feudal de produção. Aliás, os movimentos abolicionistas, estrangeiros e brasileiros, surgiram exatamente em razão de ser a escravidão um sistema que contrariava os ideais da economia liberal, pois limitava o poder de consumo. A abolição da escravidão no Brasil não foi um ato de generosidade humana por parte da Princesa Isabel, nem surgiu como resultado do heroísmo da luta de negros pela liberdade, como é atribuído ao pseudo-herói “Zumbi de Palmares”. Os negros, à época, não tinham consciência de liberdade, como não a têm até hoje. Tanto que na África praticavam, e ainda praticam, a escravidão e até o canibalismo em certas aldeias. Se é verdade que o Brasil foi o último país do ocidente a abolir a escravidão, em 1888, por outro lado, a Mauritânia, um país africano, somente o fez, ao menos oficialmente, no ano de 1981, em pleno século XX. A abolição da escravidão no Brasil contou com abolicionistas de grande expressividade, como o aristocrata e intelectual branco Joaquim Nabuco, José do Patrocínio e o poeta Castro Alves. Estes, entretanto, sequer são lembrados pelos que endeusam, injusta e indevidamente, Zumbi de Palmares. A própria Princesa Isabel, quando teve os restos mortais trazido da França para ser sepultado no Brasil, durante a cerimônia de homenagem, não recebeu a visita de nenhum negro – ainda que tenha sido quem aboliu a escravidão no Brasil, através da Lei Imperial 333, de 13 de maio de 1888, conhecida como Lei Áurea. Os estudos sobre Palmares concluem que o Quilombo, situado onde hoje é o estado de Alagoas, não era um paraíso de liberdade, não lutava contra o sistema de escravidão, nem era tão isolado da sociedade colonial quanto alardeiam os criadores da fantasia romântica sobre o heroísmo de Zumbi e os Quilombos. O retrato que emerge de Zumbi é o de um rei guerreiro que, como muitos líderes africanos do século XVII, tinha um séquito de escravos para uso próprio. “É uma mistificação dizer que havia igualdade em Palmares”, afirma o historiador Ronaldo Vainfas, professor da Universidade Federal Fluminense e autor do Dicionário do Brasil Colonial.  “Zumbi e os grandes generais do Quilombo lutavam contra a escravidão de si próprio, mas também possuíam escravos”, completa. O homem branco não capturava nem aprisionava os negros na África. Aliás, ele sequer passava dos portos. Os negros eram aprisionados por outros negros, de aldeias e tribos diferentes. Não raramente, disputas internas ocasionavam o aprisionamento e a venda como escravos entre negros da mesma etnia. Não é segura a informação de que os negros escravos no Brasil simplesmente trabalhavam sem direito algum. A escravidão no Brasil seguiu semelhante ao regime do Colonato romano, surgido durante a crise do Império Romano, entre os sécs. III e V, pelo qual os trabalhadores (escravos) sustentavam-se com o próprio trabalho, num pedaço de terra arrendado pelo proprietário. Este também dava casa aos escravos. A partir desse sistema, alguns escravos passaram à condição de colonos, possuindo sua própria terra. Desde a Antiguidade e principalmente depois da conquista árabe no norte da África, a partir do séc. VII, os africanos vendiam escravos em grandes caravanas que cruzavam o deserto do Saara. Na época de Zumbi, a região do Congo e de Angola, de onde veio a maioria dos escravos de Palmares, tinha reis venerados como se fossem divinos. Muitos desses monarcas se alinhavam aos portugueses e enriqueciam-se com a venda de súditos destinados à escravidão. É certo assegurar que os escravos africanos no Brasil encontraram aqui, apesar das suas condições, melhores meios de sobrevivência, pois não corriam o risco de serem mortos por tribos rivais nem de morrerem de fome, como acontecia na África. As mulheres negras, no Brasil, apesar do sistema escravocrata e da discriminação que sofriam, passaram a constituir, com o esforço dos seus trabalhos e habilidade para negociar, uma classe social de mulheres ricas e ostentadoras de joias caras. A professora Bárbara Primo, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, in Anais do II Encontro Internacional de História Colonial, após pesquisar testamentos e inventários do período colonial, acrescenta que “desempenhando as mais diversas funções, principalmente no comércio, as mulheres negras, forras ou cativas, invadiam o espaço urbano, preocupando as autoridades. Vindas de terras distantes encontraram no Novo Mundo formas de sobreviver e, mais do que isso, de enriquecer. Portanto, pesquisas afirmam que essas mulheres, depois dos homens brancos, constituíam o grupo mais rico desta sociedade, já que, depois daqueles, eram as que mais redigiam testamentos, ato reservado aos que tinham bens a deixar”. Lançando mão de suas heranças africanas, essas mulheres dominavam o comércio a varejo e, com a ajuda de suas escravas (isso mesmo, as negras também possuíam escravas), conseguiram acumular pecúlio significativo. Apesar das adversidades e dos vários preconceitos que sofriam, os testamentos e inventários mostra que essas mulheres superaram os entraves e, mesmo mantendo os estigmas, conseguiram enriquecer em uma sociedade extremamente hierárquica e elitista. “Andando ataviadas de joias, vestindo sedas e acompanhadas de seus séquitos de escravos, burlavam a ordem vigente”, complementa a historiadora. Não se pretende, neste texto, absolutamente, desmerecer a importância dos negros para a construção de nossa identidade cultural. Entretanto, a meu ver, não os considero mais relevantes que outros povos que para cá vieram. Os imigrantes italianos, alemães, portugueses e japoneses contribuíram e continuam contribuindo para com o enriquecimento econômico e cultural do Brasil, sem vitimismo nem discursos oportunistas e desleais. E suas contribuições para com o enriquecimento econômico e cultural do Brasil e da sociedade brasileira vão muito além de meros tambores e berimbaus.

(Manoel L. Bezerra Rocha, advogado criminalista –[email protected])

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