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OPINIÃO

Conto - O andarilho e o mundo da escuridão

Seguia o viajante em sua jornada diária, somente expectativa, às vezes vendo o real tornar se irreal e o irreal se tornar real, mundo confuso, sentimentos variados transformações constantes, dias virando noites, noites virando dia.

E assim os acontecimentos vão tomando formas, ideias do hoje realizações do amanhã, assim e o mundo do saber, não o saber vindo do banco de escola, mas aquele construído com experiências reais, com gente de carne, sentimentos mutantes depende da situação, amor, dor ,ódio, como explicar o inexplicável, assim e o mundo de quem tenta criar o seu próprio mundo.

Talvez para blindar as emoções, ou por não entender os outros seres, idéias confusas, mas afinal se tivesse certeza de tudo para que continuar buscando algo que se sabe onde esta, talvez seja por isso que precise ouvir.

Uma voz interrompe suas divagações mentais, ei, psiu, você que está ofegante, o andarilho para e procura pela voz, a voz fala novamente ei amigo o cego sou eu, e não você.

O andarilho olha para trás e vê um homem de estatura mediana com um saco sujo nas costas, uma bengala nas mãos e no lugar dos olhos somente as pálpebras e se da conta que está diante de uma pessoa que tem grande dificuldade de locomoção.

O andarilho se volta e pergunta: quer ajuda?

O homem diz, é claro.

O andarilho pergunta: para onde vai?

O cego lhe responde, não sei, sou cidadão do mundo, minha casa é em qualquer lugar, mas no momento tenho sede e fome. O senhor pode me ajudar?

O andarilho estende o braço e lhe diz, vamos procurar um lugar para sentar, tenho água, e algumas bolachas que podemos dividir. Com a calma de quem trafega livremente pelo mundo em busca de entendimento, o andarilho para em uma sombra de frondosa gameleira secular, e ali se acomodando sobre uma raiz abre sua velha mochila, tirando sua garrafa de água, e o pacote de bolachas de sal, quase em farelos, começam a comer e a conversar, a árvore fornece uma sombra indescritível, que suaviza até a alma.

O cego diz para o viajante: essa gameleira deve ter mais de 60 anos. O viajante faz uma pausa e pensa consigo mesmo como ele sabe que é uma gameleira, se nem olhos tem. Curiosidade à parte, segue o lanche e a conversa.

O andarilho pergunta se a cegueira é de nascença. O homem responde que sim. O andarilho faz uma pausa. O cego diz para ele: olha amigo, não fique constrangido, pois você não é o único, por onde passo causa esse sentimento, e às vezes percebo que o cego não sou eu. Sinto as pessoas se aproximarem, mas não ouço suas vozes, elas fingem não me ver, sou cego, mas sinto aromas sons e formas, vivo em um mundo que nada se vê, mas sou capaz de imaginar, enxergo apenas nos meus sonhos, minha condição é limitada, sou privado de contemplar as belezas do criador, mas isso não significa que não posso sentir, a visão é apenas um dos sentidos, os outros não me foram afetados.

O andarilho percebe que o cego movimenta-se o tempo inteiro, e tenta se colocar no lugar do outro, tampa os olhos com as mãos e tenta andar, não consegue. O cego ri e debocha. O senhor acha que minha vida é fácil, tente ser cego por um dia. Aí quem ri é o andarilho.

O cego olha em sua direção e diz: a dificuldade està no grau de percepção do nosso olhar. No meu caso torna-se abstrato. O cego, vendo que o andarilho, não consegue enxergar com os olhos da alma diz a ele. Amigo, uma das grandes dificuldades do mundo é como vemos as coisas. Todos enxergam, mas poucos conseguem ver que são os sentimentos que nos movem. Quando queremos criar uma situação em nossa mente, fechamos os olhos, e nosso pensamento faz o resto. O grande problema das pessoas é que só conseguem ver no plano cartesiano, esquecem que em cada lugar reina um mundo dentro de um mesmo mundo, todos se isolam em ilhas, fugindo de uma visão global. O que acontece com quem está do nosso lado não nos pertence, os seres com debilidade são excluídos do convívio social.

Os olhos não trazem sofrimentos suficientes para transformações interiores, são os acontecimentos que nos fazem mudar, a dor, o desprezo, o amor.

Até para o descanso do corpo a escuridão se faz necessária. Nós viemos de uma pluralidade existencial, uma existência é solidária à outra, a evolução depende de sacrifício, tudo que acontece é parte do nosso progresso, para o bem ou para o mal. Vai depender da forma que utilizaremos de tais experiências.

A minha falta de visão me faz ver o verdadeiro eu sem vaidades, sem luxo, sem ostentação, meus valores seguem minha ótica, antes de me tornar um andarilho como você. Tentei viver em sociedade, estudei, tive minhas vaidades, amores, vícios, e a cegueira me libertou de tudo isso, pois temos mais do que necessitamos e não damos o justo valor.

A minha visão das pessoas era formada pelos meus sentimentos, o que move o mundo não pode ser comprado, as satisfações são passageiras, as emoções são instáveis, o lado externo não condiz com o interno, o sentido que busco é mais amplo, o amor surge da internalização do conhecimento recíproco, não somos o centro do universo, somos apenas parte dele em sua pluralidade.

Ando pelo mundo, não vejo, mas sinto, todos têm algo de bom. Quando alguém conversa comigo, não precisa de máscara, de subterfúgio da realidade. Noite e dia se separam pelo clima, minha alma me faz ver com clareza, minhas lembranças não têm forma, e por isso passe o tempo que passar estará do mesmo jeito. É como a visão de um pai com seu filho, por mais que se cresça, será sempre uma criança.

Vejo a luz em você, não busco compreender, somente aceito, não me vejo, mas consigo me sentir, se perambulo pelo mundo é porque sinto que ainda vale a pena. Agradeço a cada dia o fato de existir, e tento fazer com que esta existência valha a pena.

Os anos passam, as pessoas se vão, a minha jornada depende de mim. Faço o possível para estar sempre conectado com emoções e sentimentos úteis, não me prendo, não me acorrento àquilo que se torne muito pesado ao meu caminhar.

Digo coisas talvez confusas, mas para quem enxerga com a alma, se conecta aos meus pensamentos, e a noção de tempo e lugar é algo vago, sua contagem de tempo só dura enquanto sua existência for útil. Quando se afasta do ciclo social pela idade ou por qualquer outra forma de exclusão, logo cai no esquecimento, o que fica é sua obra.

Um pintor não enxerga os olhos de quem vê seu quadro, um escritor marca seu nome no livro da história, pois se sua obra tiver sentimento, passe o tempo que passar, ainda será atual, pois os problemas do mundo sempre foram os mesmos, mudaram apenas os leitores. Ler não significa entender, por isso o sentido de cada ser é único, vários tentam ler você em sua trajetória terrena, mas poucos vão te entender.

A escuridão não está nos olhos, está na alma. A frequência une os seres, cada um tem uma determinada conexão que vai seguir o seu grau de evolução, e nossa verdadeira busca será daqueles ou daquilo que estejam em nossa sintonia vibracional, e quando tentamos uma sintonia fora de nossa frequência, temos nossa evolução comprometida, pois têm seres que se aproximam de nós apenas para sugar nossa energia vital.

Tudo que busca algum tipo de conexão tem algum tipo de antena. Cada vez que mudamos um rádio de frequência, ele vai se sintonizar em uma rádio, não temos uma rádio universal, pois a energia pertence ao universo, nós é que recebemos o dom de usá-la, mas o conhecimento universal não segue um padrão genérico.

Se sairmos em busca de algo é porque não estamos completos, uma loja tem vários pares de sapato, e para cada par teremos um cliente. Terá que ter o perfil um ponto de ligação, é exatamente isso que buscamos: o ponto de ligação. Frequentamos apenas ambientes que nos completem, se for contrário as nossas expectativas nos trará desconforto.

Até para fazermos uma prece é necessário que fechemos os olhos, mas o mundo não é assim. Somos acorrentados ao que nos cerca, mudanças nos trazem medo, é assim que todos passam sua existência presos ao imaginário, fantasias voláteis, prazeres passageiros.

O tempo, meu novo amigo, nos envelhece, por mais que possamos fugir, somos vítimas de nós mesmos, mas mudanças fazem parte, depende das nossas escolhas. O ciclo que estaremos no amanhã são obras do hoje, sua caminhada não tem fim porque você ainda não se encontrou, somos prisioneiros em nosso próprio corpo, vivemos em uma prisão sem muro.

Saiba que a perfeição depende do seu ponto de vista, o amanhã será sempre uma incógnita por mais é previsível, basta que o ser caminhe com segurança.

A morte é certa, a vida uma variável. Quanto mais dúvidas, mais tempo pensando, o mundo é um lugar propício para uma completude existencial. Busque e encontraras, muitas frases feitas ficam na mente de quem vaga de um plano a outro, mas idas e vindas fazem parte do ciclo planetário. Se existe uma verdade, com quem estará, pois cada um tem a sua, e quando algo parecer estar terminado, surgira um novo pensador para o despertar do fogo contínuo que é a vida.

Essa é minha intenção, fazer com que o universo nunca pare e daqui a 100 anos minhas ideias ainda serão atuais, pois o mundo, por mais que mude, ainda será o habitat da dúvida e das divagações mentais. Ideias não se completam, pois a cada vez que temos algum tipo de inovação, temos que nos adaptar e aprender a fazer uso dela.

O andarilho ouve, sem se manifestar, e percebe que os olhos nos trazem uma dádiva, e ao mesmo tempo nos escraviza. Depois de ouvir tudo aquilo, o viajante percebe que em apenas uma vida não é tempo suficiente para se completar todo um ciclo evolutivo, o ciclo não se fecha, sempre vai estar faltando algo. O andarilho olha para o homem que lhe trouxe mais perguntas do que respostas e percebe que ele dorme sobre a raiz da árvore embalado pelo cansaço, viajando no sono profundo e tem a certeza que dentro de si mesmo aquele ser sem olhos consegue enxergar um mundo bem mais evoluído do que o que nós vivemos, e o caminhante segue sua jornada pensando em qual momento encontrará a frequência perfeita de sua existência.

(Paulo César de Castro Gomes, formado em Direito pela Universidade Salgado de Oliveira Goiânia, pós-graduado em docência universitária pela Universidade Salgado de Oliveira Goiânia, pós-graduando em Criminologia e Segurança Pública UFG)

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