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OPINIÃO

Memória-esquecimento

O esquecimento do Monumento ao Trabalhador mostra a maior atrocidade cultural que aconteceu em Goiânia durante a ditadura militar. Atrocidade essa que se prolongou por vários gestores executivos. Espera-se um ressarcimento à democracia.

Os equipamentos públicos culturais (esses que nos encontramos, usamos como referência a algum endereço ou logradouro, temos o primeiro encontro amoroso, relembramos sobre algum momento marcante na história, tomamos o primeiro porre, discutimos política, comemoramos a vitória do time preferido, brincamos de pique e pega, biloca, bete, etc.) são construídos em forma coletiva para ocupar e oferecer aos transeuntes uma relação de pertencimento a rua. O Monumento ao Trabalhador, que existiu na Praça do Trabalhador até 1987, é um dos exemplos que compõem a memória coletiva no que diz respeito a conquistas de algum marco. No caso, conquista aos direitos trabalhistas e a sua significativa importância na constituição e construção da cidade.

E por que existiu? Fundado em 1959, e construído a pedido de sindicalistas, o monumento representava a conquista de direitos civis e trabalhistas conferidas às classes pobres. O intuito era mostrar a importância dos trabalhadores para uma construção moderna da cidade que embaçado em princípios de justiça a progressão social seria alcançada. Tendo como construtor dos cavaletes o arquiteto Elder Rocha Lima e dos dois painéis em forma de mosaicos, narrando A Luta dos Trabalhadores e o Mundo do Trabalho, o artista Clovis Graciano o Monumento ao Trabalhador foi destruído de forma parcelada entre 1969 e 1987.

A destruição aconteceu, primeiramente, pelo Comando de Caça aos Comunistas (CCC), em 1969, e, subsequentemente, por chefes do Executivo municipal de Goiânia durante varias gestões, como já resenhado pelo professor Pedro Célio Alves Borges no artigo Reparar um crime contra Goiânia (Fevereiro/2015: http://migre.me/sFrFw). Todos eles praticaram tal delito por primícias meramente político ideológicas, atribuindo ao monumento exclusivamente um significado comunista.

Aos poucos, como resultante do agravamento dos crimes, a relação que o equipamento cultural traz aos trabalhadores é totalmente esfacelada. Como consequência desastrosa desses atos de vandalismos institucionalizados, tem-se o risco de esquecimento coletivo dos marcos históricos nas conquistas dos já citados direitos trabalhistas.

A representação física do monumento traz a lembrança essas conquistas. Interferindo desse modo na rotina da cidade e paliativamente na dos moradores e visitantes da capital goiana. Principalmente, por ser única arquitetura simbólica do movimento socialista sobre a paisagem urbana de Goiânia. Essa representação se dava por uma essência simbólica do monumento que ainda é possível perceber de forma imaterial nos poucos vestígios da memória.

Pós-destruição da obra física, aos poucos o Monumento vem desaparecendo também da lembrança de cada individuo e, consequentemente, da memória coletiva. Se sairmos à rua questionando pessoas que vivem na cidade a mais de 40 anos é provável que pouquíssimas se lembrem do monumento.

Nesse sentido, o ressarcimento aos trabalhadores e à democracia seria a reconstrução do monumento. Sendo assim, a Lei Orgânica do Município de Goiânia no que tange a concepção de preservação de patrimônio histórico, não prevê a reconstrução, mas apenas a recomposição das partes existentes dos objetos históricos, vulgarmente conhecidos como anastilose. Assim, o Monumento ao Trabalhador sofre outro crime: o de não haver políticas públicas efetivas para a preservação e manutenção dos equipamentos históricos culturais de Goiânia.

Por fim, para que atrocidades parecidas não voltem a se repetir com outros símbolos marcantes de nossa história, tipificados em monumentos matérias, o que se espera é um empenho das autoridades competentes em reconstruir o Monumento ao Trabalhador.

(Pablo Lopes atua como agente cultural no Movimento Mais Cultura e é corresponsável pela implantação da Rede Municipal Cultura Viva em Aparecida de Goiânia- GO. Formado em Gestão Cultural pela Universidade de Brasília e graduando em Ciências Sociais, com ênfase em Políticas Públicas pela Universidade Federal de Goiás. Participante do Ponto de Cultura Cidade Livre)

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