Cartas de amor que escrevi!
Diário da Manhã
Publicado em 20 de dezembro de 2017 às 21:47 | Atualizado há 7 anosSou, à moda antiga, um aficionado em cartas pessoais, principalmente aquelas com linguagem coloquial; outro dia, em estando na Santa Tereza, resolvi remexer em uma das minhas caixas, onde guardo as ditas cujas.
Qual não foi meu espanto ao constatar que havia ali uma grande quantidade de cartas, tanto as recebidas, como as expedidas (Quase sempre guardo as suas copias!). Lembro-me que minha mãe, no nosso antigo lugarejo de Gaspar Lopes (MG), gostava de escrever cartas ou mesmo bilhetes a serem entregues, por mim, aos proprietários das “vendas”, encomendando, pelo portador, algumas necessidades da cozinha (Ela era proprietária de uma Pensão com boa movimentação de hóspedes).
– Traga o bilhete de volta, dizia ela, para que eu possa controlar a movimentação da nossa “conta-fiado”.
Acho que aprendi com ela!
Durante algum tempo mantive uma correspondência epistolar com o meu inesquecível amigo, Dr. Francisco Taveira, quando discutíamos assuntos os mais variados possíveis; lembro-me da sua letra “redondinha”, tão diferente da dos médicos.
O grande diferencial desta correspondência é que nós dois morávamos em Goiânia!
De uma certa altura em diante da vida do Dr. Taveira, ele passou a ter alguma dificuldade para se comunicar, verbalmente (estava iniciando alguma deficiência auditiva e visual); acertamos, então, enviarmos carta, pelo correio, um para o outro!
Parecíamos dois namorados aguardando, com ansiedade, a chegada do correio!
Na minha vida de médico tive a felicidade de me aproximar de uma multidão de pessoas e atendê-las em momentos de alguma dificuldade existencial.
Lembro-me, como se fosse hoje, do dia em que um famoso médico cardiologista de Goiânia procurou-me com um quadro que se me afigurava como grave, estando a exigir um tratamento cirúrgico.
Operei-o, com a ajuda do Grande Arquiteto do Universo, com sucesso e hoje, quando nos encontramos, festejamos o acontecimento; na evolução do pós-operatório, ele presenteou-me, com um beijo e uma lembrança. Escrevi a ele a carta que transcrevo abaixo.
Goiânia, 14 de Janeiro de 1995.
Meu amigo:
Com lamentável e indesculpável demora, estou agradecendo a lembrança que você me obsequiou por ocasião das festas natalinas. Estou lhe agradecendo não por dever de oficio (recebi um presente, tenho que agradecer!), há, realmente, razões mais importantes para este gesto.
Gostaria de dizer-lhe que o fato de ter tido a oportunidade de participar, um pouco mais, em um momento de grande dificuldade existencial na sua vida, tornam os atos advindos deste relacionamento mais profundos.
Na nossa vida de médicos, você e eu, temos tido a pretensão de curar muitas pessoas, se isto realmente acontece, não é devido a nós, mas sim por nós.
Há um Ser Superior guiando nossas ações, definindo nossos atos. Senti grande emoção ao ver em sua face, na sala de cirurgia, o retrato da incerteza, a necessidade de percorrer a longa caminhada da insegurança.
Esta emoção atingiu matizes surpreendentes, quando divisei lágrimas nos seus olhos; havia necessidade de prosseguir o trabalho iniciado e havia aflição nos atos; o cérebro exigia a movimentação das mãos e o coração teimava em apertar meu peito.
Voltei muitos anos atrás, naquela mesma sala de cirurgia e vi-me a lutar com o mesmo inimigo, que naquela época açoitava meu pranteado pai. Luta desigual e sem fronteiras.
Não há vencidos nem vencedores. Há a constatação da nossa impotência perante Forças Superiores aos nossos desejos.
Sinceramente seu
Sempre Seu
HM
(Hélio Moreira, da Academia Goiana de Letras, Academia Goiana de Medicina, Instituto Histórico e Geográfico de Goiás)