As diversas formas de menstruar
Redação DM
Publicado em 24 de fevereiro de 2022 às 12:44 | Atualizado há 5 meses
Se por décadas foi envolta por um véu de crendices, hoje a menstruação é tema obrigatório. Para certas mulheres é um transtorno evitável, para outras, sagrada. Já o feminismo tem cobrado a discussão em seu caráter social com a chamada pobreza menstrual. Ou seja, o tema corriqueiro na vida das mulheres, tem ganhado mais atenção da sociedade em seus diversos vieses.
Em seu consultório, a ginecologista e professora da Faculdade de Medicina da UFG, Zelma Bernardes Costa conta que é corriqueiro mulheres que vêem a menstruação como um transtorno e procuram informações sobre o uso contínuo do anticoncepcional, com o intuito de cortar ou controlar a menstruação. “Eu diria que metade das mulheres que me procuram, não querem menstruar”, diz.
A médica explica que o chamado ciclo contínuo, não causa danos à saúde e em alguns casos é recomendável. “É indicado para quem possui o fluxo intenso e tem muita cólica, pois o risco de desenvolver endometriose pélvica diminui quando se sangra menos”, diz a ginecologista, ressaltando o fato de existir mulheres em que o uso da pílula é contraindicado. “Quem possui enxaquecas, graves, risco de ter um AVC ou isquemia no coração, não pode tomar pílula de forma nenhuma”, ressalta.
Lua
Porém, há mulheres que não passam pela cabeça não menstruar e viver esse ciclo significa amor e aceitação. Esse é o caso da enfermeira obstetra Caroline Mevie, ela também é ginecologista natural, um estudo ancestral relacionado ao corpo feminino, ciclos, saúde e natureza.
Na ginecologista natural, a menstruação é chamada de “lua” ou “anciã”. Lua, porque suas fases facilitam a compreensão das mulheres sobre ciclo e fertilidade. Já anciã, é o arquétipo da lua nova, fase em que antigamente a maioria das mulheres menstruavam.
“A anciã é essa senhora que precisa descansar, se recolher e ser poupada. Se aprendemos a fluir com as nossas fases, aprendemos a respeitar a nós mesmas e ao nosso ritmo”, detalha.
Durante a menstruação, ela também é adepta do ritual chamado plantar a lua, que consiste em recolher o próprio sangue menstrual, diluí-lo em água e depositá-lo na natureza. “Plantar a lua é uma adoração a si mesma como fonte de vida”, esclarece.

A ginecologista natural pratica ainda o free bleeding, movimento que se baseia em não bloquear ou coletar o sangue durante a menstruação. “Essa prática liberta da obrigatoriedade de esconder a menstruação ou de ficar incomodada com algum artifício. Umas gotinhas de sangue podem estar no seu lençol, mas até isso você ressignifica porque se tem mulher na casa é algo que pode acontecer”
Caroline, que faz mentorias sobre o assunto, afirma que nem sempre foi assim e a menstruação era motivo de vergonha e culpa. “Não fomos ensinadas a amar nossos processos femininos, fisiológicos e naturais”.
Para o feminismo
Encarar a menstruação como processo natural é também uma das causas do feminicídio. No entanto, de acordo com a feminista e analista internacional, Laira Rocha, que é mestre em Ciência Política e Relações Internacionais e membra do Conselho Municipal de Direitos da Mulher de Curitiba, o movimento busca ainda entender seus impactos na vida social econômica e política das mulheres e refletir políticas.
“A intenção é mitigar circunstâncias de desigualdade e dano que a vivência da menstruação pode causar em uma sociedade que não foi pensada por e para mulheres que podem gerar”, diz.
Um dos impactos da menstruação para a população pobre, Laira Rocha mostra com os dados da pesquisa“Pobreza menstrual no Brasil, realizada pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e pelo Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), que demonstrou que 62% das meninas entrevistadas já deixaram de ir à escola por causa da menstruação.
“Percebemos rapidamente que a menstruação tem impacto no desempenho escolar, fato que somado a outros elementos cria um contexto desfavorável para elas produzirem e absorverem conhecimento”, conclui.
A infraestrutura também é pensada pelo movimento, como qualidade e a existência de banheiros e saneamento básico. Outra questão que Laira aponta é o preço dos absorventes, tendo em vista que menores de 14 anos não podem trabalhar e, quando adolescentes e adultas, são as mais sujeitas a trabalhos informais, mal remunerados.
“As mulheres ainda ganham 30% a menos que homens, que ocupam os mesmos cargos. Assim, a manutenção deste produto de higiene, um direito básico, está sujeita à corda-bamba dos recursos econômicos escassos”, argumenta.
A feminista debate ainda que os absorventes são taxados como produtos supérfluos de “perfumaria”, o que contribui para encarecimento dos produtos. “Em alguns estados a taxação de impostos chega a 25%. Isso nos faz perguntar, não é interesse do Estado facilitar o acesso das mulheres a um direito tão básico como saúde e higiene?”
Vale lembrar que o presidente Bolsonaro sancionou a lei que institui o Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual, mas vetou os principais pontos da proposta aprovada pelos parlamentares. Com a repercussão negativa do veto, o presidente voltou atrás e disse que o Governo Federal irá trabalhar para viabilizar a aplicação dessa medida, respeitando as leis que envolvem o tema, para atender de forma adequada às necessidades dessa população.