Brasil

7 prisioneiros e a escravidão contemporânea

Redação DM

Publicado em 14 de dezembro de 2021 às 13:32 | Atualizado há 4 anos

A Netflix vem se destacando por suas produções, muitas são razoáveis, algumas são péssimas, entretanto há obras-primas mergulhadas num mar de mesmices. Um dos últimos lançamentos cinematográficos do canal de streaming é a obra Os 7 Prisioneiros, filme nacional estrelado pelo astro Rodrigo Santoro e, pelo até então desconhecido, Christian Malheiros.

Os 7 prisioneiros narra a história de quatro jovens que saem do interior do estado de São Paulo e vão trabalhar, com a promessa de dias melhores, na capital paulista, entretanto chegando na metrópole encontram, ao invés da utopia prometida, uma realidade de exploração, cárcere privado e falta de esperança.

Em São Paulo os jovens, que trabalharão em um ferro-velho, não recebem pagamento pelos serviços prestados ao “dono” do estabelecimento, um rabugento e violento Luca, vivido por Santoro, ao questionarem essa situação e tentarem ir embora do local terminam literalmente prisioneiros de Luca, que alega que eles devem dinheiro pela ajuda de custo à suas famílias, transporte e alojamento; desta feita eles são obrigados a trabalharem de forma análoga à escravidão para pagarem suas dívidas.

Depois de embates agressivos, falta de alimentação e sofrerem violência física um dos jovens tenta diplomaticamente negociar a saída dos quatro jovens do local, e com isso, torna-se uma espécie de líder dos quatro. Mateus, interpretado pelo promissor Christian Malheiros, ao tomar para si a tarefa de negociador também torna-se o braço direito de Luca.

Com o caminhar da narrativa vemos que não há apenas um simples maniqueísmo na obra, o bem contra o mal, mas uma realidade complexa. O dono do ferro-velho  revela-se um ser humano comum, um sobrevivente de uma sociedade violenta, excludente e desigual, e Mateus  vai se adaptando aos negócios, por medo de que algo acontece à sua família, devido as ameaças feitas pelo personagem de Santoro, e por causa da ajuda financeira recebida por sua mãe.

O que era uma simples história de trabalho escravo vai se ampliando para tráfico internacional de seres humanos, xenofobia, ligações com políticos, máfia, polícia e uma rede incomensurável de pessoas ligadas ao crime.

O filme que vem embalado numa estética que lembra o cinema brasileiro da virada dos anos 90 para o início do século 21 traz a tradição da crítica social, da denúncia, do olhar para a miséria socioeconômica, ética e desumana. A evolução dos personagens esgarça a capa de vítimas e algozes e nos mostra como o ser humano pode mudar de posição, opinião e de atitude conforme enxerga uma possibilidade de sobrevivência, de ganho e de se tornar-se o explorador.

O protagonista Mateus transforma-se em capitão do mato urbano, em parte para sobreviver, entretanto, ao final fica a imagem de um jovem negro e pobre que começou a gostar do comando, do dinheiro e de ser alguém com poder.

Para além de um roteiro piegas com final feliz, o que temos é uma arte com análise sociológica sobre a continuidade histórica da exploração do trabalho, da utilização de parte dos indivíduos das classes subjugadas nessa faina, e com o lucro ligado umbilicalmente à dominação e exploração dos “desclassificados”.

O Brasil é bem representado pelo cenário do ferro-velho, um lugar arcaico que convive com a modernidade no qual o conservador, o trabalho escravo, o preconceito e desumanidade convivem com o crescimento econômico, com a liberdade e com a proteção da família.

Ao fim do filme não temos raiva do vilão carrancudo, pena do jovem negro que ascendeu ao posto de gerente; não temos o sabor doce de um final feliz, catártico e resplandecente. No final se destaca apenas o soco contundente da realidade jogada em nosso rosto e a pergunta ácida que surge em nossa cabeça:  somos todos assim para sobreviver?

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