Ettore Scola conta história de Fellini com alegoria
Diário da Manhã
Publicado em 26 de agosto de 2020 às 23:02 | Atualizado há 5 meses
Que o cineasta italiano Federico Fellini (1920-1993) foi homenageado à exaustão, estamos carecas de saber. Mas o reencontro póstumo feito pelo seu amigo Ettore Scola – também diretor, responsável por preciosidades, como “Nós Que Nos Amávamos Tanto” – é a mais fiel ode à inspiração artística e à estética felliniana. Um bálsamo de beleza, eu arriscaria. Último filme concebido por Scola, “Que Estranho Chamar-se Federico!” passa longe daquela pretensão comum às cinebiografias: a de resgatar traços reais que marcaram o biografado.
Bobagem, bobagem. Porque, em se tratando de Fellini, sejamos justos, quando mais fantasmagórico, alegórico, onírico, fabulista, mais o filme se aproximará de sua faceta criativa. Sem imagens de arquivo, apenas com a reprodução de algumas de obras fellinianas, Scola cria cenas de ficção ao filmar, conforme a luz, momentos importantes da trajetória do maior diretor italiano de todos os tempos. Está ali, com a beleza da sétima arte, a chegada do autor de “Oito e Meio” à redação do jornal satírico “Marc´Aurelio” numa Itália mergulhada na Segunda Guerra.
O filme é conduzido narrativamente por um guia que, além de apresentar ao espectador os meandros e as nuances da vida de Fellini, reitera que o cineasta tinha, digamos, uma doce vocação para distorcer a realidade. Era um ímpeto poético, no entanto. Por isso, ao invés de fazer um documentário chinfrim sobre o amigo, Scola cria uma ficção (ok, biográfica, pra ser exato) com o auxílio dele. E ao atestar seu carimbo singular ao longa, o diretor coloca-se no enredo, conversando com o protagonista sobre o ofício cinematográfico e perambulando pela noite de Roma.
São as memórias das sensações e dos sentimentos – ora traiçoeiros, ora sensíveis, mas sempre reconfortantes – o maior trunfo do longa-metragem. Sim, “Que Estranho Chamar-se Federico!” parte das lembranças de Scola, um leitor dos artigos e admirador dos desenhos de Fellini “Marc´Aurelio” que chegou a ser cúmplice de seus devaneios noturnos. Scola foi o único, aliás, que conseguiu convencer o amigo a interpretar a si mesmo em “Nós Que Nos Amávamos Tanto” e, honestamente, aproveita-se desse privilégio – que não é para qualquer um, por sinal.
Morto em 19 de janeiro de 2016, Scola inspirou-se na convivência com Fellini para conceber sua visão particularíssima sobre o personagem mais marcante do cinema italiano. Fellini libertou-se da morte a partir da magia que apenas a sétima arte é capaz de fazer. O cinema, em tempos de esgotamento provocado pelo isolamento social, é um reconfortante alento.
Ficha Técnica
“Que Estranho Chamar-se Federico!”
Direção: Ettore Scola
Produção: Itália, 2013
Onde: Now
Preço: R$ 6,90