Parábola do vinho novo em odres velhos
Diário da Manhã
Publicado em 26 de agosto de 2018 às 01:04 | Atualizado há 7 anos
Depois foram a Jesus os discípulos de João e os fariseus que estavam jejuando e perguntaram-lhe:
“Por que é que nós, discípulos de João e os dos fariseus, jejuamos frequentemente e fazemos longas orações, e os teus, pelo contrário, comem e bebem como faz toda gente?”
Jesus respondeu-lhes:
“Por acaso podem jejuar ou ficar tristes os convidados do casamento enquanto o noivo está com eles? Enquanto o noivo estiver com eles, não podem jejuar. Dias virão, porém, em que o noivo lhes será tirado, e então nesses dias jejuarão”.
Propôs-lhes também uma parábola:
“Ninguém costura remendo de pano novo em roupa velha, porque o remendo novo, pelo fato de encolher, repuxa a roupa velha e o rasgão torna-se maior, também o remendo do novo não combinará com a roupa velha.
E ninguém põe vinho novo em odres velhos; caso contrário, o vinho fará arrebentar os odres, o vinho se derrama e perdem-se os odres. Coloque-se, antes, vinho novo em odres novos para que ambos se conservem. E ninguém há que, bebendo vinho velho, queira logo beber do novo, porque diz: o velho é melhor!” (Evangelhos de: Mateus, cap. 9, vv. 14 a 17 – Marcos, cap. 2, vv. 18 a 22 – Lucas, cap. 5, vv. 33 a 39).
Durante o banquete na casa de Mateus, Jesus é questionado a respeito do comportamento de seus discípulos porque não praticavam o jejum conforme as tradições judaicas. O divino Messias, sem reprovar a prática do jejum, explica que os seus discípulos ainda não necessitavam desse exercício espiritual vinculado ao desenvolvimento das virtudes da disciplina, da temperança, da fortaleza interior e da purificação do corpo enquanto estivessem sob suas orientações diretas.
Ao notar que os discípulos de João Batista e os dos fariseus não compreenderam o seu ensino por meio da metáfora, Jesus narrou-lhes uma parábola, explicando por quais razões não se pode costurar remendo de pano novo em roupa velha nem por vinho novo em recipientes velhos. Isso porque não se pode adaptar novos e eficazes ensinamentos e práticas espirituais aos ensinos e costumes que não atendem ou que atendem parcialmente às necessidades evolutivas do espírito.
Embora a prática do jejum de alimentos ajude no desenvolvimento do autocontrole, na cura de enfermidades e na manutenção da saúde psicofísica, Jesus propôs um tipo de jejum mais desafiador e necessário à evolução do Espírito: o jejum espiritual, ou seja, a abstinência de atitudes que desrespeitam os direitos naturais do próximo, por meio da qual é possível desenvolver o amor, a caridade, a compaixão, o senso de justiça e o condicionamento da disciplina. Desse modo, Jesus censura as práticas exteriores sem o comprometimento espiritual tão necessário ao processo evolutivo.
Nesse contexto, é também possível considerar que não há como conciliar novos padrões mentais, os quais contribuem com a evolução intelecto-moral, com hábitos adquiridos que não mais atendam aos interesses do novo nível de evolução espiritual que se deseja alcançar. O padrão mental que é necessário, útil ou importante em determinado grau evolutivo poderá não mais satisfazer às exigências de um grau superior de evolução. No entanto, durante o período de transição entre um padrão mental e outro mais avançado é possível verificar, em muitos casos, a existência de comportamentos contraditórios, causadores de desconfortos físicos e conscienciais, até que os novos hábitos componham definitivamente a nova estrutura de personalidade.
O “homem novo” e o “homem velho”, segundo a concepção evolutiva do apóstolo Paulo, são padrões mentais existentes em todos os níveis de evolução espiritual. Isso, até que se alcance um nível de perfeição intelecto-moral, quando não mais se tenha de escolher entre o bem e o mal, como norma de comportamento, resultado do uso do livre-arbítrio. O homem novo, pertencente a determinado nível de evolução espiritual, será o homem velho em nível evolutivo mais adiantado. Embora os padrões mentais do homem velho sejam necessários para se alcançar níveis mais adiantados de evolução, serão incompatíveis com os padrões mentais do homem novo, que os desprezará definitivamente.
Jesus também nos ensina que não é possível transitar indefinidamente entre um nível evolutivo mais adiantado e outro mais atrasado. Em algum momento, haverá uma estabilidade evolutiva, que permitirá uma relativa paz, até o indivíduo aprender como evoluir sem tentar uma adequação entre as virtudes e os vícios, ou seja, sem tentar “costurar remendo novo em pano velho” ou “colocar vinho novo em odres velhos”. Também, não raras vezes, essa estabilidade evolutiva ocorre quando existe algum tipo de pressão decorrente da Lei Natural do Progresso, a qual sempre regula o comportamento do indivíduo, conduzindo-o às atitudes de respeito aos direitos naturais de todos os seres da Natureza, além de estabelecer deveres naturais, indispensáveis à evolução espiritual.
Em níveis menos adiantados de evolução espiritual, há uma tendência de acomodação que tende a impedir qualquer mudança para nível evolutivo mais avançado. Essa tendência ocorre devido a fatores externos, por exemplos, sociais, culturais e biológicos, e também devido a fatores internos, por exemplos, espirituais, morais, psicoemocionais e afetivos. Por isso, Jesus afirmou: “E ninguém há que, bebendo vinho velho, queira logo beber do novo, porque diz: o velho é melhor!” No entanto, as leis naturais da Evolução espiritual possibilitarão que esses mesmos fatores, em adiantadas manifestações, transformem-se em elementos ou fatores motivadores para mudança de nível evolutivo. Isso porque ninguém está condenado a permanecer indefinidamente em determinado nível evolutivo. Deus, em sua infinita misericórdia, possibilita aos seus filhos a capacidade de desenvolver talentos, sentir vocações e de encontrar oportunidades que faculte ao espírito aproximar-se cada vez mais das venturas do Seu Reino de Amor e Justiça.
(Emídio Silva Falcão Brasileiro é escritor, pesquisador, membro da Academia Espírita de Letras do Estado de Goiás, www.cultura.trd.br)