“Não existe luta sem sangue”
Redacão
Publicado em 27 de maio de 2018 às 03:51 | Atualizado há 5 meses
DM acompanhou o dia a dia de acampamentos espalhados nas rodovias. Movimento reúne atributos de coragem e honra e não revela intimidação com chegada do Exército
Eric Bezerra de Carvalho, 35, na divisa de Goiás com o Distrito Federal, na BR 060, levantou a mão e fez um sinal. Em segundos, um grupo se formou para organizar um protesto. O relógio marcava 8h25 de sexta-feira, 25. Dezenas de caminhoneiros se organizavam diante do frio de 9 °C da região do Entorno do DF.
Os que ainda estavam ao lado de fogueiras largaram o posto e se reuniram para falar. Eric se apresentou como líder, mas pediu educadamente a palavra. Disse com voz miúda e baixa que o Brasil vai parar para poder respeitar quem trabalha pelo desenvolvimento e reafirmou a força que a mobilização tem.
“Nós estamos aqui reivindicando uma causa que não é apenas dos transportadores. Mas de todos nós brasileiros. Temos uma força muito grande. E nós tomamos consciência disso. Então agora vamos mostrar o que pensamos. Sabemos que é a malha viária que faz o Brasil crescer e acontecer. Gostaria que a população entendesse: não existe luta sem sangue. Pessoal, a sociedade dos caminhões brasileiros está pedindo socorro. Tenham paciência com a gente”, disse ao Diário da Manhã.
Durante todo o dia de sexta-feira e sábado os manifestantes se reuniram. A reportagem do DM passou por diversas vias de Goiás, Distrito Federal e Bahia e encontrou um movimento sólido. Socialmente, eles se integram em grupos de dez a 20 caminhoneiros. Realizam churrascos, discutem futebol, mandam fotos para os familiares e interagem com quem atravessa pelas barricadas.
Quem passa de madrugada pelos acampamentos observa os movimentos de vigília ao redor das fogueiras. A quietude esconde nervosismo. Afinal, o que fazer quando o Exército chegar? O Governo Federal publicou ontem um decreto que permite o uso das Forças Armadas para desobstruir as rodovias.
Quem cruza de carro buzina e grita em apoio. “Vocês são heróiiiiiiiiis!!!!!”, diz uma loira que passa lentamente na direção para Luziânia. “Tá vendo? Isso arrepia a gente. Deixa todo mundo feliz, pois sabemos que o Brasil está do nosso lado”, diz Cristiano Pereira, da Bahia, que diz não temer o Exército. “Uai, mas nós queremos mesmo é a intervenção militar!”.
O que se vê ali é um grande descontentamento com as propostas do governo, que apressadamente anunciou o fim da greve. Logo pela manhã de sexta eles fizeram questão de reafirmar que Governo e imprensa “mentiram” quanto ao fim da paralisação.
SEM TEMOR
Juninho Canhão, um motorista de São Paulo que segue para a Bahia, disse para a reportagem que “não teme Justiça nem governo”. E que não receia nada, pois tem direito de parar o caminhão e fazer o que quiser.
O grupo ao redor de Eric deixou claro e em alto bom som: “A greve não acabou!!!”.
“Nóis que mandamos neste País. Nóis que transportamos o pão de cada dia. Sou cidadão. Não sou vagabundo não. O seu luxo é ‘nóis’ que traz pra você. Nóis todos somos ‘caminhão’, todos dependem dele. Você está vendo aí a falta que a gente faz. Começa a olhar ao seu redor, no seu lar. Veja!”, diz Valdson Cordeiro da Silva, de Anápolis.
Sob o dó de peito, o grupo gritou uníssono pelo impeachment do presidente Michel Temer (MDB) e reafirmou que um grupo de “pelegos” teria negociado com o Governo Federal e aceitado a trégua de 15 dias. Por fim, o governo teria tentado jogar o Exército contra eles.
DIESEL
Ao conversar com os mobilizados, todavia, se percebe que a rede de protestos não discute filigranas do diesel. Inicialmente – de fato – é está a causa da grita, conforme um protestante de Anápolis: “O movimento todo é pelo diesel, o combustível que movimenta o Brasil. Queremos isso: o fim dos impostos”
Mas muitos outros pontos, como o valor geral dos combustíveis, está em pauta. Ao que se percebe, por trás do reclame do diesel existe uma grande insatisfação com a política. Os caminhoneiros citam nominalmente os políticos que entendem ser responsáveis pela crise. Um deles mostra uma lista com endereço e telefone dos agentes políticos. Na lista entram ex-presidentes, ex-governadores e políticos com mandatos.
Um braço forte do movimento pede intervenção militar urgente, pois está cansado de abusos. Outro quer a volta de políticas públicas que contemplam os direitos sociais. A babel ideológica não esconde o que os une: a indignação.
O movimento tem estratégia de sobra para enfrentar a pressão da grande mídia e dos ministros de Michel Temer. Vai continuar nas laterais das estradas e reunidos – o que não é proibido. Afinal, ninguém pode ser obrigado a trabalhar – ainda mais em condições injustas
Camaradagem marca união dos caminhoneiros
A caminho de Posse (GO), em rodovia que segue até a Bahia, um grupo de caminhoneiros fazia um churrasco enquanto discutia os desdobramentosdamanutençãodagreve. A cada cinco carros que passava pela rodovia, que não estava obstruída, um deles doava alimentos para os motoristas. Carne, refrigerante, água e cerveja chegavam através de doações para os “heróis brasileiros”.
EXÉRCITO
Antônio Carlos ‘Marmita’, de Minas Gerais, disse ao DM que aguarda ansioso a chegada do Exército. O agrupamento não tem armas, mas diz que existem estratégias e uma “solução final”. Mas eles se negam a explicar ao DM o que querem dizer com a expressão.
TEMER
Apesar da grande tensão provocada e receio, já que eles acreditam que “Michel Temer seja inconsequente e desequilibrado”, o grupo mantém o foco na sobrevivência. Entre um churrasco e outro, falam com filhos e acalmam as esposas.
SAUDADES
Um dos caminhoneiros, seu Oswaldão, chegou a chorar: “Minha vida é minha esposa. Sempre fiquei só dez dias sem ver ela. Agora que bati os dez dias: tô nos 12 com muita vontade de beijar ela, de abraçar ela…”
Minha vida é minha esposa. Sempre fiquei só dez dias sem ver ela. Agora que bati os dez dias: tô nos 12 com muita vontade de beijar ela, de abraçar ela…”Seu Oswaldão, caminhoneiro.
“Sobram 20%. Se fosse uma empresa já estava falida”
Eric Bezerra, o líder, diz que o que recebe hoje não é suficiente para sequer manter o trabalho. “Hoje, sou autônomo, minha despesa é 80% do frete. Sobram 20% para manutenção e sustento da minha família. E dessa despesa, 70% vai para pagar óleo diesel. Que empresa com 80% de despesa vai dar certo? Não tem como. Pega o lápis. Faz a conta, meu irmão. Por isso não vamos mais nos calar”.
“Não vamos arriar. É agora ou nunca. Sou de São Paulo. Já estou com saudade da minha família, mas agora só quero honrá-la. Vão saber lá na vila, no meu setor, que nós temos coragem e determinação. Se você tira tudo, evidente que não sobra nada. Hoje nós pagamos caro pra comer, pra rodar nas estradas”, desabafa Nicola Neto.
Edson Chagas, de Goiânia, reclama do preço do uso de banheiro. “Rapaz, é tanta indignação! Nós pagamos R$ 5 para urinar, para usar o banheiro. Tem um região no Pará que é mais cara ainda. Um verdadeiro absurdo! E o frete é muito barato. Não vamos abandonar as estradas até sentir que esse governo ladrão vai parar de nos matar aos poucos”, diz em tom de completa irresignação.
PROPOSTA
A proposta do Governo Federal foi amplamente rejeitada pelo movimento grevista. Nicola Neto diz que Michel Temer é “traiçoeiro”: “Ele dá dez agora e amanhã aumenta 20”, diz, em referência à proposta da redução tributária.
A reunião do governo – diz Eric Bezerra – ocorreu com um “sindicato que usa nosso nome”. Para ele, existe claro interesse em reduzir a força do movimento, que pode despertar a consciência dos demais brasileiros. “Nós estamos com o Chorão, da Associação dos Autônomos. Só queremos dignidade e respeito. E vamos continuar por horas e horas, dias e dias”, diz.
O caminhoneiro Jacó Mutoni, do Paraná, reclama também do Governo de Goiás, que teria um dos ICMS mais caros do País. “Esse Estado e Minas Gerais é uma vergonha: rouba desavergonhosamente desse povo todo que está aqui.