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Vinho, elevação espiritual para equilibrar o cérebro

Diário da Manhã

Publicado em 23 de maio de 2018 às 22:40 | Atualizado há 7 anos

Colocar o vinho em minha boca, é degustar uma gota do rio da história humana. O vinho é poesia em uma garrafa. As dores do mundo, eu alivio nas espu­mas da banheira, com uma taça da bebida de baco, coloco música para relaxamento do corpo e da mente, luz de velas e logo me entrego ao bom sono sem precisar de remédio tarja preta que me apaga e perco a viagem dos sonhos.

Ah! Quantas vezes uma garrafa de vinho foi, e é uma boa compa­nhia para mim? Porque um copo de um bom vinho é uma criatura delicada, que a mortalidade recon­cilia. Isso é algo que poucas coisas podem fazer. Sou como vinho ve­lho. Saio pouco, não tenho tempo para a hipocrisia social e nem para conversas de riso falso, por isso, eu estou muito bem conservada.

Eu bebo livremente os vinhos que me oferece a vida e não me preocupo com o quanto foi derra­mado em choro. Como Fritz Allhof declara que: “ Existe uma diferença importante entre o vinho como um lubrificante social e o vinho em si como objeto merecedor de estudo filosófico”. Para mim, esta é a idéia do vinho como resultado.

A taça de vinho proporciona para mim um retrato com camadas so­brepostas, repleto de metáforas ba­nhadas nas partículas descendo no cristal. Sombras vermelho do vinho – granada, Borgonha – são derra­madas na tela da vida evocando um tom emocional. Os vermelhos quentes do vinho, nos remetem a paixão, as conversas alegres, cho­ro e divã. Mas as vezes contempla em mim, algo maior e muito restri­to. Sinto as fontes de prazeres emo­cionais e sensitivos: recipiente do vi­nho e seus mistérios.

A marca de um bom vinho é a capacidade de captar o que está além da taça, e transmitir signifi­cado além daquilo que está ime­diatamente aparente. Eu sempre sou uma observadora de um vi­nho que me passa uma cena ver­dadeira e precisa. Em um encon­tro de amor, assumo uma posição desconfortavelmente íntima com a pessoa à mesa de jantar, olhan­do diretamente para o ambiente e para os olhos de quem está dian­te de mim. Aí a forma de achar um bom vinho, é a habilidade de cap­tar o que está além da represen­tação de um objeto e transmitir significado além daquilo que está imediatamente aparente.

De um pote de cerâmica a uma taça de vinho de cristal, cada pes­soa que bebeu num desses reci­pientes sentiu o poder que nosso caminho emerge por um tempo, e termina no espaço de um sonho.

Para conhecer um vinho, eu uso a teoria da consciência per­ceptiva, baseada na evolução, que explica porque é preciso ha­ver tantas experiências imagina­tivas quanto analíticas. Experiên­cias imaginativas relacionadas à degustação de vinhos, diferente­mente das experiências artísticas imaginativas típicas, podem en­volver elementos individualistas e improvisados que ajudam a dar ao consumo de vinho um lugar único dentre as artes recreativas.

ELEGÂNCIA DE VINHO

Beber uma taça ou mais envolve uma série de improvisações ima­ginativas relacionadas, nas quais os temas comuns das qualidades sensoriais do vinho, estão sujeitos a muitas variações espontâneas, cada um envolvendo ou mais tipos diferentes de processamento ima­ginativo sofisticado da mesma in­formação sensorial. Uma das pa­lavras na moda para definição de vinhos é “elegância. Mas, afinal, o que é um vinho “elegante?

Quando estiver tomando um vi­nho, pense no reconhecimento da beleza que está ligado a preferên­cias e julgamentos individuais, en­quanto a qualidade do que é ele­gante resulta das suas características intrínsecas, independente de julga­mentos ou valores pessoais. É como uma poesia que nos toca, sentimos no paladar, delicadeza, simplicida­de e franqueza de aromas e sabo­res (percebidos, principalmente, no meio e fim de boca) representam a síntese de um vinho elegante.

Existem os vinhos ultra-aromá­ticos ou sobremaduros que muitos adoram. Tais vinhos são geralmen­te marcados pelo exagero de notas mais adocicadas, próprias às frutas. Vemos em muitos casos que esta pujança de fruta madura se sobre­põe às demais nuances aromáticas e olfativas, culminando em um vi­nho superlativo e às vezes excessi­vamente alcoólico. Há nestes ca­sos um flagrante desequilíbrio que descaracteriza a condição de leve­za necessárias a um vinho elegante.

Certamente, não quero levar a um pensamento em que a inexpres­sividade aromática seja vista com uma virtude ou sinônimo de elegân­cia, mas sim ressaltar a importância do conjunto. Observe-a e procure por seus detalhes. Ao que, como re­compensa, nos brinda a cada lance, com algo novo, algum contorno que surge e eleva para o prazer sensorial.

A elegância de um vinho, está em marcar presença com discri­ção e comedimento, sem a necessi­dade de “tomar de assalto” as papi­las gustativas. Ou seja, percebemos os sabores de forma agradável sem que eles fiquem gritando o tempo todo as suas virtudes. O importan­te é saber que na verdade, ao longo da história, estamos aprendendo a saborear a vida e o vinho, não por­que está acostumado a eles e sim porque estamos aprendendo a arte de viver com elegância.

Eu costumo dizer que o vinho traz às mãos poeira mental viva assopra­da aos céus. De volta à terra, renasce em vida e magia. Diante do terroir, transforma-se em obra, arte e histó­ria. Os instintos da civilização, o vi­nho é o que apresenta melhor aro­ma, cor, sugestão, beleza e elegância na poesia de tocar a taça e saber o que está bebendo, fazer do seu mo­mento com os amigos, o sorriso cor­dial. Claro que os inimigos é que não irão um dia desfrutar de taças de cris­tais cheias de baco e amor. Elegância enferruja por falta de uso. E, detalhe: não é frescura. E o pulso, ainda pulsa! É um sorriso, um beijo, é um gole de vinho, está chegando o inverno va­mos nos permitir amar!

 

 

 

ENTREVISTA EXCLUSIVA COM ERIKA GOULART A DAMA DO VINHO

 

Conheci Erika Goulart, em São Paulo e me encantei com seu empoderamen­to. Ela é linda, articulada, inteligente e apaixonada por vinhos. Este encontro foi muito bacana, ríamos muito e viajamos na embriaguez do vinho e com a vida. Ela é proprietária da Vinícola Goulart, é uma mulher com uma história inusitada. Paulistana, nascida nos anos 70 e neta do Marechal Gastão Goulart, descobriu em alguns papéis perdidos do avô que era proprietária de terras na Argentina e daí para frente não parou mais. Quer saber mais? Confira essa entrevista.

Edna – Como se sente sendo a única brasileira a produzir vinhos na Argentina?

Erika – Eu me sinto bem. Não existe mulher brasileira, produzindo vinhos na Argentina. Na verdade, me sinto mui­to bem. Em Mendoza, Goulart é conhe­cida como a ‘Bodega de la Brasilera’ e é muito divertido. Desde nossa primei­ra safra em 2005, colhemos muitos fru­tos mundialmente: Em 2010 o ‘Goulart Grand Vin 2007’ foi eleito o Malbec 5 es­trelas da ‘Decanter Magazine’. O vinho também foi escolhido pela ‘Wine Spec­tator’ como a “nova cara de Mendoza” e participamos em Las Vegas do TOP 200 WINE SPECATOR-VINICOLAS DO NOVO MUNDO. O The New York Times escolheu nosso Malbec entre os 10 me­lhores, The Washigton Post entre os 5 me­lhores. O ‘La Wine Advocate de Parker’, pelo segundo ano consecutivo, degusta nossos vinhos em catas individuais. So­mos o super Malbec na Dinamarca e ai segue… Com todos esses reconhecimen­tos ao nosso trabalho, eu como empre­sária me sinto bem, mas como brasilei­ra me sinto muito melhor. Os argentinos começaram a produzir vinhos excelen­tes no final dos anos 90, e quando eu cheguei em Mendoza, todos os investi­mentos externos e enólogos estrangeiros de nome começaram a chegar, esse foi o caso do Alberto Antonini, Paul Hobbs e Michel Rolland. Todos tinham uma es­trutura fabulosas e eu não tinha nada, somente um trator e dois empregados. Ninguém acreditava no meu projeto, eu não entendia de vinhedos e muito me­nos de vinhos. Não tinha uma equipe de trabalho formada, nem era famosa. Eu cuidava dos vinhedos sozinha, fazia a colheita e vendia as uvas nas coopera­tivas. A diferença da Vinícola Goulart é que nós não começamos como um pro­jeto de investimento de dinheiro, nós co­meçamos porque eu me apaixonei por Mendoza e meus vinhedos, sempre tra­balhei para elaborar excelentes uvas e vinhos.

Edna – Onde nasceu e viveu antes de ser proprietária de vinícola?

Erika– Eu nasci em São Paulo, capi­tal, no Bairro do Tatuapé, zona leste de São Paulo, no ano 72. Minha mãe era professora e meu pai militar e publicitá­rio. E somos três irmãs, todas mulheres.

Edna– Quando e como despertou seu interesse por esta área?

Erika– Meu avô foi um dos últimos marechais brasileiros, e foi um dos Co­mandantes da Revolução de 1932, o nome dele era Marechal Gastão Goulart e fi­cou conhecido como o “Comandante da Legião Negra” e em sua época de exílio na Argentina comprou esses vinhedos e só anos mais tarde encontrei os papéis numa caixa de fotos e anotações.

Eu trabalhei na Bosch quando estava na faculdade em Campinas e depois abri minha própria agência de promoção e eventos aos 21 anos. Eu trabalhava para Parmalat, Suvinil, Frangosul e Alcan, já estava esgotada de trabalhar tanto todos os dias. Tinha dinheiro, comprei aos 22 anos um BMW 325 mas não tinha tempo para conversar, jantar, “tomar um vinho”… Eu queria outra vida.

No carnaval do ano seguinte viajei a Buenos Aires e conheci meu marido, José Luis Lugilde que é empresário e proprie­tário da “Casa Vetmas”, uma loja de an­tiguidades em Buenos Aires, e foi ele a pessoa chave da minha vida me apoian­do e me incentivando a continuar, ele sempre acreditou no meu projeto.

Edna– Onde e em que período começou?

Erika– Eu aluguei um apartamen­to em Palermo, Buenos Aires, dava au­las de português e viajava a Mendoza para cuidar do vinhedo, o começo exa­to foi 1995, somente cuidando do vinhe­do, a produção do vinho veio a partir de 2002 com ensaios.

Edna– Quais são os principais tipos de vinhos que sua vinícola produz e o que os diferencia?

Erika– Nós produzimos Malbec e Ca­bernet Sauvignon. Nossos vinhos come­çam a ser elaborados no vinhedo. A re­cuperação dos vinhedos foi fundamental e demoraram muitos anos. Maurício Parody foi o responsável pela recupe­ração dos nossos vinhedos, ele é agrô­nomo e sócio da Goulart, trabalhou na Toscana e em Bordeaux por 7 anos e la conheceu o Alberto Antonini e juntos co­meçaram a produzir o vinho ‘Alto Las Hormigas’ em Mendoza e ficaram só­cios. Eu conheci Mauricio em 2000, ele me disse que se eu precisasse de ajuda ele me ajudaria, e depois de três meses, percebi que precisava de uma boa equi­pe e o contratei. Maurício me ensinou que a uva é o principal no vinho e que nós tínhamos uma boa matéria prima, mas precisávamos trabalhar. Em 2006 contratamos o melhor enólogo da Ar­gentina, Luiz Barrald, proprietário da ‘Vina Cobos’. Luis tem o vinho argenti­no quase perfeito, o Parker, com 99 pon­tos e conseguimos em 2010 ser 5 estrelas da ‘Decanter Magazine’, na Inglaterra, conquistando o prêmio máximo com o Goulart Grand Vin 2007. Conseguimos esse feito com o Maurício cuidando da agronomia e o Luis da enologia de nos­sos vinhedos, assim estamos com “a casa em ordem”. Hoje em dia nós temos al­gumas linhas no mercado: Goulart Re­serva Malbec, Goulart W D.O.C. Men­doza Cabernet Sauvignon 2013, vinho Goulart The Marshall Reserva Malbec, Goulart Gran Vin Malbec Single Vine­yard, Goulart Bonarda

Edna – Quais os principais momentos do trabalho que sua vinícola desenvolve os vinhos?

Erika – Na nossa vinícola o traba­lho não pára, estamos constantemente buscando e elaborando cada vez mais melhores vinhos, cada ano é diferen­te do outro e estamos atentos a tudo. O mês de abril na colheita é um mês chave, rezamos para não chover, para não cair granizo e só depois que co­meçamos os cortes e decidimos qual o vinho que vamos escolher, que é ou­tro momento importante. Eu confio na minha equipe, e isso é fundamental. Eles sempre fazem o melhor.

Edna – Qual é a contribuição de seu terroir para a produção de seu vinho?

Erika – O ‘Malbec em Cahors’ é diferente do ‘Malbec de Mendoza’. Mendoza tem a proteção da Cordilheira dos Andes o que fez com que o Malbec se transformasse em uma uva tipo A. Mendoza não tem influências das correntes marítimas, que é por onde o Malbec tem muita concentração de taninos, o que o deixa ainda mais delicioso!!!

Edna – Quais os planos futuros para a Vinícola Goulart?

Erika – Nós chegamos rápido ao futuro, nossa produção está a todo vapor e todas são vendidas. Acredito que este ano estarei no topo da Dama do Vinho na Argentina. Quero continuar produzindo vinhos elegantes que se transformam em oração e poesia na vida das pessoas. Timtim!

 


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