Política

Acampamento Lula Livre muda rotina de Curitiba

Diário da Manhã

Publicado em 17 de abril de 2018 às 02:29 | Atualizado há 4 meses

A vida pacata e bucólica nas ruas entorno da sede da Superin­tendência da Polícia Federal em Curitiba, no bairro Santa Cândi­da, distante cerca de 10 quilômetros do centro da capital paranaense, já não é mais a mesma. O motivo? A chegada do ex-presidente Luiz Iná­cio Lula da Silva na noite de 7 de abril.

A Frente Brasil Popular, forma­da por militantes do Partido dos Trabalhadores (PT), PC do B, PSO, PSol, entre outros; sindicalistas da CUT, Contag, Força Sindical, Fup e outras; integrantes de movimen­tos sociais como o MST, CMP, MAB, LGBT – vindos de 12 Estados do Bra­sil – acamparam nas ruas próximas ao edifício da PF construído e inau­gurado durante a gestão petista.

A princípio, o “Acampamento da Vigília Democrática Lula Livre”, como é chamado oficialmente, era para ficar em frente ao portão principal da PF. Mas uma ação tru­culenta – e sem prévio aviso – ini­ciada por agentes da Polícia Fe­deral e continuada pela Polícia Militar paranaense no momento em que o helicóptero com Lula descia no heliponto do edifício, atingiu os militantes com bom­bas de gás lacrimogêneo e balas de borracha, forçando-os a recuar cerca de uma quadra para trás.

Mais de dez feridos fizeram bo­letim de ocorrência na Polícia Civil seguido de exame no Instituto Mé­dico Legal (IML) na madrugada de domingo (8 de abril) denuncian­do a ação violenta e desnecessá­ria dos policiais contra os mani­festantes a favor de Lula.

Detalhe significativo: nenhum tiro foi disparado pela mesma PF ou PM na direção dos manifestan­tes de direita que comemoravam a chegada de Lula a Curitiba, estes sim, soltando rojões e fogos de arti­fício perigosamente em direção ao helicóptero e também na direção dos manifestantes contrários.

MEXEU COM O FORMIGUEIRO

A ação dos policiais contra os mi­litantes na chegada de Lula foi como pisar num formigueiro: só fez au­mentar a quantidade de pessoas indignadas que embarcaram e ain­da vão embarcar para participar do acampamento em Curitiba.

O músico José Marco Esteves de Luna, 62 anos, veio de Guarulhos (SP) para marcar presença. Nasci­do em Pernambuco, toca zabum­ba num trio nordestino que atua na capital paulista. Militante do PT, ele segue o principal mandamento dos acampados em torno da PF curiti­bana: “estamos aqui para pressio­nar a Justiça. Queremos Lula livre”.

INDIGNAÇÃO

A indignação também traz pes­soas da própria capital paranaense atéoacampamento. Éocasodoespa­nhol Honório Delgado Rúbio, oriun­do da região de La Mancha, radicado desde 1956 no Brasil. Com 93 anos, ele circula entre os acampados com o seu livro de memórias, com a au­toridade de quem foi preso político durante a ditadura militar brasileira. “O processo judicial contra Lula foi umamontagem. Estácheiodedizque diz. O Moro está a serviço de alguém. De forças ocultas”, afirma Rúbio.

A gaúcha Lorena Holzmann, 75 anos, desembarcou sozinha na ma­nhã de sexta (13) em Curitiba. Pro­fessora universitária, veio engros­sar as fileiras a favor da libertação de Lula. “Este é o verdadeiro Bra­sil, capaz de coisas emocionantes. Não tenho palavras para descrever o acampamento”, disse. Lorena conta que foi uma das fundadoras do PT de Porto Alegre e que hospedou vá­rias vezes Lula em sua casa.

FAKE NEWS

Paralelamente ao dia a dia das manifestações dos acampados em torno da PF, acontece um fenôme­no que já está se tornando rotina nas redes sociais. É a guerra da contra­-informação, a veiculação de falsas notícias, falsos depoimentos, para desconstruir a imagem da mobili­zação em prol da libertação do ex­-presidente Lula.

Inúmeras gravações de supos­tos moradores do bairro onde se en­contra o acampamento circulam em grupos do whatsapp. Elas dão con­ta que os acampados vivem de for­ma desregrada, sem cuidados com a limpeza e higiene pessoal, acumu­lando lixo nas ruas e até mesmo des­denhando da qualidade da comida que fazem para si e para os visitantes.

Na verdade, o acampamento conta com equipes (“brigadas”) com funções específicas que cui­dam da saúde, limpeza, alimen­tação, segurança e comunicação, entre outras. Banheiros químicos foram instalados (com a devida manutenção realizada todas as manhãs) desmentindo a princi­pal “fake news”: a de que os mili­tantes estão sujando os muros e as calçadas das residências.

Regras claras e bem definidas são praticadas rigorosamente: é proibido o porte e consumo de be­bidas alcoólicas; desrespeitar a lei do silêncio entre as 22 horas até as 7 da manhã seguinte; e – a mais im­portante – interferir na vida privada dos moradores locais. “Nós esta­mos aqui contra a injustiça de uma condenação sem provas. Não te­mos nada contra os moradores des­te bairro”, confirma um militante.

MORADORES MUDAM ROTINA

A convivência entre as partes va­ria conforme posição política ou hu­mor de cada morador. Enquanto uns oferecem acesso à energia elé­trica e até mesmo à água potável aos acampados, outros pedem a retirada de barracas instaladas na calçada em frente de casa para po­der cortar a grama ou reclamam do barulho durante o dia. Um morador colocou a bandeira do Brasil na fa­chada de sua casa, para marcar pre­sença contrária ao acampamento.

PACIÊNCIA

A moradora Érica Weingartner, 74 anos, por sua vez, perdeu a pa­ciência e apontou a mangueira de água que estava regando seu jardim em direção aos acampados em fren­te à sua residência. Foi o início de uma confusão logo resolvida com a presença de pessoas do deixa dis­so. “Acho ridículo estarem aqui para soltar o Lula”, reclama dona Érica. “Não sei até onde vai isso. Vivemos como cachorro preso dentro de casa, com medo desse povo”.

Já o comerciante aposentado Se­bastião Simioni, 84 anos, conta que em nenhum momento teve pro­blema com os acampados. “Pedi com jeito para retirarem as barra­cas instaladas na calçada em frente de casa e fui atendido sem proble­mas. Converso numa boa. Quem sou eu para brigar com eles?”, dis­se. Sebastião cobra da justiça: “O Aécio, o Temer e tantos outros ain­da estão por aí soltos…”

PROGRAMAÇÃO

A rotina dos acampados e de seus visitantes segue uma progra­mação elaborada diariamente pe­los organizadores. Visitas de perso­nalidades, políticos com mandatos e até mesmo uma delegação do Uruguai já passou pelas ruas ocu­padas pelos ativistas. Diariamen­te, as 9 horas em ponto, acontece o grito “Bom dia, presidente Lula!” O tempo segue com várias apresenta­ções artísticas, falas de lideranças e reuniões de avaliação.

Há uma barraca especialmente montada para coletar cartas dos vi­sitantes endereçada ao ex-presiden­te Lula. O jornalista e escritor pa­ranaense Luiz Manfredini marcou presença. O PT organizou a coleta e se encarrega de fazer chegar até ao destinatário ilustre as centenas de cartas que surgem a cada momento.

PERSONALIDADES

Já passaram pelo acampamen­to, entre outros, os governadores do Nordeste, os senadores Lindberg Farias, Gleisi Hoffmann, Roberto Requião, as deputadas Manuela D’Ávila e Maria do Rosário, os ex­-ministros Jaques Wagner, Fernan­do Haddad e Eleonora Menicucci. A filha do cantor Gilberto Gil, Bela Gil, visitou vizinhos do acampa­mento e entregou cestas básicas com produtos orgânicos produzi­dos pelos trabalhadores sem terra.

Também ocorreu e ocorre a visita frequente de moradores da capital e região metropolitana, muitos trazen­do donativos para o acampamento, como alimentos, água mineral, ma­terial de limpeza, roupas, agasalhos, lonas, colchonetes e cobertores.

Na noite de sexta-feira (13), aconteceu a cerimônia de dese­jar boa noite ao ex-presidente. Os acampados e os visitantes acen­deram velas, lanternas e seus ce­lulares em vigília em prol da soltu­ra o mais rápido possível de Lula.

AMEAÇA

Paralelamente a tudo isso, uma guerra de bastidores está sendo tra­vada na Justiça local entre o prefei­to de Curitiba, Rafael Greca (PMN), e os advogados que defendem o acampamento. Desde o primeiro dia da mobilização, Greca tenta im­pedir a presença dos militantes ao redor da PF, por meio de uma ação de interdito proibitório na Justiça pe­dindo a desocupação das ruas ocu­padas. Na manhã de sábado (14 de abril) chegou o informe que um juiz local estipulou a multa de R$ 500 mil por dia que o acampamento conti­nuar instalado. “A decisão é total­mente desproporcional e desequili­brada. Um absurdo jurídico. Trata-se de tentar cercear o livre direito a ma­nifestação”, afirmou o presidente do PT no Paraná, Dr. Rosinha.

“É mais uma atitude antide­mocrática na escalada autoritária e conservadora que tomou conta do País desde 2014, quando os que perderam as eleições deram início ao caos institucional e a onda de in­tolerância e ódio contra quem de­fende direitos sociais e trabalhis­tas”, afirmou o presidente da CUT, Vagner Freitas. “É a justiça apro­veitando a baderna em que o gol­pe jogou o Brasil para fazer política, tentar interferir no processo eleito­ral criminalizando os movimentos populares e sindical e partidos pro­gressistas”, continuou Freitas.

Para o advogado e ex-ministro Eugênio Aragão, “a decisão é clara­mente inconstitucional e arbitrária. O PT e a CUT tomarão todas as me­didas jurídicas para garantir o livre direito a manifestação”. Aragão vai representar o PT e os movimentos sociais junto à Justiça paranaense.

“O presidente foi preso de for­ma injusta em um processo vicia­do e cheio de falhas. Lula é preso político. Lidera todas as pesquisas de intenção de voto. É mais um es­cândalo na vergonhosa escalada de perseguição contra Lula”, concluiua presidenta do PT Gleisi Hoffmann.

 

 



O presidente foi preso de forma injusta em um processo viciado e cheio de falhas. Lula é preso político. Lidera todas as pesquisas de intenção de voto. É mais um escândalo na vergonhosa escalada de perseguição contra Lula

Presidenta do PT, Gleisi Hoffman

 

Estamos aqui para pressionar a Justiça”


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