Cotidiano

A volta triunfal

Redação DM

Publicado em 3 de abril de 2018 às 00:59 | Atualizado há 6 meses

  •  Após enfrentar todas as dificuldades, animal conquista confiança e carinho de admiradores

Aos 90 anos de idade, dos quais 74 em Goiás, “seu” José Alípio Faleiro, minei­ro de Bambuí, sempre deu espe­cial atenção aos jegues. Aurilândia foi a sua base de criação desses dó­ceis animais. Atualmente, mora em uma chácara em São Luiz de Mon­tes Belos, sob a justificativa de que “está ficando velho”. O Estado deve muito aos seus esforços pela fun­dação do Núcleo do Jumento Pêga em Goiânia e consequente fomento da raça no Brasil. Para tanto, contou com o apoio firme da associação si­milar de Belo Horizonte, promoven­do concursos de marcha de muares. E, hoje, a raça é reconhecida e isto muito se deve à participação des­se mineiro que virou goiano. Mas, hoje em dia qual o valor do jegue, ele ainda tem o seu lugar? Na reali­dade, está atuante e ninguém ima­gina aposentadoria para ele.

Segundo a literatura sobre esses animais, as espécies Equus asinus africanus nativo da região nordes­te da África e o Equus asinus eu­ropeus da bacia do Mediterrâneo são os ancestrais comuns do asi­nino. A respeito da domesticação do jumento mostra que foi utiliza­do mais remotamente na África e Ásia. Os mais antigos monumen­tos egípcios mostravam ilustrações de jumentos a partir da viagem de Abrão ao Egito, o jumento é men­cionado em cada página do Gêne­se, confirmando que a domestica­ção do jumento foi anterior a do cavalo. O jumento teria transpor­tado Jesus Cristo em seus traslados.

Mas, afinal, o jumento tem sua origem aonde? Resposta: do cru­zamento do jumento com a égua nasce o burro ou sua fêmea, a mula. Jumento, asno e jegue são sinônimos para o mesmo animal, da espécie Equus asinus. Jegue é uma adaptação de “jack”, uma das palavras para asno em inglês. O jumento é um animal dócil, inte­ligente e dotado de grande senso de sobrevivência. Vive em média 25 anos e pode ser encontrado em praticamente todo o planeta, exce­to em regiões mais frias. Depen­dendo da região em que se encon­tra, recebe o nome de asno, jegue, jerico ou ainda asno-doméstico, mas no mundo científico recebe o nome de Equus asinus.

Muito usado como animal de carga (carroça, cangalha, e outros) e tração (arados, carpideiras, plan­tadeiras, e outros), o jumento sem­pre foi peça fundamental utilizada nos trabalhos pesados do campo. Também é extremamente utiliza­do na sela para a lida com o gado, em passeios, cavalgadas, concur­sos de marcha e enduros. É incrí­vel a sua adaptação em diferentes climas. No deserto, ambiente po­bre e escasso de recursos, como água e comida, ele conseguiu so­breviver. A ponto de se manter com uma alimentação grosseira e escassa, tornando-os, então, ani­mais de grande rusticidade.

 

Introdução dos asininos no Brasil

Os jumentos trazidos dos arqui­pélagos da Madeira e das Canárias foram os primeiros introduzidos no Brasil por volta 1534. No tempo co­lonial, Tomé de Souza trouxe outras raças como portugueses, espanhóis e africanos para a Bahia.

As raças transportadas pelos portugueses progrediram para ra­ças naturalizadas no Brasil foram submetidas à seleção natural em diferentes ambientes, evoluindo para características especificas e de adaptação. “A raça Pêga no Bra­sil teve início com apenas quatro fêmeas e um reprodutor, vindos do Egito para a cidade de Entre Rios, Minas Gerais. Eram destina­dos aos padres”, conta. E observa que o Vaticano, sediado em Roma, não aceitou a venda desses ani­mais para o coronel José Eduardo na cidade de Lagoa Dourada. Foi então, quando foi fundada a Asso­ciação dos Criadores dos Jumentos Pêga, com a autorização do Minis­tério da Agricultura. Com isso, che­gou-se ao Pêga. A raça foi formada em Lagoa Dourada, Minas Gerais, onde existe a maior concentração de jumentos Pêga no País.

Hoje, a comercialização do ju­mento Pêga está em pleno cres­cimento, principalmente porque faltam animais de qualidade e pro­cedência no mercado, que apre­sentem excelente valor zootécnico. Em resumo, o mercado comprador está mais exigente. E, quando cria­dos dentro de um padrão de qua­lidade, os jumentos Pêga são co­mercializados com criadores com propriedades rurais de diferentes portes econômicos de Norte a Sul do País, onde nem sempre concor­rem com as motos e autos.

Ele, como bom conhecedor de muares, traça a raça, idade mais ou menos de um animal de carga, para falar sobre valores comerciais. Um bom animal está cotado entre R$20 mil a R$40 mil. Chama a atenção para o detalhe de animais de repro­dução, alta linhagem e suporte de lida pesada. Os jumentos vivem até 50 anos e os muares até 35.

Seu José Alípio Faleiro valori­za os jegues como ninguém. Não apenas valoriza, mas têm amor por eles. Mas, antes vamos conhecer um pouco da vida desse pequeno criador. Natural de Bambuí, interior mineiro, casou-se com Maria Ilidia, com quem teve seis filhos, dos quais dois morreram. Em Medeiros (MG) foi nomeado primeiro interventor municipal pelo governador Maga­lhães Pinto. Mas, a política não im­pediu sua transferência para Goiâ­nia, em 1964, onde já moravam sua mãe e irmãos. Com o dinheiro da pequena fazenda, comprou 40 al­queires de terras em Aurilândia, na região do vale do Araguaia.

HOLANDÊS E PÊGA EM GOIÁS

Animado com as novas terras, trouxe 90 cabeças de gado da raça holandesa, oito equinos, muares Pêga e até suínos. Tornou-se, des­ta forma, um dos pioneiros com animais de procedência européia. Um detalhe que “seu” José Faleiro conta com satisfação e brilho nos olhos. “No rebanho holandês ha­via um touro especial, presente do amigo e ex-governador mineiro, Hélio Garcia”, revela.

Após a mudança de endereço, começou a ter uma relação mais es­treita com os fazendeiros do muni­cípio. Num desses encontros, des­pontando como líder regional, foi convidado a reabrir o Sindicato Ru­ral na condição de presidente. Não parou por aí. Visão de futuro, ele percebeu cedo que para os produ­tores precisavam estar mais unidos e fortes. Fundou cooperativa rural.

AMIGO DE GOVERNADORES

Para tanto, contou com o apoio de Ruy Brasil Cavalcante, político de Piracanjuba de expressão regional e líder classista em Goiás. Seu José faz questão de ressaltar as relações de amizade estabelecidas com a cria­ção desses surpreendentes animais, entre os quais enumera Leonino Caiado, Irapuan Costa Júnior, Ary Ribeiro Valadão e Otávio Lage, ex­-governadores do Estado, o médi­co João Batista Neves, Augusto Gon­tijo, Ronaldo Caiado, Índio Artiaga e Manoel dos Reis, ex-prefeitos de Goiânia, e Domingos Ribeiro Par­rode, entre outras pessoas. “Além de amigos eram compradores de animais do meu haras, justamente por tratarem de matrizes e reprodu­tores de alta linhagem”, festeja. Gra­ças a esse aprimoramento genético, na ocasião vendeu uma mula a um empresário de Brasília pelo valor de uma caminhoneta de luxo.

Um tanto emocionado, diz “ter certeza que deixarei um legado muito importante com reconheci­mento mundial”. E complementa orgulhoso: “Eduquei meus filhos com a rentabilidade dos jegues e da agricultura, dinheiro vindo das duas mil sacas de arroz e milho”.

Ao participar da Exposição Agro­pecuária em Goiânia, apresentou os primeiros animais da raça holande­sa, acatando sugestão do presiden­te da SGPA, Hamilton Velasco, do secretário da Agricultura, Antônio Flávio Lima. Faz elogios a essas fi­guras que desenvolveram “grandes trabalhos em prol da agropecuária goiana”. Graças a esses apoios, con­tribuiu pela fundação do Núcleo do Jumento Pêga. Contou para tanto com o apoio da entidade similar em Belo Horizonte, promovendo con­cursos de marcha de muares. Essa condição abriu o mercado dos ani­mais dessa raça no Estado.

Recordando, diz que o primeiro jumento se chamava Passa-Tempo, homenagem à cidade onde nasceu seu pai. Na época, o Pêga era bas­tante comercializado. “Somente eu vendi mais de cinquenta animais para alguns Estados, como Mato Grosso, Pará, São Paulo e Distrito Federal”, relata “seu” José Faleiro.

Na presidência do Sindicato de Aurilândia, promoveu a famosa queima de alho com a apresenta­ção de muares de alta linhagem, dança de catira, sempre atraente em Goiás, acompanhado de farto chur­rasco de carne bovina. Uma pingui­nha também complementava o car­dápio para quem a apreciava.

UM CONTINUADOR

“Hoje, com 90 anos, ainda crio jumentos e tenho um predileto”, confessa ao repórter, observan­do que desde os 14 anos gosta dos muares. E acrescenta: “Visito es­ses animais todos os dias, duas ve­zes”. Ele mesmo conduz o alimen­to. Acompanhou seu pai condução de uma tropa de 90 muares. Aos 17 anos passou a amansar burros com seu tio Juca Sabino, em Medeiros, interior de Minas Gerais. E recorda uma frase de seu tio naqueles “ve­lhos tempos”, de que “a amizade vale mais do que muito dinheiro”.

“Para mim é uma realização pessoal”, ressalta, observando que teve uma luta muito grande para o reconhecimento oficial da raça Pêga. Segundo ele, os jegues proce­diam do Maranhão e Bahia, “mui­tas vezes eram confundidos, sendo que a raça apresenta uma linha­gem diferenciada, procriando muares de alta linhagem e re­sistência”. Seu pai foi muladei­ro. Ele seguiu as trilhas do pai. E gostaria que algum dos seus vin­te netos prosseguisse com a cria­ção. Reconhece que “não está fácil, porque os jovens pensam que atualmente o automóvel, o trator e a moto reinam no campo”.

NADA DE APOSENTADORIA

Mas, a lida rural ainda pode pre­cisar do lombo do jegue, um ani­mal nem sempre descartável e que tem ainda a sua utilidade. No Nor­deste do Brasil, o jegue é cantado em verso e prosa. Genival Lacerda fez sucesso em 1995 com o Rock do Jegue, na verdade um forró. Em 2017, Aroeira e Coité compôs a mú­sica O Jegue Aposentado, ironizan­do a aposentadoria mais tarde pro­posta pelo governo Temer.

Segundo Ricardo Yano, pecua­rista de gado de corte em Santa Te­reza de Goiás e ex-presidente da Sociedade Goiana de Agricultu­ra e Pecuária (SGPA), vê o jegue em plena atividade, dependendo muito da região e, sobretudo, na região nordestina do País.

Para Yano, o produtor nordes­tino faz muito uso desse animal, “por sua força, onde se mede sua produtividade, resistência às ad­versidades climáticas, superando a sede e se alimentando sem maio­res cuidados especiais, como ração, pastagem, entre outros pormeno­res”. O criador atualmente busca o jumento por sua resistência. Se for um animal diferenciado, o seu va­lor pode chegar a valores da ordem de R$200 mil. O processo de aman­sa está em torno de R$2 mil.

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