Opinião: Uma análise psiquiátrica do uso político (contra Bolsonaro)
Redação DM
Publicado em 26 de março de 2018 às 22:43 | Atualizado há 7 anos
A execução da vereadora do PSOL ( partido de esquerda ) do RJ – negra, “pobre”, homossexual, anti-autoritarismo, anti-fálica, anti-domínio-externo-do-corpo-da-mulher-por-parte-do-homem, anti-poder-econômico, feminista, anti-militarismo, anti-autoridade-religiosa, etc – suscitou reações acaloradas e disseminadas, justamente porque ela encarna o atual “Espírito dos Tempos” mundial.
Esse espírito dos tempos se insurge em um momento estratégico , sub-repticiamente, velada e até inconscientemente, contra a candidatura de Bolsonaro (pró-autoridade-autoritarismo, militarismo, falicismo, religiosismo, moralismo, heterossexualismo, anti-esquerdismo, anti-ditadura-do-povão-da-esquerda, pró-Direita, etc). Contra esta candidatura estão não só a mídia, o feminismo, o esquerdismo, mas até certa “Direita do Grande Capital”, pois para os grandes empresários é importante o uso financeiro do Estado. O pelo menos pretenso “moralismo” de Bolsonaro poderia impedi-los de passar a mão no dinheiro público via empreiteiras , bancos, etc, como vem sendo feito secularmente no Brasil, não só sob a Direita mas também sob a Esquerda (vide PT/Lula;Dilma).
Para a mídia/esquerda/grande empresariado/Governo Temer, é importante vincular logo o assassinato de Marielle a uma execução perpetrada por militares ou paramilitares porque isso seria jogar a “bomba fálica” no colo de Bolsonaro: “Vejam o que a truculência masculina/militar faz com uma mulher negra, indefesa, pobre-de-comunidade, etc”. Já a turma de Bolsonaro luta para dizer o contrário: “Uma mulher anti-fálica que era, na verdade, fálica, e que combatia as forças da ordem para perpetrar a desordem”, ou então: “Como deixar um mundo sem falo/autoridade entregue à sanha da bandidagem-sem-pai, aquela regida só pelo princípio do prazer e pela anarquia?”
Partindo-se do pressuposto plausível que Marielle, de fato, foi assassinada pelas forças fálicas vigentes no país, isso pode apontar para o seguinte fato: o discurso de abolição da autoridade fálica, quando não tem base em transformações psicológicas reais da sociedade, só aparentemente, superficialmente, abole essa autoridade. Só aparentemente a violência fálica se cala perante o grito antifálico ou esta modalidade de discurso feminista/pró-humanista/esquerdista. A violência fálica se cala apenas à luz do dia, para voltar muito mais violenta na calada da noite. Os próprios fálicos estão a dizer: “O que nos poderia calar seria a doçura do feminino, não a dureza do feminismo”.
A dureza do discurso antifálico acaba gerando um efeito paradoxal : melhora a maquiagem da sociedade à luz do dia, mas enfeia muito mais as coisas na calada da noite. A abolição pura e simples da autoridade fálica gera um efeito colateral incontrolável: a vigência de uma anarquia fálica muito mais primitiva/violenta/desorganizada (estupros, roubos, arrastões, drogas, gangues, vagabundagem, milícias, menores sem lei, grupos de extermínio, torcidas, neonazis, etc) do que a autoridade fálica/militar que deveria ser abolida. Paradoxalmente, Marielle foi vítima do “falo desorganizado” que surgiu exatamente por causa da “abolição-fálico-organizada”. O “falo feminista” que abole o “falo patriarcal” acaba gerando o “falo primal”, remédio para o qual (e para todos os falos) só pode ser oferecido efetivamente um “cândido amor maternal/feminino” , e/ou um “disciplinador amor-exemplificante-renunciador-do-pai”. Em síntese, amor acoplado com disciplina.
A sociedade já sente muito na pele os efeitos dessa “anarquia fálica” fruto paradoxal da abolição fálica. O feminismo/esquerdismo gerou este paradoxo e ele é, hoje, tão forte que já produziu uma reação contrária de muitas pessoas, inclusive muitíssimas mulheres. Estas notaram que preferem a vigência de um “falo organizado”, ou pretensamente organizador (Bolsonaro, Deus, o pai, o moralismo, o religiosismo, etc) do que ficarem sob o domínio de um falo caótico/desorganizado, este “falo da bandidagem” que já não deixa ninguém mais sair na rua tranqüilo à luz do dia.
É claro que, como tudo em política, este último movimento “pró-fálico” também poderia ser/será usado para o retorno de um certo militarismo, um certo nacionalismo forte, estatismo, “domínio dos mais aptos”, “governo dos que tem mais poder”, e por aí vai. É o eterno pêndulo dialético da história, sobre o qual já nos falava o filósofo alemão Hegel.
(Marcelo Caixeta, médico psiquiatra)