A praça do Cruzeiro
Redação DM
Publicado em 25 de fevereiro de 2018 às 01:17 | Atualizado há 7 anos
Toda cidade tem seus lugares especiais, suas coisas marcantes, seus personagens inesquecíveis.
Goiânia não foge a esta regra geral.
Não se pode negar que a Praça Cívica é símbolo marcante e indelével da jovem capital do cerrado.
Quando vim para cá, nos idos de 1971, família no começo, gostava de frequentar a Igreja do Sagrado Coração de Maria, cuja arquitetura sempre me impressionou, e a Praça Cívica, símbolo da cidade.
Seus bancos de pedra, onde me assentei muitas vezes quando estudante de direito, suas duas fontes luminosas que me encantavam os olhos e me faziam projetar sonhos de um futuro que , graças a Deus, me sorriu, pela gentileza, receptividade da gente goianiense.
Por isto, por estes sonhos e estas fantasias que me animaram e animam tanto, levando-me às conquistas possíveis neste pequeno e incerto lapso temporal que se chama vida, sofri muito com a gradativa e permanente deterioração da amada Praça.
Aquele espaço gostoso e livre, atraente e significativo para a Capital foi aos poucos se transformando, como a paisagem clara e colorida que desaparece com o baixar de densas nuvens escuras prenunciadoras de temporal iminente.
Doía-me ver os bancos quebrados, as fontes desativadas, numa Capital que tanto carece de água para minorar o calor reinante, a iluminação pública escassa e ruim.
E, como se não bastasse, o logradouro foi se transformando num imenso e desordenado estacionamento geral de veículos da Capital. Andar pelo interior da Praça era quase inviável, crivada que a mesma sempre ficava a partir das primeiras horas da manhã e até à noite de carros de tosos os tipos ali estacionados. E disto sem se falar no enorme número de lavadores da carro ali “estabelecidos”.
O que se gostava de mostrar passou a ser motivo de vergonha.
Até que, num determinado momento, a consciência e as condições administrativas despertaram para a origem, a historicidade, a simbologia e, principalmente a finalidade de uma praça pública onde o passeio das pessoas ficou impedido e substituído pelo estacionamento de veículos.
Hoje, voltei aos idos de minha chegada a Goiânia.
Gosto de passear pela Praça Cívica, divisar os logradouros públicos ali localizados, desfrutar da sombra das árvores que se conservaram no local, contemplar as fontes a espirar ao alto seus jatos de d’água a resfriar nossas angústias diárias. Sem deixar de falar que se pode passar por ali à noite, pois o ambiente é bem iluminado.
Mas, se admirava e gostava de passear na Praça Cívica, confesso que havia ainda uma outra paixão maior: a Praça do Cruzeiro, ali no setor Sul.
Bancos bem distribuídos, proeminência do cruzeiro que lhe determina o nome, iluminação adequada, muita limpeza e conservação dos recantos que ela abrigava.
Íamos, em família, passear à noitinha, na Praça do Cruzeiro. As crianças ficavam deslumbradas ( e nós adultos também, porque não dizê-lo ? ) com a enorme fonte de água…
Mas não era uma fontezinha qualquer, não.
Era uma fonte sonoro luminosa, que não ficava a dever as suas similares existentes em outros países do mundo.
Os jatos d’água obedeciam a alturas e ritmos diversos e as cores se alternavam nos jatos, obedecendo o comando ditado pela maravilhosa seleção musical de refinado gosto que se ouvia naquele majestoso espetáculo.
Logicamente não ficava ligada a noite inteira, mas nós sabíamos dos horários em que o espetáculo se iniciava. E ali ficávamos, em verdadeiro deleite espiritual.
Num dia desses, depois de tanto tempo, estacionei meu carro nas proximidades e resolvi andar pela Praça do Cruzeiro. Praça?
Parece um local de antigo acampamento desmontado, restando apenas os restos do que ali existira.
Piso totalmente largado. Bancos quebrados. Símbolo pichado. Grama ( onde ainda tem um pouco ) e mato altos. É o retrato perfeito do abandono e da deterioração. Até umas raras bancas de venda de cachorro quente e sanduíches desapareceram, naturalmente pela ausência de frequentadores, pois o local não tem nenhum atrativo.
Amigos, autoridades, goianos e goianienses, a Praça do Cruzeiro está na base e no alicerce da construção de Goiânia. É patrimônio histórico e cultural da cidade.
Ao invés de se ficar pensando em trânsito e projetando alterar o perfil do logradouro, o que já foi tentado mas obstaculizado por rápida e oportuna intervenção do Ministério Público, o que se tem que fazer é revitalizá-lo, fazê-lo voltar ao que era antes, em todo o seu esplendor, dar-lhe o tratamento estético que merece, assim como feito com a Praça Cívica.
A Praça é do povo. E o povo é mais do que a massa de veículos que engolfa em engarrafamentos o trânsito.
Não devemos permitir que o automatismo, a máquina, os sistemas tirem de nós o sentimento humano que permeia nosso ser, fazendo-nos escravos do que nós próprios criamos, em desproveito da essência vital.
Façamos ressurgir, ainda que pareça estar morta a Praça do Cruzeiro em todo o seu esplendor, em todo o seu significado e em toda a sua destinação: a de nos fazer felizes e enlevados pelo belo, ao menos por alguns instantes desta luta cada vez mais insana e pesada pela sobrevivência.
Salvem a Praça do Cruzeiro.
(Getulio Targino Lima: Advogado, professor emérito ( UFG ) jornalista, escritor, membro da Associação Nacional de Escritores e da Academia Goiana de Letras. E-mail: gtargino@hotmail.com)