Mulheres & Mulheres
Redação DM
Publicado em 21 de fevereiro de 2018 às 23:16 | Atualizado há 7 anosNos albores do 8 de março, achei por bem abordar um tema muito discutido, mas pouco levado a sério como deveria.
Figurando entre os dez mais violentos do mundo, o Brasil registra uma triste estatística em matéria de mortes violentas. Em 2015, segundo o Atlas da Violência, o país registrou quase 60 mil homicídios, números só comparados a países em situação de guerra. De acordo com o estudo, apenas em três semanas daquele ano foram registrados mais assassinatos no Brasil do que o total de mortos em todos ataques terroristas no mundo registrados nos cinco primeiros meses de 2017.
Dentro dessa triste estatística, uma outra desponta ainda mais alarmante. Os homicídios contra mulheres, na maioria dos estados brasileiros, apresentaram, em uma década, aumentos absurdos, que em alguns casos chegaram a 163%, como foi o caso de Roraima. Goiás, infelizmente, não foge à regra e registrou aumento de 91% nos casos de homicídios que vitimaram mulheres no período.
De 2005 a 2015, os crimes fatais contra mulheres em Goiás saltaram de 133 para 255 casos, o que representou 7,5 homicídios por cada grupo de 100 mil mulheres. Em 2016, segundo pesquisa Datafolha, encomendada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 29% das mulheres brasileiras foram vítimas de algum tipo de violência e apenas 11% delas procuraram uma delegacia da mulher.
Esses dados revelam que, não obstante a evolução tecnológica e cultural, as mulheres brasileiras continuam vítimas de uma violência sistêmica e velada, de certa forma “legitimada” por uma consciência machista que domina a nossa sociedade. Infelizmente, o ranço machista não é um privilégio só dos homens, porquanto muitas mulheres o exaltam e ajudam na perpetuação desse quadro nefasto de violência que acaba voltando contra si mesmas.
Há mais de 50 anos na vida pública, vivi muitas situações de machismo explícito, de desrespeito e violência moral por conta de ser eu uma mulher que sempre lutei em pé de igualdade por meus direitos e de todas as mulheres, as quais sempre representei.
Num ambiente eminentemente machista, como é o da política, experimentei na pele a discriminação pela insubserviência própria do meu caráter e personalidade. Por várias vezes, ouvi expressões que beiram a misoginia, como “mulher que bate como homem, deve apanhar com homem”, “lugar de mulher é na cozinha” e etc e tal.
Muito se evoluiu na busca dessa igualdade entre homens e mulheres e os movimentos de emancipação feminina tem mudado paradigmas, muito embora tais mudanças de comportamentos ainda não tenham sido suficientes para conter a escalada da violência contra as mulheres.
Na política, com o advento da lei de cotas para mulheres, buscou-se uma maior participação feminina nessa seara composta, em sua grande maioria, por homens. Entretanto, embora os partidos estejam obrigados a cumprir a lei que determina o ajuste da quantidade de candidaturas femininas e masculinas aos percentuais de no mínimo 30% e no máximo 70%, há, na prática, uma clara discriminação quanto a efetiva participação das mulheres nos pleitos eleitorais, traduzida pela falta de apoio e suporte igualitário entre candidatos homens e mulheres.
A insana resistência que algumas mulheres têm de aceitar o sucesso de outras mulheres corrobora a violência que vitima a todas. Atitudes insensatas, de mulheres contra mulheres, dão azo à consolidação de uma sociedade machista, onde vigora a culpabilização da própria mulher pela violência que a assola.
Não raro, assistimos algozes justificando a violência perpetrada contra a mulher a partir da criminalização da sua vítima. Uma roupa curta, uma opinião bem formada ou ações de espontaneidade são motivos para desencadear uma violenta reação contra a mulher, muitas vezes de consequências trágicas. E essas atitudes acabam sendo referendadas pela omissão de outras mulheres, ou grupos organizados delas, que poderiam, e deveriam, bradar contra tais atitudes e não o fazem.
Entendo que nessa luta pela emancipação das mulheres, da sua completa inserção no mercado de trabalho, na política e na sociedade, para que tenha respeitado os seus direitos em todas as instâncias, devemos mudar concepções que carregamos contra nós mesmas, abandonando as práticas que alimentam o machismo e que de alguma forma subsidiam essa triste estatística de violência contra a mulher.
A luta encampada não é para que sejamos mais dos que os homens, mas para que possamos ser reconhecidas igualmente capazes, afastando de vez a violência física e moral a que, por séculos, são submetidas as mulheres, puro e simplesmente por sua condição de gênero.
Unamo-nos!
(Iris de Araújo, primeira-dama de Goiânia e presidente da Fundação Ulysses Guimarães em Goiás)