Romãozinho, o amaldiçoado pela mãe, que assombrava o povo
Diário da Manhã
Publicado em 15 de fevereiro de 2018 às 20:55 | Atualizado há 7 anosNa semana passada, quando publiquei a crônica “A maldição da Canabrava”, fiz referência à praga de mãe, deixei no ar o tema “praga de mãe”, que teria gerado um mito que chamamos de Romãozinho, que assombra o povo do mato, pois ele era mais encontrável no meio rural.
No fim do ano passado, estive em Guarulhos-SP, sendo alvo de uma excelente acolhida dos amigos Romão, Joselha, as três Sílvias, e comentei com Romão que existia no Tocantins um mito chamado Romãozinho, que nem de longe tinha semelhança com ele. Mas vamos saber que Romãozinho é este, que, amaldiçoado pela mãe, vivia fazendo suas presepadas e assombrando o povo.
A lenda do Romãozinho, com várias versões, conta a história de um menino, filho de um humilde agricultor, que mesmo quando era apenas um bebê, já demonstrava sinais de ruindade extrema. Dizem que antes mesmo de aprender a falar, Romãozinho mordia quem colocasse a mão em seu rosto assim como mordia o peito de sua mãe, quando o amamentava. Já maior, na infância, sempre gostou de maltratar os animais, destruir plantas e prejudicar as pessoas.
Na crônica anterior, dei uma versão sobre o surgimento, mas aqui vai outra semelhante, que não prejudica em nada.
Certa feita, a mãe mandou-o levar o almoço ao pai, que trabalhava na roça. Ele foi com a costumeira má-vontade No meio do caminho, ele comeu a galinha que era destinada a ser o almoço de seu pai, colocou os ossos na marmita e levou-a assim mesmo. Quando o pai viu só ossos, indagou o que aquilo significava. Romãozinho, maldosamente, disse: “Minha mãe me deu a mim a comida já assim … Eu penso que minha mamãe comeu a galinha com o homem que vai sempre a nossa casa quando o senhor sai para trabalhar, e enviou-lhe somente os ossos como deboche do senhor”.
Enlouquecido de fúria e ódio, o homem voltou correndo para casa, não deu nem ao menos tempo para a mulher desmentir o filho, puxou o punhal e a matou ali mesmo. E Romãozinho, mesmo testemunhando a morte da mãe não desmentiu o que havia falado para o pai. E enquanto a mãe agonizava no chão, o menino ainda ria dela e de como havia sido esperto enganando a todos. Mas antes de morrer, a mãe amaldiçoou o filho, dizendo: “Você não morrerá nunca! Você não conhecerá o céu ou o inferno, nem repousará enquanto existir um vivente sobre a terra! Seu tormento será eterno”!
Romãozinho não se intimidou, riu mais uma vez ante a maldição e foi embora. Vendo o mal que havia feito e de como tinha sido enganado, o pai se suicidou. Desde esse dia o menino nunca mais cresceu, permanecendo pequeno, pretinho como o Saci, vive rindo, e é ruim até dizer “chega”, e diz o povo que ele costuma andar pelas estradas e fazer travessuras com os coitados que possuem o azar de cruzar com ele.E suas travessuras são as mais estranhas: joga pedra nos telhados, mata galinhas no poleiro, bota fogo nas plantações e pinta o diabo.
Nas cercanias do Duro, perto do campo de avião, existe um lugar por nome Boa Esperança, que pertencia a uma velha cujo nome não me ocorre, onde ele fazia das suas: mijava nos potes, jogava porqueiras nas panelas, açoitava pedras no telhado de noite e acabou quase matando a velha de fome, fazendo-a vender a pequena propriedade na bacia das almas, mas o pandemônio continuou com os novos donos, que, na esperança de acabar com o sofrimento das tentações, venderam-na para o padre Magalhães. Ainda me lembro de ver o velho mestre indo à Boa Esperança, que se livrou de vez do amaldiçoado moleque quando o exorcizou, a poder de rezas e benzeções, e nunca mais ouvi falar no Romãozinho, que – dizendo o povo – soverteu no mundo, carregando suas malvadezas para outras paragens. Meu primo Asdrúbal (Duba de Jacobina) me lembrou dessa exorcização e aqui venho atestar a veracidade do que ele me contou, quando leu “A maldição da Canabrava”, onde me referi ao Romãozinho.
Pesquisando, soube que a lenda do Romãozinho é conhecida no leste Bahia, em todo Goiás, todo o Tocantins, parte do Mato Grosso e também na fronteira do Maranhão com Goiás.
Os primeiros relatos do mito são do distrito de Boa Sorte, município de Pedro Afonso, em Goiás, na fronteira do Maranhão, e data do século XX.
Mas também dizem que às vezes faz coisas boas. Há uma história que diz que uma mulher grávida estava sozinha e entrou em trabalho de parto, e no desespero chamou por Romãozinho e este foi à casa da parteira que depenava uma galinha, a galinha de repente saiu da mão dela e saiu voando, a parteira saiu correndo atrás e a galinha foi jogada na casa da mulher que estava em trabalho de parto.
De uma forma ou de outra, Romãozinho deitou fama assombrando o povo.
Quando morava em Brasília, tive uma empregada muito religiosa chamada Joaquina Tolentino de Deus, irmã de Nico da Cabeceira Verde, no sertão de Conceição do Norte, que era uma santa pessoa, e era tão boa e prendada, que um dia Irene, filha de João Nunes e irmã de madrinha Idinha, se encantou com Joaquina e “sequestrou-a” de mim, levando-a pra Vila Isabel, no Rio de Janeiro, e ela morou com Irene e Bossuet bons pares de anos e só voltou pro Tocantins por conta de um filho avulso que ela arranjou, que danou a dar preocupação à bondosa Joaquina..
Mas citei Joaquina, que dá a impressão de que está nesta história como Pilatos no Credo, porque ela era símbolo do terror que Romãozinho semeava: como eu disse, morava em Brasília, com meu irmão Deodato, meus sobrinhos Luís Eraldo e Filon, com Joaquina de empregada, e ela tinha tanto pavor de Romãozinho, que se a gente falasse que Romãozinho estava na cozinha, a gente ficava sem comer, que Joaquina nem a muque entrava lá pra fazer o de comer.
(Liberato Póvoa, desembargador aposentado do TJ-TO, membro-fundador da Academia Tocantinense de Letras e da Academia Dianopolina de Letras, membro da Associação Goiana de Imprensa – AGI e da Associação Brasileira de Advogados Criminalistas – Abracrim, escritor, jurista, historiador e advogado, liberatopo[email protected])