Fynbos
Redação DM
Publicado em 12 de fevereiro de 2018 às 21:25 | Atualizado há 7 anos
Logo cedo a vitamina está na geladeira preparada delicadamente por ela, na noite anterior. Contém aveia, leite, frutas (geralmente mamão, banana ou abacate) e secretamente ela coloca uma colher de sopa de proteínas, que ele não aprova, mas ela sabe que ele precisa. Em Cape Town e arredores a família se prepara para mais um passeio. Decora a sala com o laranja estonteante de uma April Fool (Scadoxus puniceus), a primeira flor sul-africana descrita na literatura europeia.
Saem todos pela mão inglesa, em direção a Lions Head, uma rocha enorme de arenito que os quatro escalam em poucas horas com extrema facilidade. No percurso, o pai fotografa várias King Protea (Protea cynaroides) secas e nem de perto mostram a exuberância de sua floração. A mãe se esmera em passar protetor solar na filha, tão branca como as Capas de Neve (Syncarpha vestita) que enfeitam as trilhas por onde passam.
Estão todos felizes explorando uma região de beleza incomum. A data, entre o Natal e o Ano Novo, os inspira ainda mais. O filho coloca as revistas e livros no mesmo ponto onde achou na mesa de centro. Sabe que o pai está pesquisando tudo. Também água o vaso onde repousa a flor Ave do Paraíso, ou Estrelícia (Strelitzia reginae) e a reconhece tendo a visto em um parque em Goiânia, sua cidade natal.
Cada dia um local. Uma vinícola, por exemplo. Mesmo sendo os dois filhos abstêmios, eles adoram a caminhada entre as enormes árvores de cânfora plantadas no século XVIII. A filha procura a mãe entre os jardins e dá sua mão suave a ela. Caminham como nuvens belas ao redor das touceiras de Agapantus (Agapantus africanus) azuis e brancos.
A surpresa de encontrar um grande amigo, do outro lado do Atlântico, só torna as férias ainda mais alegres. O pai entrega a direção do carro, confiante na condução do filho e também para proporcionar-lhe uma experiência a mais. São quilômetros e quilômetros ornados de Bobbejaanuintjie (Oxalis flava), a florzinha amarela amada pelos babuínos e o cenário de céu azul e temperatura amena se repete.
O casal não força os filhos a acordarem cedo, pois afinal estão todos de férias. O pai sabe que não será chamado no meio da noite e dorme o sono dos justos. A mãe não se preocupa com a casa, nem com a comida, nem com o meio milhão de coisas que as mães se incomodam, além do trabalho, atividades físicas, compras e etc. E bota etecetera nisso! Ela somente olha pela janela, vê os gansos voando e grasnando alto. E bem ao fundo a Table Mountain toda florida com Fynbos.
Mas afinal o que são esses Fynbos que intitulam a crônica? Fynbos são pequenos gestos, delikatessen comportamental. São favores e agrados do dia a dia que damos e recebemos e poucos veem. Assim como a gama de vegetação mediterrânea que orla a região da Cidade do Cabo, fazendo com que em um pequeno espaço cresçam e vicejem milhares de plantas com flores belíssimas e únicas. Fynbos.
A vida em família é coroada com flores, em que ceder e doar é a escolha mais árdua, porém a única que leva a união. Nos momentos mágicos em que o grupo esteve junto nesse local magnífico, cada um deu um pouco mais de si e recebeu do outro, o respeito que em nele vive. Aprendendo, identificando-se, crescendo e amando-se.
(JB Alencastro, médico)