Opinião

Peguei a gravata

Redação DM

Publicado em 8 de fevereiro de 2018 às 22:04 | Atualizado há 7 anos

O Zé Lo­pes era mo­ço bra­vo. Ami­go bom, le­al, to­pa­va en­trar nas bri­gas. Ele­gan­te, sem­pre o me­lhor ter­no e a me­lhor gra­va­ta, as­sim co­mo qua­se to­dos, da tur­ma. Me­nos eu. Não usa­va gra­va­ta, usa­va um pa­le­tó ve­lho ou uma ja­que­ta. Aos sá­ba­dos, os co­le­gas her­da­ram os cos­tu­mes dos pau­lis­tas, ves­ti­am sob a in­flu­ên­cia dos eu­ro­peus: pa­le­tó cal­ca vin­ca­da, gra­va­ta e sa­pa­to en­gra­xa­do (não, eu dis­se Engraxado­).

Ti­nha fi­nal de se­ma­na que al­gum com­pa­nhei­ro apa­re­cia ao pon­to de en­con­tro me­ti­do a en­gra­ça­di­nho (não, eu dis­se en­gra­ça­di­nho mes­mo!) os mais mo­le­ques; os com­por­ta­dos eram o Car­los Mi­ran­da de Me­lo, o Lu­iz Fer­nan­do da Sil­va Fi­lho, o Ig­ná­cio a quem cha­má­va­mos de Ig­no­tos, o Cé­lio Gui­ma­rã­es, o Osi­res Tor­mim da Vei­ga. Os le­va­dos a bre­ca… Es­que­ci-me de me in­clu­ir na pri­mei­ra tur­ma. Tem im­por­tân­cia não. Vão di­zer mes­mo que eu es­ta­ria com men­ti­ras. Já os mais en­cren­quei­ros eram o Wag­ner Es­te­li­ta de Me­lo, o Ésio Gran­dão, o Ed­son Cha­gas Lei­te, o Ide­bran­do Ve­lo­so, o Wal­ter Ve­lo­so, o Al­ta­mi­ro Car­nei­ro – e eu! Vou me bo­tar no lu­gar do Zé Lo­pes por­que ele era só ner­vo­so; não me­xen­do com ele, ja­mais ma­ta­ria al­guém; na­tu­ral de Pi­re­nó­po­lis; em com­pa­ra­ção com a tur­ma, era meio era­do.

Eu con­ta­va so­bre o fim de se­ma­na. É. Um dos nos­sos com­pa­nhei­ros apa­re­cia com gra­ci­nha que cha­ma­va en­cren­ca pra ci­ma da ga­le­ra. Era um gru­po mui­to har­mô­ni­co, edu­ca­do, en­tre eles, es­tu­dan­tes, ti­pó­gra­fos, po­rém, a mai­o­ria tro­ca­do­ra de gi­bis nas por­tas dos ci­ne­mas. Mas o Wag­ner Es­te­li­ta, sem­pre ele­gan­te, ti­po ar­tis­ta de ci­ne­ma, al­to, to­pe­te Rock Hud­son, che­gou per­to do Zé Lo­pes e fez co­mo ha­via fei­to com os de­mais co­le­gas à pro­por­ção que che­ga­vam: pe­gou na gra­va­ta do Pi­re­no­po­li­no (lin­da com de­ta­lhes azul e ver­de, nun­ca an­tes usa­da) le­vou-a ao na­riz e, li­te­ral­men­te, as­suou o na­ri­gão ne­la, mas com tal von­ta­de, que a gra­va­ta fi­cou com uma do­bra pa­ra fren­te, ele­va­da até ao meio, de mo­do que não des­cia nem su­bia. Gen­te: mas o Zé, com aque­la ca­ra de no­jo, nas pon­tas dos de­dos re­ti­rou a gra­va­ta er­guen­do-a pe­lo nó, pas­san­do-a pe­la ca­be­ça e a jo­gou fo­ra, na rua, de on­de al­guém ca­tou.

Em se­gui­da, ver­me­lho fei­to um bran­que­lo ner­vo­so, bo­tou a mão por den­tro do pa­le­tó, de on­de re­ti­rou um re­vól­ver tão gran­de que pa­re­cia ser de­se­nho ani­ma­do, tal­vez um Tau­rus 38 ou 44 ou 59, sei lá, e foi pra ci­ma do Wag­ner que ha­via se es­con­di­do (to­dos co­nhe­cí­a­mos o tem­pe­ra­men­to ex­plo­si­vo do Zé) e sa­bí­a­mos que aque­le en­con­tro não po­dia acon­te­cer nun­ca. Mas sa­be o que é Nunca? Pois é des­ses! To­dos nos apro­xi­ma­mos de­le. Seus ami­gos de sem­pre o cer­ca­ram e lhe de­ram pa­la­vras de “con­so­lo”? Ele só acei­ta­va ter­mos de ira, ódio, vin­gan­ça, ho­ra de ma­tar! Tor­cer o pes­co­ço En­tão, en­ten­den­do que o Zé que­ria só xin­ga­men­tos, o con­so­la­mos com as pre­di­le­tas de­le:

– Po­de dei­xar Zé! Quan­do o en­con­trar­mos “Trá-lo-emos” di­an­te de vo­cê. E o mo­ço de Pi­re­nó­po­lis:

– Na­da de “tra­la­lá” nem de tro­lo­ló não! Que­ro que vo­cês o tra­gam até aqui! E apon­tou sua fren­te.

– Nem vou tra­zê-lo aqui Zé. Vou ma­ta-lo pri­mei­ro. Aí eu o tra­go! Dis­se o Al­ta­mi­ro.

– Nã­ã­qã­ã­o­o­oo se­nhor! Eu vou aca­bar com ele pri­mei­ro! Re­tru­ca­va o Zé. – Não, eu! Di­zia o Al­ta­mi­ro. – Não, eu! – Não! Tem que ser eu, fui o ofen­di­do. E a tur­ma foi le­van­do o Zé Lo­pes nes­se “ma­ta, num ma­ta!” Até su­mi­rem na es­qui­na. En­quan­to is­to, on­de es­ta­va o Wag­ner Es­te­li­ta de Me­lo?

Ele nos con­tou que es­ta­va na ca­sa da avó Do­na Vi­tu­ri­na de Me­lo ju­ran­do a ela que nun­ca mais iria apron­tar brin­ca­dei­ras pe­ri­go­sas, en­quan­to la­va­va a gra­va­ta do Zé que ele su­ja­ra.

– Vo­cê, ain­da por ci­ma, le­vou a gra­va­ta de­le?

– Por di­rei­to! Ex­pli­cou. O ca­tar­ro é meu. A gra­va­ta fi­cou na rua, nin­guém a quis. No­jo de mim. Qua­se fui mor­to por um trin­ta e oi­tão. Pe­guei a gra­va­ta. É is­so.

 

(Iron Jun­quei­ra, es­cri­tor)

 


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