Os militares arrogantes e meu pai
Diário da Manhã
Publicado em 7 de fevereiro de 2018 às 21:46 | Atualizado há 7 anos
Não me lembro o ano. Quase certeza tenho que foi no governo do Juscelino(31.1.1956-31.1.1961). Joaquim Borges de Oliveira, meu pai, era um dos principais comerciantes de Jataí. Naquele tempo, as lojas “vendiam de tudo”. A fantasia da nossa era Loja Tupy. Nela se mercadejavam sal, açúcar, querosene, soda cáustica, ferramentas, bebidas alcoólicas( não servidas ou abertas no estabelecimento), chapéus, malas para viagem, tecidos, confecções, aviamentos, bijuterias, brinquedos, artigos para montaria e escolar, armarinhos, balas calibre 22, 32, 38. Munições se comercializavam também na Casa Rezende, do Zequinha Paniago, que fora empregador do meu genitor. Vendiam-se, na loja do João Jajah, além de munições, armas. Nenhum deles operava de forma ilícita.
Abria-se o comércio da “Cidade Abelha” às 8 horas e se fechava às 18, de segunda a sábado. Certa manhã em que fui com ele para a loja, chegou-nos a informação de que havia gente do Exército na praça para fiscalizar a comercialização desses produtos. Lá pelas 9 horas, adentraram à Tupy três oficiais fardados. Foram direto ao meu pai, homem honrado que, com os impostos paridos no seu labor, mantinha a caserna para “defender a pátria”. O mais graduado se lhe apresentou estendendo-lhe a destra:
– Sou fulano. O senhor vende munições e queremos vê-las.
– Pois não, tenente!
– Tenente não senhor, coronel! E se o senhor ficar bravo eu lhe prendo.
E prendia mesmo, considerava-se deus. Até hoje o Brasil está assim, na base do “eu quero, eu posso, eu mando, sou autoridade, não preciso de provas, basta-me convicção”.
– Não vou ficar bravo, não precisa, respondeu-lhe, humildemente, o jovem comerciante.
A Tupy vendia muito. Grande o seu movimento, mas naquela manhã entraram curiosos que tentavam esconder suas curiosidades comprando alguma coisa. Um adquiria espelho para bolso de calça masculina, outro comprava brilhantina, outro perguntava o preço de enxada “Duas Caras”(preferida do público). Enfim, desejavam assistir ao trabalho daqueles mal-educados, daqueles ignorantes que usavam seus cargos para insultar pessoas humildes. Uma senhora que comprara uma lata de soda cáustica demorava-se para se retirar. Um deles, rusticamente, chamou-lhe a atenção, criando-lhe constrangimento.
No fim, levaram algumas caixas de balas e se retiraram. Na cidade não havia unidade militar. Muitos anos depois, Jataí acolheu um batalhão que lá se encontra a ocupar parte da lendária “Chácara do Olavo”, de propriedade do meu parente(lado da minha mãe) Olavo Sérvulo de Lima, e da sua esposa, senhora Sofia, enteada de Alice Lima Peres. Alice era o primogênito(é assim mesmo, no masculino) dos meus avós maternos Philadelfo e Ana Isabel. Chamava-se José Maximiano Peres, o popular Zeca Maximiano, o genitor de Sofia, falecido em fevereiro de 1953. Ele se matrimoniara com tia Alice depois do falecimento da dona Maria, sua primeira consorte e mãe de Sofia. Esta e seu esposo são nomes de bairro no meu torrão natal. A chácara em questão era denominada Fazenda Santa Rosa e tinha prestígio muito além dos limites do nosso município. Olavo foi vereador pelo PSD. Ny Peres, advogado e empresário, falecido há cerca de dois anos, era filho desse casal.
Citei o vovô Philadelfo Alves de Lima, vovó Ana Isabel da Conceição e a fazenda Moranga. Esta se localiza na divisa da sede do município de Serranópolis(ex-Serra do Café), naquele tempo jurisdicionado a Jataí. Serranópolis se emancipou em 1958 e sua instalação se deu no dia 1º de janeiro de 1959(data do triunfo da Revolução Cubana que pôs pra correr o Batista, lacaio norte-americano). Meu pai fora caixeiro da “Casa Peres”( nome da loja do Zeca), ainda nos tempos da primeira consorte deste e de lá saiu quando Zeca era seu concunhado. Foi o último emprego do Joaquim, casado com Maria Clara, minha mãe. Estabeleceu-se, com a fantasia Loja Tupy, na dita estância Moranga, e em 1950 nos mudamos para a cidade de Jataí onde prosseguiu com sua profissão de comerciante. Por volta de 1957, a Loja Tupy passou a chamar-se Comercial Baratém, que encerrou suas atividades em abril de 1989, com o óbito do seu proprietário. Não era mais um estabelecimento expressivo. Aliás, havia somente restos do que fora uma prestigiada empresa mercantil.
(Filadelfo Borges de Lima. filadelfoborgesdeli[email protected])