Leia Sangria, de Luiza Romão
Redação DM
Publicado em 5 de fevereiro de 2018 às 22:52 | Atualizado há 6 meses
O meio artístico, apesar da aparência, também é um espaço problemático. A literatura, por exemplo, se apoia em preferências editoriais preconceituosas, que logicamente não fazem sentido. A realidade é de livrarias inacessíveis para vários escritores, abarrotadas de livros praticamente desnecessários. Livros que não são livros e sim produtos, como sabão, sapato ou chinelo. A literatura verdadeira, que mira algo longe dos estereótipos, dos gêneros e das localidades, está cada vez mais independente, tentando sobreviver em meio ao cenário cultural, cheio de figurinhas privilegiadas (e repetidas). Sem grandes incentivos, vivendo através da resistência, ainda encontramos pessoas que lutam contra essas injustiças, tentando trazer para a luz dos olhos do povo o que o próprio povo escreve.
O meio artístico, apesar da aparência, também é um espaço machista. Exemplos que demonstram essa característica podem ser vistos em diversos momentos e locais. O Nobel, por exemplo, considerado o maior prêmio da literatura e um dos mais antigos, conta com poucas mulheres premiadas. As grandes editoras ou grandes festivais literários são outro exemplo onde o machismo se repete, seja na programação, nos livros publicados ou nas antologias, que na maioria das vezes contam apenas com autores do sexo masculino. Um exercício simples, que pode ser praticado por qualquer pessoa, é olhar a prateleira de livros da sua casa, contar quantas autoras mulheres e quantos autores homens.
Como forma de resistência a este preconceito enraizado no meio literário, o Leia Mulheres surgiu. Em cada edição um livro de uma autora é lido e depois destrinchado em um grupo. Em Goiânia, o evento acontece mensalmente e nesta edição (a primeira de 2018), será realizada hoje (6/2), na Livraria Palavrear. O grupo recebe a poeta Luiza Romão, de São Paulo, e seu livro publicado recentemente pelo Selo do Burro Sangria. A narrativa percorre a história do Brasil a partir da perspectiva de um útero. Dividido em 28 poemas, de acordo com o ciclo feminino, cada um representado por 28 fotografias e 28 webséries performadas por artistas de xilogravura, pintura, grafite, dança, teatro, intervenção urbana, música, bordado, teatro de bonecos e outros.
SANGRIA
Este é o segundo livro publicado de Luiza Romão, em 2014 lançou o Coquetel Motolove, também pelo Selo do Burro. É formada em Artes Cênicas, pela Universidade de São Paulo, e participa com frequência dos Slam’s, que são batalhas de poesia. Luiza também integrou como atriz e/ou diretora nos coletivos Cia Ato Reverso, Núcleo Bartolomeu de Depoimentos, Literatura Ostentação, Teatro Documentário e Turma 66.
DIA 3. NÚMERO DE REGISTRO
a filho não ter o filiação da pai
no certidão de nascimento
é hábito antiga
agora o mãe exigir direito à aborto
é uma crime de vida
em alguns casos
não só a gramática
sofre concordância de gênero
DIA 13. 1A TRANSA
um homem cordial me levou à cama
não queria foder nem trepar
só a esterilidade de uma cópula
me chupou com aparência diplomática
e alguma melancolia
(seus dedos-garrote desconheciam recusa)
pediu
que me dividisse em três
para a lida
para a farra
para fotografias oficiais
me trancei
transei
um homem cordial me trocou os lençóis
zelava pela brancura
depois dos gemidos
(até hoje não decifrei
se de dor ou prazer)
me pediu
por favor desapareça
por favor obedeci
sempre favores
sempre favores
homens cordiais assistem mma
às quartas-feiras
mas não vivem sem álcool gel