Opinião

Da normalidade sem esperança – a mais triste entre todas

Redação DM

Publicado em 1 de fevereiro de 2018 às 22:10 | Atualizado há 7 anos

“Sub­ten­dia-se de tu­do; um di­to re­mo­to, va­go, ou en­tão um olhar, e mais na­da”.

(Ma­cha­do de As­sis – in Me­mó­ri­as Pós­tu­mas de Brás Cu­bas)

 

La­can di­zia que a pi­or nor­ma­li­da­de é aque­la pa­ra a qual não há es­pe­ran­ça.

Tal as­ser­ti­va apli­ca-se (ou pa­re­ce ins­pi­rar-se) na trans­for­ma­ção ru­i­no­sa que se dá nos re­la­ci­o­na­men­tos di­tos amo­ro­sos, com o pas­sar do tem­po e o de­cor­rer do des­gas­te ine­vi­tá­vel.

Nos co­me­ços dos na­mo­ros, no au­ge da pai­xão, ge­ral­men­te sus­ten­ta­da pe­la fle­cha de Cu­pi­do, ou do ins­tin­do de Eros, ca­sais qua­se não pre­ci­sam se fa­lar.

Co­mu­ni­cam-se por olha­res e ges­tos.In­ten­ções e pen­sa­men­tos, não emi­ti­das nem pro­nun­ci­a­dos, cons­ti­tu­em elo­qüen­tes dis­cur­sos, com­pre­en­di­dos e as­si­mi­la­dos sem es­for­ço.

Mui­tos anos de­pois, com o des­gas­te na re­la­ção a dois – ou a mui­tos, vis­to que nin­guém se ca­sa com a pes­soa, mas tam­bém se aman­ce­ba e en­tra em co­nú­bio com seu clã fa­mi­liar – com o can­sa­ço de ma­te­ri­al (um ter­mo ca­ro à fí­si­ca quân­ti­ca, mas apli­cá­vel tam­bém ao chão tur­bu­len­to dos afe­tos), to­da pa­la­vra é mal-re­ce­bi­da ou mal-com­pre­en­di­da.

Re­ce­be-se ca­da ges­to ou ati­tu­de com de­cla­ra­da e de­sas­som­bra­da má von­ta­de.Tal de­clí­nio da qua­li­da­de no co­e­xis­tir in­fe­liz­men­te não fi­gu­ra en­tre as la­men­tá­veis ex­ce­ções. Vem se tor­nan­do qua­se re­gra ge­ral.

Em tris­te e de­plo­rá­vel par­te dos re­la­ci­o­na­men­tos di­tos amo­ro­sos (que só são amo­ro­sos no co­me­ço), as­pe­re­za, más pa­la­vras, se­cu­ra de ges­tos, é qua­se tu­do o que se tem.

A re­ju­ve­nes­cên­cia es­tá nas se­das e cris­tais

In dú­bio, pró-De­lú­bi­os! Ou pró-eles! Quan­to ao pú­bli­co pa­gan­te, que se acos­tu­me a ver o jo­go das du­re­zas da ge­ral.

Sub­tra­in­do-nos o aces­so a to­da e qual­quer for­ma de bô­nus, go­ver­nos cu­i­dam pa­ra que não nos fal­te au­men­to de de­ve­res e re­do­bra­das car­gas de ônus.

A vi­da de cer­tas ce­le­bri­da­des pa­re­ce ser “ca­pe­a­da de dis­si­mu­la­ção e du­pli­ci­da­de”.

As­sim sen­do, quan­do se lhe é ti­ra­da a ca­pa, ou lhe é li­xa­do o ver­niz, com es­pan­to se per­ce­be que por trás da más­ca­ra não há vi­da, nem o ros­to re­al que cor­res­pon­da à ima­gem ven­di­da à pra­ça as­so­cia­da.

A per­gun­ta a fa­zer, nes­te ca­so, é: on­de aca­bou por se con­su­mir – ou de­sis­tir de si – a pes­soa que es­ta­va ali?

De su­bli­mi­da­des ima­gi­ná­rias, ou de gló­rias pos­ti­ças, to­dos gos­tam de fa­lar. Po­rém é evi­den­te o in­te­res­se em abre­vi­ar ou sus­pen­der ca­pí­tu­los cons­tran­ge­do­res, pá­gi­nas re­che­a­das de fa­ma e  in­fâ­mias, além de pa­rá­gra­fos enun­cia­do­res de tor­pe­zas e vi­la­ni­as.

En­ve­lhe­ce­mos quan­do na­da no­vo nos acon­te­ce. “E ve­jam até que pon­to po­de ir a ima­gi­na­ção de um ho­mem com so­no.

En­tão pa­re­ceu-me ou­vir de um mor­ce­go en­ca­ra­pi­ta­do no te­ja­di­lho: Sr. Brás Cu­bas, a re­ju­ve­nes­cên­cia es­ta­va nas nu­vens, nas lu­zes, nas se­das, en­fim, nos ou­tros”. (In Me­mó­ri­as Pós­tu­mas de Brás Cu­bas).

 

(Bra­si­gó­is Fe­lí­cio, es­cri­tor e jor­na­lis­ta.Ocu­pa a ca­dei­ra 25 da Aca­de­mia Go­i­a­na de Le­tras)


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