O mundo está de olho no Brasil
Diário da Manhã
Publicado em 24 de janeiro de 2018 às 01:16 | Atualizado há 7 anos
The New York Times é o mais influente jornal americano e um dos mais relevantes do mundo. É lido em todo o mundo, seja online, seja em papel, já que é impresso simultaneamente em várias capitais europeias e em Tóquio. Sua página de opinião é o lugar mais nobre da publicação, e só dá espaço para temas de interesse mundial.
Em sua edição de ontem, o TNYT publicou artigo de Mark Weisbrot (foto), em que comenta o julgamento da apelação de Lula. O título do artigo é: Democracia do Brasil empurrada para o abismo. Para o articulista, a condenação de Lula foi baseada em provas que estão abaixo de qualquer padrão civilizado de jurisprudência. A sentença, se confirmada, indicará, para o autor, que se alinha a correntes liberais de pensamento político, será um retrocesso, eu rebaixamento da democracia brasileira.
CALAMIDADE
Para o autor, aceitar que juízes tenham o poder de afastar das eleições um líder popular, por meio de um processo que ele apelidou de “canguru”, seria mais até do que um retrocesso. Seria uma calamidade mundial.
Traduzimos o artigo para o português, a partir do que está publicado na edição on-line do TNYT. Procuramos ser o mais literal possível, fazendo adaptações apenas nas passagens onde uma tradução ao pé da letra é impossível, ou sem sentido.
Democracia do Brasil empurrada para o abismo
A força da lei e a independência do Judiciário são conquistas frágeis em muitos países – e suscetíveis de nítidos retrocessos.
Brasil, último país do mundo ocidental a abolir a escravidão, é uma jovem e graciosa democracia, tendo emergido de uma ditadura apenas três décadas atrás. Nos últimos dois anos, o que poderia ter sido um avanço histórico – O governo do Partido dos Trabalhadores garantiu autonomia ao judiciário para investigar e reprimir a corrupção oficial – tornou-se o oposto. Como resultado a democracia do Brasil está agora mais fraca do que tem sido desde o fim do regime militar.
Nesta semana, a democracia pode ser ainda mais corroída se a decisão de três juízes de uma corte de apelação for no sentido de barrar da eleição presidencial de 2018 a figura política mais popular do país, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ou mesmo no sentido de prendê-lo.
Não há muita certeza de que a corte será imparcial. O juiz presidente do tribunal de apelação já declarou que a decisão que condenou o senhor Silva por corrupção é “tecnicamente irreprochável”, e a procuradora chefe de equipe postou em sua página Facebook uma petição pedindo a prisão dele.
O juiz do caso, Sérgio Moro, tem evidenciado sua própria militância em inúmeras ocasiões. Em 2016, ele se desculpou perante a Suprema Corte por divulgar conversas gravadas entre o sr. Lula e a presidente Dilma Roussef, seu advogado, sua esposa e seus filhos. O Juiz Moro providenciou um espetáculo para a imprensa mostrando a policia na casa do sr. Lula e levando-o para ser interrogado, apesar do sr. Lula ter declarado que iria voluntariamente ao interrogatório.
As provas contra o sr. Lula estão bem abaixo dos padrões com que seriam levadas a sério, por exemplo, no sistema judicial dos Estados Unidos.
Ele foi acusado de receber propina de uma grande empreiteira, chamada OAS, que foi envolvida no esquema de corrupção da Lava Jato. Este escândalo de muitos biliões de dólares envolveram companhias que pagavam grandes somas em propina aos diretores da companhia estatal de petróleo, a Petrobras, para obter contratos a preços pesadamente inflados.
A propina de que o sr. Lula é acusado de ter recebido é um apartamento pertencente à OAS. Mas não existem provas documentais de que o sr. Lula ou sua esposa tenham recebido o título, a renda, ou mesmo ter ficado no apartamento, nem de que tenha tentado aceitá-lo como presente.
A prova contra o sr. Lula é baseada no testemunho de um executivo condenado da OAS, José Aldemário Pinheiro Filho, que teve sua pena reduzida em troca de tornar suas declarações uma prova. De acordo com a reportagem de um emitente diário brasileiro, Folha de São Paulo, o sr. Pinheiro foi impedido de suplicar barganha quando originalmente contou a mesma história do sr. da Silva. Ele também passou seis meses preso preventivamente. (A prova é discutida na página 238 da sentença).
Mas esta prova pífia foi o suficiente para o juiz Moro. Em algum lugar, que americanos poderiam considerar a decisão como uma procedimento e corte canguru, ele sentenciou o sr. da Silva a 9 anos e meio de prisão.
O devido processo legal, no Brasil, foi morto por um devastador vendaval quando a sucessora do sr. Silva, a senhora Dilma Roussef, que foi eleita em 2010 e reeleita em 2014, foi impedida e removida do cargo. Muitos no mundo (e possivelmente muitos no Brasil), devem acredita que ela foi afastada por corrupção. De fato, ela foi acusada de manobrar no sentido de fazer parecer menor o déficit temporário do orçamento federal. Era coisa que outros presidentes e governadores faziam sem consequências. E que o próprio procurador federal concluiu não ser crime.
Embora houvesse funcionários e partidos de todo o espectro político envolvidos em corrupção, inclusive o Partido dos Trabalhadores, não houve acusação de corrupção contra a senhora Rousseff no processo de impedimento.
O sr. Silva permanece o favorito para a eleição de outubro por causa do sucesso do partido em reverter um longo declínio econômico. De l980 a 2003, a economia brasileira mal crescia em torno de 0,2 anualmente per capita. O sr. Silva assumiu o cargo em 2003, e a senhora Rousseff em 2011. Por volta de 2014 a pobreza tinha sido reduzida em 55% e a miséria extrema em 65%. O salário mínimo real cresceu 75% e os salários em geral subiram 35%, o desemprego diminuiu a nível recorde e a infame desigualdade tinha finalmente caído.
Mas em 2014, um profunda recessão começou, e a direita brasileira foi capaz de tirar vantagem de regresso ao estágio que muitos brasileiros consideram um golpe parlamentar.
Se o sr. Silva é barrado da eleição presidencial, o resultado poderia ter pouquíssima legitimidade, como na eleição hondurenha de novembro, que foi amplamente vista como roubada. Uma pesquisa do ano passado indica que 42.7% de brasileiros acreditam que o sr. Lula está sendo perseguido pela mídia e pelo judiciário. Uma desacreditada eleição poderia ser politicamente desestabilizadora.
Talvez mais importante, o Brasil irá reconstituir-e ainda mais como uma limitada democracia eleitoral em que um judiciário politizado pode excluir um líder politico popular da corrida pelo cargo. Isto seria uma calamidade para os brasileiros, a região e o mundo.
Mark Weisbrot, codiretor do Centro de Pesquisa Econômica e Política de Washington, presidente da “Just Foreign Policy, e autor do livro “Fracasso: Em que os experts erraram a respeito da Economia Global”.