A construção do desejo
Redação DM
Publicado em 22 de janeiro de 2018 às 23:35 | Atualizado há 7 anosO desejo é sem pejo, e tem razões perante as quais outras razões enrubescem.O universo ou o sítio de cada um é delimitado pelo ambiente em que vive, mas também pela medida de seus sonhos e desejos, sejam estes inconfessáveis em público, ou de inocência aparente.Diga-me o que desejas, e a matéria que alimenta teus sonhos, e te direi quem és. Em outras palavras, é o que diz Jorge Forbes, psicanalista lacaniano, em seu livro Você quer o que deseja – A pergunta procede, visto que muitas vezes de fato não queremos aquilo que desejamos.
Na apresentação da obra assinala Maria Adelaide Amaral: “Cuidado com o que desejas, pois poderás ser atendido”, diz o provérbio judaico.Lacan propõe que devemos ser gratos a quem não nos deu o que pedimos, e Jorge Forbes revisita o desejo humano, suas ciladas e angústias” – não são poucas, e rondam os caminhos cotidianos, de um modo tão astuto e insidioso que no mais das vezes não nos damos conta dos abismos que com nosso ego cego vamos criando à nossa volta. “A sociedade globalizada, paradoxalmente, conduziu o Homem a ser o único responsável por si mesmo. A solidão ronda, e as escolhas, sob o impacto da publicidade e das informações em tempo integral, na busca sôfrega do sucesso, pesam cada vez mais nas costas de cada um”, diz Miguel Reale Junior, referindo-se ao livro de Jorge Forbes, da editora Best Seller. E arremata: “A frustração com o que se alcança faz permanente a insatisfação e revela o sentimento de incapacidade de apontar diretrizes para a própria vida”.
Na abertura de seu livro Jorge Forbes indaga ao leitor se ele de fato quer o que deseja. “A pergunta é profundamente humana, visto ser a dúvida e a decisão inerentes unicamente à nossa espécie”. No mais das vezes, muito cedo ou imediatamente nos desencantamos daquilo que obtemos; a decepção é amarga, ao nos darmos conta de que a coisa, pessoa ou situação por nós ambicionada não veio empacotada na medida do desejo ou projeção; ou o conteúdo não corresponde ao anunciado na propaganda. “Pois nada que uma pessoa possa querer é suficiente para satisfazer o desejo. Desejar, ensinava Lacan, é sempre desejar outra coisa, a ponto de podermos agradecer a quem não nos dá o que foi pedido”.
P.S. No jargão popular isto é dito de maneira pedestre, na queixa de uma moça perdida para a inocência para outra que também foi sexualmente explorada: “O problema é que nós damos o que eles querem, mas depois eles não querem mais”.
Há distância abissal entre a intenção e o gesto, assim como é cósmica a distância entre o eu e o mundo. “Até mesmo soluções milagrosas, como a proposta pelo poeta Carlos Drummond de Andrade, caem no oblívio do fracasso anunciado: “Mundo, mundo, vasto mundo.Se eu me chamasse Raimundo, seria uma rima, não seria solução”. Ao fim e ao cabo, cabe ao vivente vivenciar o sofrimento da perda que se sucede ao encontro – ou esbarrar na desistência logo após a realização. Como no famoso poema do poeta itabirano, onde repetidamente é perguntado: E agora, José – a festa acabou, o povo sumiu; e agora, José – sua doce palavra, sua rima de ouro, sua biblioteca – e agora, José – e agora, você… Nada será como antes, como em sonhos era visto: a realidade.
Sobre os reclamadores e queixosos crônicos, que vivem a produzir ruídos em sua comunicação com as coisas e o mundo, diz o autor, em seu papo cabeça: “A causa primordial de toda queixa é a preguiça de viver. Viver dá trabalho, uma vez que a cada minuto surge um fato novo, uma surpresa, um ato inesperado que nos obriga a correção na rota na vida.Em síntese: a queixa é um fechamento sobre si mesmo, uma recusa da realidade e um desconhecimento da dor real”.
Não havendo decisão que não implique em risco de desencanto ou perda, sendo a própria indecisão um ato de omissão em si, a ponto de os indecisos serem os que decidem as eleições, o refletir sobre se de fato precisamos daquilo que tanto buscamos talvez seja o melhor e o mais sábio a fazer. Até porque, segundo Jorge Forbes, não há decisão que não seja arriscada e não induza à perda: “O mal chamado estresse não é mais que a consequencia do medo de decidir, que provoca o empanturramento das opções”.
(Brasigóis Felício, escritor e jornalista. Membro da Academia Goiana de Letras)