Cotidiano

Diretor de escola adotou medidas que podem inspirar gestores em todo o Brasil

Redação DM

Publicado em 16 de janeiro de 2018 às 01:08 | Atualizado há 5 meses

Há três anos o educador Diego Mahfouz Faria Lima assumia a direção da Escola Municipal Darcy Ribei­ro, em São José do Rio Preto, cidade localizada no interior de São Paulo. Com infraestrutura precária, índice de evasão escolar altíssimo e casos de violência entre alunos, além de aprendizado bastante deficiente, Diego tomou medidas inovadoras e sua consciência social fez com que a escola se tornasse uma ins­tituição de ensino exemplar. Sua gestão, inclusive, chamou a aten­ção de vários educadores em todo o mundo, e ele se tornou um dos finalistas ao Global Teacher Prize.

Antes de assumir a gestão, a escola passava por uma deplorá­vel fase onde os casos de violência ocorridos na sala de aula, por várias vezes, viravam notícias e deixavam os pais cada vez mais preocupados com a integridade dos filhos. Salas e banheiros eram frequentemente depredados pelos próprios alunos. Dentre os casos mais famosos, em 2012, um adolescente foi flagrado em sala de aula com uma pistola semiautomática; e em 2014, uma discussão entre dois alunos de 14 e 15 anos escalonou para agressões e virou caso de polícia.

“Era uma das escolas mais vio­lentas da região. Quando vim co­nhecê-la, não só achei a facha­da feia, como vi que o muro era cheio de buracos, onde usuários guardavam suas drogas. Os ba­nheiros não tinham nem vaso sa­nitário”, relata Diego Faria Lima, em entrevista à BBC Brasil. A ins­tituição se tornou sua responsa­bilidade há três anos, onde mais de 800 estudantes passaram a es­tar sob sua tutela.

A partir desse estado de fragili­dade vivido pela escola, Diego co­meçou a adotar estratégias basea­das, sobretudo, em recuperação do espaço físico e no engajamen­to dos alunos e da comunidade. Os resultados, de acordo com ele, apareceram no intervalo de um ano, a começar pelos altos índi­ces de evasão: 212 alunos haviam abandonado a escola em 2013, en­quanto no ano seguinte, esse nú­mero baixou para dois.

O desempenho dos estudan­tes melhorou, embora ainda per­maneça bastante abaixo do ideal: em 2011, apenas 11% dos alunos do 9º ano tinham conhecimentos adequados em português e 6% em matemática; esses índices subi­ram, respectivamente, para 30% e 12% em 2015 (últimos dados ofi­ciais disponíveis).

A reversão da espiral de violên­cia e maus resultados trouxe reco­nhecimento internacional: Lima é hoje uns dos 50 finalistas do Global Teacher Prize, uma das mais im­portantes premiações de docen­tes do mundo e cujo vencedor será anunciado em março. A avaliação da Varkey Foundation, responsá­vel pelo prêmio, é de que “acima de tudo, a escola atualmente tem um lugar na comunidade, e todos sa­bem que são bem-vindos ali”.

 

 

QUATRO MEDIDAS PARA MELHORAR A QUALIDADE DE ENSINO EM UMA ESCOLA:

 

1 – Dar voz aos alunos

Lima diz que, ao assumir a direção da escola, foi recebi­do com uma “rebelião” por al­guns alunos, que atearam fogo aos banheiros. “Peguei um mi­crofone para dizer a eles que eu não iria embora e que es­tava disposto a escutá-los”, re­corda o diretor. Ouviu de volta que os alunos achavam a escola feia e excessivamente punitiva – ou seja, que qualquer coisa era motivo para suspensão. “Tudo começou a mudar quando dei voz a eles”, diz Lima.

Foi criado um mural onde os alunos deixam seus elogios, críticas e sugestões, para serem lidos pe­los professores em sala. As suges­tões coletivas são levadas à direção. Além disso, assembleias e o grê­mio estudantil foram fortalecidos.

Com a Câmara Municipal de Rio Preto, foi lançado o projeto “vereadores mirins”: alunos esco­lhidos pela classe elaboram pro­jetos levados a votação pelos ve­readores “reais”. A partir disso, foi aprovado um projeto de lei para a criação de laboratórios de in­formática nas escolas da cidade.

Outro ponto-chave é a media­ção de conflitos: alguns dos pró­prios alunos do 9º ano foram trei­nados por Lima para identificar e mediar a resolução de casos de bullying e conflitos. Lima também atua como mediador atualmen­te. “É ensinar a ouvir o outro, a se colocar no lugar do outro”, afirma. “Buscamos os alunos mais indis­ciplinados para comandar a me­diação, porque daí sua liderança negativa se torna positiva.”

2 – Combater a evasão

Para enfrentar o alto núme­ro de desistências por parte dos alunos, a Darcy Ribeiro criou carteirinhas para seus estudan­tes, de forma a monitorar o nú­mero de faltas. A cada três faltas consecutivas de um mesmo alu­no, Lima ia ele próprio à casa do estudante descobrir o que esta­va acontecendo.

Outro problema é que a maio­ria dos alunos simplesmente não ia à escola nas sextas-feiras. Sur­giu a ideia de tornar o ambien­te escolar mais atrativo, com um show de talentos: pais e alunos passaram a realizar performan­ces nesse dia da semana.

O distanciamento com as fa­mílias também era um proble­ma. Na primeira reunião de pais organizada por Lima, compa­receram apenas nove familia­res. Lima descobriu que mui­tos alunos não entregavam os comunicados das reuniões a seus responsáveis. A solução foi contratar um carro de som, que passa pelas comunidades próximas avisando as datas das reuniões escolares.

3 – Melhorar o desempenho e a relação entre alunos e escola

Desanimados com o mau com­portamento das turmas, os profes­sores da Darcy Ribeiro costuma­vam emitir cerca de 60 suspensões de alunos por semana. “Às vezes, quando o aluno era suspenso por sete dias, ele sequer voltava mais para a escola”, conta Lima. A ma­neira encontrada para aproximar docentes de estudantes foi criar um programa de tutoria, em que cada professor passou zelar pelo bem-estar e pelo desempenho de uma determinada turma.

Um questionário aplicado aos estudantes e à comunidade não apenas ajudou a identificar necessidades e sonhos dos alu­nos, como também despertou na equipe empatia por estudantes até então considerados “proble­máticos”, e que, em alguns casos, enfrentavam grandes dificulda­des pessoais até então desconhe­cidas dos docentes.

Um plantão de dúvidas no con­traturno, em que alguns dos pró­prios alunos viraram ajudantes dos professores, ajuda a combater pro­blemas de aprendizado. Para in­centivar a leitura e enfrentar o alto índice de analfabetismo funcio­nal entre os estudantes, foi criado o “Pare Para Ler”. Consiste basica­mente num intervalo diário de 15 minutos, em que todos na escola, alunos e funcionários, se dedicam à leitura de textos escolhidos por eles próprios ou por professores.

Um clube de astronomia, que começou como uma forma de es­timular o interesse pela pesquisa científica e pelas tarefas de casa, acabou virando um dos xodós da escola, levando inclusive à com­pra de um telescópio e ao dispa­ro de uma sonda, acoplada a um balão de hélio, para captar ima­gens aéreas. E o WhatsApp, antes proibido em classe, virou ferra­menta para tirar dúvidas e discu­tir os projetos do clube.

4 – Embelezar a escola e melhorar os laços com a comunidade

A péssima infraestrutura, com espaços abandonados, salas e ba­nheiros degradados, era uma das principais queixas dos alunos da Darcy Ribeiro. O diretor começou pedindo, a outras escolas da região, materiais de construção e tinta que tivessem sobrado de reformas an­teriores. Seu objetivo era melho­rar a aparência da escola durante as férias, “para receber os alunos de uma forma diferente quando as aulas recomeçassem”.

Uma aluna viu a sala sendo pin­tada e a notícia da reforma acabou se espalhando, o que gerou uma onda de apoio: pais e estudantes passaram a se oferecer para ajudar. “Hoje, temos um grupo de mais de 30 pais voluntários para a manu­tenção da escola, varrendo ou tro­cando torneiras”, diz Lima.

A biblioteca, que antes era um depósito de materiais, foi revitali­zada, ganhou 7 mil livros doados e agora é gerida voluntariamente pela mãe de um aluno. O muro foi pintado e grafitado, e as salas ga­nharam novas carteiras.

O tráfico de drogas no ambien­te escolar foi coibido com a revita­lização, pelos próprios alunos, da área mais degradada da escola, transformada em uma praça de leitura. “Quando uma mãe vem e reclama que o filho está usando ou traficando drogas, chamamos o aluno e tentamos parcerias para conseguir emprego para ele, mos­trar que ele não precisa das dro­gas para se sustentar ou passar o tempo”, diz o diretor.

A escola também passou a abrir aos fins de semana, com um proje­to de música clássica, hoje realiza­do pela prefeitura em outro espaço.

Para o futuro

A escola alcançou em 2015 a nota 4,7 no Ideb, indicador ofi­cial usado como referência da educação básica, que varia de zero a 10. A nota superou a meta para aquele ano, mas ainda está distante dos 6,0 que o Brasil usa como referência de qualidade e almeja para suas escolas até 2021. Lima tem como objetivo, ago­ra, reduzir a defasagem de par­te dos alunos em relação à série que cursam, coibir as faltas, ain­da em nível acima do desejado, e melhorar o trabalho pedagógico.

O mais importante para re­vitalizar outras escolas em si­tuação semelhante, opina ele, é “mudar o olhar” dos gestores. “É um projeto que dá resultado se você se abrir à gestão democrá­tica, dar voz em vez de concen­trar as decisões, valorizar o pro­tagonismo dos alunos e abrir a escola como se ela não tivesse muros”, afirma.

 


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