Da fiança civilista e da fiança no âmbito penal
Diário da Manhã
Publicado em 12 de janeiro de 2018 às 00:05 | Atualizado há 7 anos
O contrato civilista é muito rotineiro na vida de boa parte da população brasileira, seja na locação, no mútuo, da doação, no comodato, no depósito dentre outros, mas o que não tem sido comum é uma análise de todas as partes envolvidas no que pertine à compreensão do texto contratual que liga todos em um mesmo compromisso, gerando direitos e deveres para o mundo jurídico.
Infelizmente é cotidiano ouvir pessoas alegando que não leram o contrato porque a “letra era muito pequena ou o contrato era grande e o tempo era curto e alguns até dizem que a preguiça de ler um contrato imenso foi a responsável pela não análise do referido negócio jurídico”.
Para a maioria dos cidadãos a palavra “aval” tem o mesmo significado de fiança.Pois bem a fiança sob o aspecto civilista é uma garantia pessoal e fidejussória que consiste em uma terceira pessoa chamada de fiador assumir a dívida feita por outrem e não paga, denominado devedor ou solvens no campo do Direito Contratual.
O aval também é uma garantia, mas está previsto no âmbito do direito empresarial, nos títulos de crédito e não necessita de uma relação contratual para existir.A fiança é um contrato acessório por não existir de forma autônoma, prescindindo assim da existência de um contrato principal para sua existência.Em regra quando há solicitação de fiador o credor pede ao mesmo que conceda um bem de sua propriedade como garantia de pagamento de dívida inadimplente,no entanto o fiador ainda que tenha indicado um bem como garantia,pode pagar em espécie a dívida não paga,para que o bem referido não integre uma futura execução civilista.
Trata-se de garantia pessoal porque uma terceira pessoa é chamada a solver a dívida inadimplente do devedor e é fidejussória porque envolve confiança.Fidúcia significa confiança que o credor tem em receber o pagamento da dívida feita e não quitada pelo devedor,mas paga por uma outra pessoa que desde o início já fez-se presente na relação contratual.Está por sua vez a fiança civilista prevista no artigo 818 do Código Civil e gera o chamado direito de regresso ou sub rogação para o fiador que paga a dívida do devedor,significa que o fiador ao pagar a dívida pode cobrar do devedor todo o valor pago,incluindo perdas e danos se comprovar o prejuízo obtido.
Ser fiador requer uma análise minuciosa da relação contratual,da espécie de fiança a ser estabelecida,da aceitabilidade ou não do chamado benefício de ordem ou excussão,da possibilidade da fiança em caso da dação em pagamento,enfim,ser fiador não é apenas “emprestar” o nome para que haja o preenchimento dessa parte na relação contratual estabelecida entre credor e devedor.A fiança não admite interpretação extensiva e uma vez exigida não pode ser cumulada com outra garantia em um mesmo contrato.
Poucas pessoas conhecem a fiança civilista e quando deparam-se com o credor cobrando-lhes certa dívida ficam sem entender o motivo da referida cobrança, ficam sem saber como agir ou o que falar.É costumeiro mencionar que o credor é parte muito interessada em solicitar fiador e em regra ele conhece ou segue as orientações de um profissional quando o assunto é a fiança, logo torna-se um grande conhecedor da mesma e isso é muito bom para seu resguardo no cumprimento das obrigações assumidas pelo devedor.
Mas é interessante fazer uma ressalva: o fiador tem o direito de analisar o contrato antes de assiná-lo, de procurar orientação e se negar a assiná-lo se compreender que lhes é desfavorável.
Fato é que o contrato faz lei entre as partes e é interessante observar que só em certas situações o mesmo pode vir a ser anulado ou considerado nulo.Assinar a fiança civilista e depois simplesmente alegar que nada sabia a respeito não é fundamento coerente para se eximir da responsabilidade até então assumida.
A importância da leitura, da compreensão do contrato de fiança são fundamentais para se evitar quaisquer possíveis conflitos entre devedor, credor e fiador, haja vista as partes na fiança serem apenas o credor e o fiador.
Já a fiança no âmbito processual penal é entendida como a garantia real que tem como objetivo assegurar a presença do acusado que está consequentemente vinculado à uma relação processual.É concedida pelo juiz, podendo ser prestada pela pessoa acusada ou ainda por uma terceira pessoa desde que tenha vinculação com o acusado.
A autoridade policial, que é o delegado de polícia também pode conceder fiança quando o crime cometido pelo sujeito ativo for punido com pena privativa de liberdade não superior a 04 anos, sendo de suma importância mencionar que alguns crimes são inafiançáveis, tais quais:a prática de racismo, tortura, tráfico ilícito de entorpecentes, os crimes hediondos, terrorismo e outros previstos pela lei penal.A lei 8072 de 1990 prevê os crimes hediondos,que são os causadores de um grande repugno pela sociedade.
A fiança civilista é perceptível quando o credor solicita ao fiador que indique um bem como garantia, caso o devedor não pague a dívida e o fiador também não, o referido bem pode vir a figurar em um processo de execução; já a fiança penal observa as seguintes modalidades:a hipoteca ou a modalidade de depósito, recaindo sobre dinheiro ou bens móveis.A hipoteca para a legislação civilista é uma garantia real que incide sobre o imóvel do devedor.
Na vida cotidiana é comum a prática de celebração de contrato de locação ou de mútuo onde o fiador sequer sabe o seu papel nessa relação, muitos por sua vez sequer lêem o contrato e pensam ser um “desperdício de dinheiro” contratar um profissional para apenas lhes explicar o que é aval ou fiança, suas peculiariedades e suas consequências.Apenas poucos cidadãos conhecem ou procuram conhecer os atributos positivos e negativos de ser garantia pessoal.
As pessoas precisam compreender toda e qualquer situação que as envolve, o que lhes pertine ou não em um compromisso de efeito jurídico.Os resultados por sua vez nem sempre são positivos para aqueles que desconheciam o que lhes fôra atribuído e muitas brigas ocorrem como consequência do mal estar ocasionado pelos efeitos de uma dívida cobrada do fiador porque o devedor não pagou ou não havia lhe explicado como funcionava a fiança, afinal ninguém quer pagar a dívida de outra pessoa, principalmente em tempos de crise econômica.
Na esfera penal o ideal seria não cometer ilícitos, mas como não há tal possibilidade a lei tem que prever e aplicar suas punições sempre analisando o delito praticado, a conduta do agente, a penalidade cabível, as circunstâncias e motivação para a prática do delito.
Pode-se dizer ainda que a fiança civilista é entendida por alguns, como um “castigo” para o fiador que não a conhecia, pois o mesmo tem que desembolsar dinheiro para pagar a dívida ao credor quando o devedor não possui bens ou se os possuir são insuficientes para quitar a dívida ao accipiens.Castigo porque o fiador acaba por responsabilizar-se por ter assumido algo que nem conhecia direito, questionando-se porque não foi em busca de orientação devida, alegando jamais assumir outra fiança.
São as causas e consequências em ambas esferas do Direito:a fiança penal e a civilista, que mesmo sendo tão diferentes gera efeitos necessários, mas não positivos para as partes envolvidas.
(Kelly Lisita, advogada, professora universitária, especialista em docência universitária, Direito Penal, Direito Processual Penal e Docência Universitária)