Cotidiano

A ânsia pela pena capital

Diário da Manhã

Publicado em 11 de janeiro de 2018 às 01:29 | Atualizado há 4 meses

O apoio à implementação da pena de morte no Có­digo Penal Brasileiro cres­ceu 10% em relação à última pes­quisa, divulgada em 2008. Quando questionados se caso houvesse uma consulta à população, se vo­tariam a favor ou contra a adoção da pena de morte, 57% dos entre­vistados declararam que votariam a favor. Esse é o maior índice da série histórica, iniciada em 1991, quando registrou que 48% dos bra­sileiros eram a favor da pena capi­tal. O menor índice já apontado foi justamente o da última pesquisa, em 2008, quando 47% era a favor da implementação.

A Região Centro-Oeste está dentro da média nacional dentre os que apoiam e os que são contra à pena de morte, mas as Regiões Sul e Norte apresentam índices mais altos. De acordo com os da­dos apurados pelo Datafolha, 60% da população das duas regiões são a favor da pena capital, enquanto o Sudeste, com 55%, é a mais con­trária das regiões. No total, apenas 39% dos brasileiros são contrários à punição, enquanto 1% está indi­ferente e 3% dos entrevistados não souberam responder.

Agora, aprofundando um pou­co mais sobre o perfil daqueles que apoiam ou são contra à pena de morte, a pesquisa revelou que a população mais pobre se mostrou mais favorável à sua implantação. No grupo com renda mensal de até cinco salários mínimos (equi­valente a R$ 4.770), 58% se mostra­vam favoráveis à pena de morte. No entanto, a porcentagem dimi­nuiu para 51% quando os entrevis­tados recebem entre cinco e dez salários (sendo este último equiva­lente a R$ 9.540). Quanto ao grupo mais rico, 42% concordam com a execução de penitenciários.

O apoio à pena de morte é mais alto entre os católicos do que entre os evangélicos (63% ante 50%), en­quanto a rejeição à pena de mor­te é mais alta entre os mais ins­truídos (47%) e entre os mais ricos (57%). Aqueles com idades de 25 a 34 anos são mais favoráveis à pena capital do que pessoas de outras faixas etárias, de forma que 61% responderam apoiá-la. Já as pes­soas com mais de 60 anos com­põem o grupo que menos adere à ideia da morte de condenados, totalizando 52%. Com relação ao gênero, 54% das mulheres ouvidas pela pesquisa aceitam a penalida­de, enquanto 60% entre os homens se mostraram favoráveis a ela.

A pena de morte no Brasil, en­tretanto, não é totalmente inexis­tente, pois o código militar ainda a prevê como aplicável em situações de traição (como pegar em armas contra o Brasil ou auxiliar o inimi­go); covardia (fugir na presença do inimigo, por exemplo); rebelar-se ou incitar a desobediência contra a hie­rarquia militar; desertar ou abando­nar o posto frente ao inimigo; pra­ticar genocídio; e crimes de roubo ou extorsão em zona de operações militares; além de outras situações.

CONTRAMÃO

Embora a maioria da popula­ção seja favorável à pena capital, a Anistia Internacional, ONG de di­reitos humanos, luta para que ela seja abolida nos países que a ado­tam ou, ao menos, que seja adota­da para “crimes mais sérios”. E não é exatamente isso o que vem acon­tecendo, de acordo com o levanta­mento realizado pela instituição.

Os principais motivos para condenar à morte são considera­dos mais “abstratos”. Segundo a Anistia Internacional, crimes re­lacionados às drogas; sequestro; estupro e blasfêmia ou “insulto ao profeta do Islã” são as razões mais comuns utilizadas para jus­tificar a execução de um réu. Exis­tem outras, em menor quantida­de, que são mais abrangentes e tratam de “segurança nacional”, de acordo com os dados colhi­dos pela ONG, que são espiona­gem, traição, colaboração com entidades estrangeiras, questio­nar políticas do líder (político lo­cal) e participação em movimen­tos de insurreição ou terrorismo.

A ONG lembra que o Artigo 6º do Pacto Internacional sobre Direi­tos Civis e Políticos da ONU estabe­lece que “todo ser humano tem o direito inerente à vida”. Para aque­les Estados que praticam a pena de morte, ela só pode ser imposta para “crimes mais sérios”, ou seja, aque­les que envolvem “assassinato in­tencional”. Por isso, todas as razões citadas acima vão contra o pacto. Apesar disso, o texto só vale para os Estados-parte, ou seja, aqueles que aceitaram seus termos. China, Emirados Árabes Unidos, Arábia Saudita e Sudão do Sul, por exem­plo, não são parte do acordo.

EQUÍVOCOS E DANOS

Contudo, adotar a pena de mor­te não significa que o Estado não precise mais cumprir requisitos in­ternacionais de justiça ao longo do processo acusatório. A garantia ao amplo direito de defesa é um de­les, por exemplo. O estudo da Anis­tia Internacional, entretanto, que várias garantias jurídicas são des­respeitadas ao longo dos proces­sos em vários países que adotam a pena capital. Ou seja, numa cir­cunstância em que a vida do réu está em jogo, uma acusação injus­ta é muito mais problemática a um Estado do que em qualquer outro que não adota a pena capital.

E o Brasil é um país que come­te erros grosseiros, como o caso do amazonense Héberson Lima, de 34 anos, que em 2003 foi acusado de estuprar uma criança de 9 anos pelo vizinho. Encarcerado por dois anos e sete meses, foi violentado vá­rias vezes e contraiu HIV na prisão, num costumeiro hábito dos prisio­neiros mais violentos de tratarem aqueles que forem condenados por tal crime. O revés aconteceu quan­do a defensora pública Ilmair Faria Siqueira constatou que as feições descritas pela vítima que, a princí­pio, havia reconhecido Héberson, não batiam com o rapaz. “Bangue­la, alto e ‘aloirado’” era o perfil que constava no relato inicial da meni­na, o que na verdade era totalmen­te oposto ao de Héberson.

Uma década após ser solto, o amazonense ainda tenta que os da­nos que sofreu sejam reparados. Depois da prisão, ele perdeu o em­prego, a mulher e teve de se subme­ter ao tratamento para o HIV. Entre idas e vindas de processos pedin­do indenização, ele agora aguarda o desfecho da ação em que solicita R$ 150 mil do Estado em favor dos dois filhos, de 13 e 15 anos.

Levando em consideração que o estupro está entre as principais mo­tivações para aplicar a pena capital, Héberson poderia não ter uma se­gunda chance. Ainda que sua vida, no momento, se encontre numa triste e complicada situação, ele tem a possibilidade de se reerguer e pro­curar uma oportunidade de, ao me­nos, conceder melhores condições aos filhos. É válido ressaltar que, em 2003, 50% da população apoiava a implementação da pena capital ao Código Penal Brasileiro.

OUTROS PAÍSES

No total, cerca de 18.850 pes­soas, no mínimo (levando em conta que os números da China e Coréia do Norte não são divul­gados), se encontram no corre­dor da morte ao redor do mun­do, neste momento. Os Estados Unidos (além do Japão) é o úni­co país do G8 que ainda pratica a pena de morte, e a maioria de­las são executadas nos estados do sul (de orientação mais conserva­dora). Dos 50 estados, 5 adotam a punição, sendo que em 3 fazem uso da injeção letal (cujo resulta­do nem sempre é silencioso e rápi­do), e outros dois ainda executam através da cadeira elétrica.

No entanto, os EUA é um dos países que reduziram a aplicação da pena de morte: 20 pessoas fo­ram executadas em 2016, o índi­ce mais baixo desde 1991. Nesse mesmo ano, os países que mais praticaram a pena de morte, em ordem numérica, foram o Irã, a Arábia Saudita, o Iraque e o Pa­quistão, países responsáveis por 87% de todas as execuções. Lem­brando que a China não foi incluí­da devido à natureza sigilosa dos seus dados, mas acredita-se que é o país que mais mata através da pena em todo o mundo.

Por mais que alguns Estados ainda executem a pena de mor­te dentro de seus limites fronteiri­ços, mesmo que os réus não sejam naturais do respectivo país (como o caso dos dois brasileiros fuzila­dos na Indonésia por tráfico de drogas), a tendência dos últimos anos é justamente oposta à qual os brasileiros anseiam. Voltando aos EUA, 32 novas pessoas foram con­denadas à morte, mas esse núme­ro representa uma redução de 38% em relação ao ano anterior, e confi­gura o menor índice desde 1973. O índice de execuções em 2016 caiu 37% em relação a 2015 em todo o mundo. Embora o número de execuções tenha aumentado den­tro da última década, a tendência mundial nos últimos 50 anos é re­duzir tanto o número de condena­ções como o de execuções.

Nauru e Benin foram os últi­mos países que aboliram a pena de morte do seu código de leis. Nau­ru é uma isolada ilha da Oceania, localizada no Pacífico Sul, cuja po­pulação mal passa os 10 mil ha­bitantes, e Benin, localizado na África Ocidental Subsaariana, está numa das regiões mais miseráveis e politicamente instáveis do mun­do. Enquanto um país praticamen­te isolado do mundo e outro, que sobrevive em meio ao caos políti­co e social dentre os seus vizinhos, conseguem dar o mínimo de civili­dade à população, e considera ou­tras formas de tratar crimes mais violentos, o índice de brasileiros que anseiam pela implementação da pena de morte no país bate o re­corde nos últimos 26 anos.

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