Entretenimento

Pomada alucinógena à base de beladona fazia as bruxas “voarem” na Idade Média

Diário da Manhã

Publicado em 9 de janeiro de 2018 às 23:08 | Atualizado há 4 meses

Conhecida popularmente como trombeta de anjo, a beladona é uma planta alu­cinógena extremamente tóxica, e pode levar um adulto à morte se utilizada de forma equivocada. Ela compõe a fórmula de cosméticos, medicamentos e venenos, mas uma de suas funções mais antigas, que data de no mínimo 10 mil anos atrás, é a de ingrediente de poções e pomadas utilizadas em rituais ancestrais. Foi popularizada na li­teratura do final da Idade Média graças às bruxas deste período. No passado acredita-se que elas uti­lizavam uma mistura de belado­na, ópio e outras plantas veneno­sas em uma “pomada de voo”. O historiador Carlo Ginzburg, entre outros, argumenta que essas po­madas eram destinadas para en­corajar sonhos alucinantes.

O cultivo da planta é legaliza­do em vários países da Europa, Paquistão, América do Norte e no Brasil. Todas as partes da plan­ta da beladona podem ser cultiva­das, comercializadas e distribuí­das sem licença legal ou prescrição médica nos Estados Unidos. Suas folhas e raízes também podem ser adquiridas em farmácias da Ale­manha com prescrição médica. A beladona é uma das plantas mais tóxicas encontradas no hemisfério oriental, e sua ingestão por via oral aumenta os riscos de várias condi­ções clínicas, como complicações na gravidez, doenças cardiovas­culares, transtornos gastrointesti­nais, doenças psiquiátricas, entre outras. Todas as suas partes pos­suem alcaloides de tropano, sendo a raiz a parte mais tóxica, com cer­ca 1,3% de sua composição.

MITOS

A artista Sarah Anne Lawless, que também é pesquisadora de ervas folclóricas, escreveu um ar­tigo em seu site sobre a história das conhecidas poções voadoras. “Para aqueles que talvez não sai­bam, um unguento de voo consti­tui-se de uma pomada ou óleo in­fundido com hervas psicoativas utilizados por bruxas em seus ritu­ais sabáticos entre o fim da Idade Média e início da Idade Moderna na Europa durante o auge da caça às bruxas na Europa”. Num mo­mento de extrema turbulência, em que a Igreja Católica tentava man­ter-se hegemônica, as poções tive­ram suas reais funções bastante distorcidas. “Caçadores de bruxas da época perpetuaram o mito de que as bruxas criavam suas poções através de gorduras de bebês, mas isso era apenas propaganda teme­rária”, explica Sarah.

Atualmente, a história e a ci­ência ajudam a entender melhor como funcionavam os rituais mís­ticos daquela época. “Gordura animal era utilizada para extrair os potentes óleos e alcaloides das plantas venenosas, pois esse pro­duto era conveniente e acessível até às pessoas mais pobres”. A gordura animal também facilita o proces­samento das poções. “Hoje, com o auxílio da ciência moderna, sabe­mos que nossa pele absorverá uma pomada feita com banha de porco mais rápido do que qualquer ou­tra substância, pois nossa genéti­ca é similar à do porco”. De acordo com a autora, foi uma solução inte­ligente desenvolvida por nossos an­tepassados. “Adicionar um óleo ve­getal em gordura animal resolve o problema de absorver a substância estranha ao nosso corpo”.

HISTÓRIA

Apesar de as bruxas do fim da Idade Média terem ajudado a po­pularizar as receitas de poções, é possível encontrar registros que comprovam que o uso de poções vem de muito antes. “Alguns po­dem acreditar que poções de voo só existiam na Idade Média, devi­do à maioria dos registros e recei­tas ser datado daquele período. Mas se observarmos a mitologia, literatura antiga, e contos folcló­ricos, encontraremos uma rica fonte de sabedoria que remete ao período pré-Cristão”. Poemas épicos da Grécia e de Roma já tra­ziam algumas citações. “Poma­das de voo são mencionadas, por exemplo, no poema As Argonáu­ticas, de Apolônio de Rodes (200 a.C), em Metamorfoses, de Apu­leio (160 d.C.) e na possível refe­rência mais antiga, A Ilíada de Homero (800 a.C)”.

A autora faz uma viagem ain­da mais extensa no tempo para que possamos observar o quan­to o uso de plantas em rituais é inerente às primeiras sociedades. “Restos de meimendro, beladona e maconha encontrados na Escó­cia e no norte da Europa são data­dos do período neolítico, ou seja, no mínimo 10 mil anos atrás”. Independentemente da forma como essas plantas eram consu­midas, sabe-se que elas já eram cultivadas naquele período. “A maioria dessas plantas foi encon­trada em forma de semente, ou remanescentes de bebidas alcoó­licas ritualísticas. Não se sabe se eles tinham acesso à gordura ani­mal e usavam em forma de po­mada, mas existe material arque­ológico suficiente para mostrar que os povos neolíticos tinham fácil acesso à gordura animal”.


Leia também

Siga o Diário da Manhã no Google Notícias e fique sempre por dentro

edição
do dia

Impresso do dia

últimas
notícias