Quem Mente?
Diário da Manhã
Publicado em 4 de janeiro de 2018 às 23:42 | Atualizado há 4 meses
Política e corrupção, sem dúvidas, foram o maior mote das discussões de 2017. E, neste novo ano, que irá acomodar eleições presidenciais, estas questões, certamente, estarão ainda mais acaloradas. Como a política define tudo e não poderia andar longe da arte, foi isso que inspirou completamente um grupo de alunos de Arte Dramática, do Instituto Técnológico de Goiás (Itego) em Artes Basileu França.
Ao fazer um exercício criativo inspirado na clássica tragédia grega de Sófocles “Édipo Rei”, o meio político vigorou na adaptação dos alunos. E o trabalho escolar agradou tanto que, apesar de ter sido apresentado em junho do ano passado no centro de formação em artes, tem passado por diversos espaços culturais da cidade, e hoje será apresentado mais uma vez no Ponto de Cultura Cidade Livre, às 19h30.
Na versão, que foi construída em conjunto pelos alunos Alice Leitte, Hítalo Freitas, Roberta Machado e Sarah Andriã, é possível notar logo que o espetáculo teatral grego, escrito por Sófocles por volta de 427 a.C, não foi levado ao pé da letra. Pois, apesar de ter em sua essência semelhanças com “Édipo Rei”, e incensar dramas parecidos com os que foram abordados na tragédia, o espetáculo exala em seu texto a contemporaneidade do mundo político atual.
“Contamos a história de um aristocrata com discurso falido, uma mulher morta em vida em seu amor cego e uma filha quebrando tabus. Vidas que seguem metidas em suas mentiras diárias, ou verdades secretas. O oráculo vem pra questionar o futuro, presente e passado”, conta Roberta Machado, que foi responsável pela transcrição do texto, que recebeu a direção de Maria Caroline Logatti.
PARECE, MAS NÃO É
Na adaptação, alguns nomes foram mantidos. Mas o Édipo da versão goiana (que é vivido por Hítalo Freitas) não é o rei de Tebas, mas sim um político corrupto, que não é abordado apenas de forma estereotipada, pois buscou-se os motivos que o fazem “dançar conforme a música”. “Ele é um presidente que tem discurso muito comum na maioria dos políticos. Mas é uma pessoa como qualquer outra e, no texto, é abordando esta questão de ser político, e ao mesmo tempo em que manipula também é manipulado pelo sistema a entrar neste jogo”, argumenta Roberta.
Já Jocasta (Sarah Andriã), mulher de Édipo, é uma primeira dama submissa, que se deixa levar pela situação para se manter no poder. Ou seja. mantém as aparências, apesar de toda situação de machismo pela qual é exposta diariamente. Já Antígona (Alice Leitt) supõe-se na peça que é a filha transexual do casal, que, ao ser expulsa de casa, se viu sozinha, mas que consegue aos poucos se sobressair”, explica Roberta, que na peça assume papel do Oráculo.
“Já meu personagem questiona o público e personagens a respeito de quais mentiras estamos comprando pra assumir estes papéis, estar em determinadas posições. Vale lembrar que a peça não traz um Édipo Rei ao pé da letra e sim nossa visão. Deixamos subentendido a história do clássico, o casamento com a própria mãe, mas não mostramos explicitamente nada”, disse Roberta, que também assume a cenografia do espetáculo, juntamente com Hítalo Freitas
O “ÉdipoRei” original de Sófocles
Na história original de Sófocles, Édipo, filho de Laio e Jocasta, era o rei de Tebas, uma cidade assolada por uma peste. Ao consultar o oráculo de Delfos, Édipo descobre algo trágico sobre sua vida: ele foi amaldiçoado pelos deuses, pois – e sem saber, além de matar seu pai, casou-se com sua mãe, com quem tinha dois filhos e duas filhas. Após saber a verdade, sua mãe-mulher se enforcou e Édipo, envergonhado de seus atos, perfurou os próprios olhos. Cego, Édipo decide abandonar a cidade. Seguindo a sugestão de Creonte, porém permanece por mais algum tempo em Tebas. Testemunhando a luta de seus dois filhos pelo poder, amaldiçoa-os e torna-se novamente andarilho; sua filha Antígona guia-o. Ao aproximar-se dos bosques de Colono, pressente que logo morrerá. A terra que o acolhe se torna sagrada.
A história inspirou o termo criado pelo pai da psicanálise Freud, “Complexo de Édipo”, que designa o conjunto de desejos amorosos que um menino enquanto criança experimenta com relação a sua mãe. Além disso, é sempre uma inspiração da dramaturgia, seja em qual palco ou contexto for.