Brasil: país da contradição
Diário da Manhã
Publicado em 3 de janeiro de 2018 às 23:39 | Atualizado há 7 anosO Brasil nos dias atuais, por si só, constitui-se em uma imensa “contradição ambulante”. Enquanto assassinos e estupradores cruéis soltos, vivendo no meio social, escondidos atrás do looping infinito de recursos judiciais, os taxados de corruptos, sendo alvo de prisões, algumas ilegais, pelo fato de terem trilhado um caminho que era o único que se lhes apresentava.
Muitos políticos e empresários foram envolvidos; os que se safaram, alguns deles não foram por honestidade, mas sim pela falta de interesse por parte do próprio sistema: esta bem urdida trama, criada para desviar o dinheiro público. Este malfadado procedimento está alojado em todos os partidos, sempre aperfeiçoado a cada gestão que se sucede, tudo resumindo na necessidade de financiamento das caríssimas campanhas eleitorais, onde o candidato visando sua eleição, aceita toda oferta de ajuda possível, venha de onde vier, mesmo de propinas de empresários que veem nesta a única opção para progredirem e consequentemente gerar empregos.
Os políticos se locupletando com as chamadas sobras de campanha e os empresários tendo exclusividade nas licitações com cartas marcadas, normalmente com valores superfaturados, que além de se incorporarem aos lucros, sobram numerários para alimentar os políticos com propinas para continuarem com a referida exclusividade nos certames licitatórios. Assim, é uma roda viva que dificilmente será parada. O meu pessimismo, em relação ao assunto, é fruto de permanentes observações feitas ao longo de minha vida (olha que não sou novo). Sou perfeitamente de acordo com aquele antigo pensamento: “O pessimista é aquele otimista bem informado”.
Sempre são apresentadas justificativas embasadas em um fato histórico acontecido no Império Romano, nos remotos anos entre 09 a 79 da era cristã, onde o imperador Vespasiano fez instalar latrinas públicas na velha Roma, cobrando tributos para seu uso. Questionado pelo seu filho Tito, de que este dinheiro era sujo, ele retirou uma moeda e lhe pediu que a cheirasse, perguntando em seguida se a mesma tinha cheiro de urina. Daí surgindo o conhecido princípio do direito tributário: “pecunia non olet”- “Dinheiro não tem cheiro nem origem”.
Este nefasto sistema implantado no seio administrativo virou metástase de difícil extirpação, que só será conseguida pela evolução cultural do povo, através da marcha indelével, sistemática, parcimoniosa e preguiçosa do tempo. Enquadro o Brasil de hoje dentro da premissa: “Não existe caminho para a corrupção, a corrupção é o caminho”, parafraseando Gandhi, ao se referir à felicidade.
Outra grande contradição, foi a lei que implantou a audiência de custódia, que tem como regra geral o relaxamento de prisões, tendo como exceção a própria prisão. Tem inegáveis pontos positivos, apesar de gritantes distorções. Ela é muito odiada pela população, mas em contrapartida muito elogiada pelos advogados, que veem nela uma maneira rápida de resolverem acertos pecuniários com seus clientes.
A campeã nacional das contradições, que chega às raias da insanidade e inconsequência, é o recente caso Maluf (aquele enquadrado nos denominados políticos que roubam mas fazem). Enquanto mais jovem dotado de boa saúde, em plena capacidade de malefícios para sociedade, manteve-se livre, escondido na malcheirosa imunidade parlamentar e nos infindáveis e sucessivos recursos jurídicos. Agora, um idoso quase decrépito, acometido de várias doenças crônicas, teve absurdamente lhe negado o direito à prisão domiciliar, logo nesta fase da vida que não representa perigo algum para o meio social.
É o velho Maluf continuando a dar prejuízo aos contribuintes, agora com ajuda do judiciário, pois, foi transferido para o Estado brasileiro todo pesado ônus do acompanhamento adequado de suas agressivas enfermidades, com todo aparato logístico que o caso requer, tais como: médicos especialistas, enfermeiras, tratadores em regime de 24 horas, caríssimos remédios etc. Fala-se em milhões para construção de um ambulatório apropriado na Papuda.
Considerando o fato de que o sucesso no controle de suas moléstias está ligado ao seu estado emocional, corre-se grande risco de seu falecimento, com possibilidade do Estado ser acionado ao pagamento de pesada indenização aos familiares, não contando com a enorme comoção popular, principalmente no Estado de São Paulo, onde ainda detém enorme prestígio.
Felizmente, ainda existem setores do judiciário que são dotados daquilo que é necessário e essencial a qualquer atividade humana, o bom senso, podendo com isto reverter a atual decisão e se possível trocá-la por pena pecuniária, com devolução senão o todo, pelo menos parte do que foi desviado, com prévia rubrica de aplicar o numerário em setores sociais da capital paulista, sob forte fiscalização, senão podem aparecer pessoas, que imbuídos do conhecido provérbio: “Ladrão que rouba ladrão tem cem anos de perdão”, possam fazer mau uso do que foi apurado.
Caso seja mantida a prisão, e para não aumentar mais ainda as contradições, transformando-as em uma ironia sem precedentes, faço um apelo ao administrador da Papuda: que na construção do ambulatório não use placas de Madeirit fabricadas pelo próprio Maluf e procure não superfaturar a obra.
(Orivaldo Jorge de Araújo, engenheiro civil, ex-professor da UFG e bacharel em Direito)