Opinião

Uma irrefutável radiografia do golpe

Diário da Manhã

Publicado em 28 de dezembro de 2017 às 22:37 | Atualizado há 7 anos

No dia 3 de ou­tu­bro de 1930 Ge­tú­lio Var­gas deu iní­cio ao Di­á­rio que es­cre­veu du­ran­te do­ze anos e que sua ne­ta Ce­li­na Var­gas do Ama­ral Pei­xo­to re­u­niu em dois alen­ta­dos vo­lu­mes.

Na­que­le dia ti­nha iní­cio a cha­ma­da re­vo­lu­ção de 30 de que o en­tão go­ver­na­dor do Rio Gran­de do Sul fo­ra o che­fe.

Tó­pi­co da­que­le re­gis­tro:

“Co­me­çou o mo­vi­men­to. Um fo­go vi­vo de fu­zi­la­ria e me­tra­lha­do­ras, uns vin­te mi­nu­tos de lu­ta, e foi to­ma­do o quar­tel-ge­ne­ral, pre­sos o co­man­dan­te da Re­gi­ão e seu es­ta­do-mai­or. O as­sal­to foi fei­to por guar­das ci­vis e po­pu­la­res ca­pi­ta­ne­a­dos por Os­val­do Ara­nha, Flo­res da Cu­nha e Adal­ber­to Cor­rea. Foi um lan­ce épi­co. Se­guiu-se de­pois o cer­co, pe­las for­ças da bri­ga­da mi­li­tar do es­ta­do, Guar­da Ci­vil e ele­men­tos po­pu­la­res, aos nú­cle­os de re­sis­tên­cia. No mor­ro do Me­ni­no Deus es­ta­vam dois cor­pos, 8º e 9º. O pri­mei­ro, sob o co­man­do do te­nen­te-co­ro­nel Gal­di­no Es­te­ves, ade­riu, e o se­gun­do ofe­re­ceu fra­ca re­sis­tên­cia, sen­do pre­sos o co­man­dan­te e al­guns ofi­ci­ais. Ren­deu-se tam­bém a com­pa­nhia de Es­ta­be­le­ci­men­tos e a Car­ta Ge­ral.

Re­sis­tiu, até a ma­dru­ga­da, o 7º Ba­ta­lhão de ca­ça­do­res, co­man­da­do pe­lo co­ro­nel Acauã. Du­ran­te a tar­de e par­te da noi­te a ci­da­de so­freu o alar­me do fo­go cru­za­do en­tre os si­ti­an­tes e si­ti­a­dos, fu­zi­la­ria, me­tra­lha­do­ras e mor­tei­ros. Pou­co de­pois da meia-noi­te, veio um ofi­ci­al do 7º ao pa­lá­cio pro­por me um par­la­men­to. En­tre­guei ao co­ro­nel Gó­is Mon­tei­ro, que fi­cou di­ri­gin­do as ope­ra­ções co­mo meu che­fe de Es­ta­do-Mai­or. Es­te re­gu­lou as con­di­ções de en­tre­ga e o 7º se ren­deu.

Des­de que se ini­ciou a lu­ta até tar­de da noi­te, ti­ve em pa­lá­cio a as­sis­tên­cia con­tí­nua de ami­gos, de­pu­ta­dos, mi­li­ta­res etc. A Guar­da Ci­vil, co­man­da­da pe­lo ca­pi­tão Feio, foi das for­ças mais efi­ci­en­tes que se ba­te­ram na jor­na­da de 3 de ou­tu­bro. Às du­as da ma­dru­ga­da fui dei­tar-me.”

O mo­vi­men­to se vi­to­ri­ou no fi­nal de ou­tu­bro e Var­gas, as­su­miu a pre­si­dên­cia da Re­pú­bli­ca no pa­lá­cio do Ca­te­te.

Daí a dois anos acon­te­cia a cha­ma­da a Re­vo­lu­ção Cons­ti­tu­ci­o­na­lis­ta de 32 pla­ne­ja­da e eclo­di­da em São Pau­lo com o in­ten­to de der­ru­bar o go­ver­no. Após lu­tas en­car­ni­ça­das o mo­vi­men­to de 30 ven­ceu a lu­ta.

Após o pa­ís ser do­ta­do de Car­ta Mag­na apro­va­da pe­lo Con­gres­so cons­ti­tu­in­te e pos­ta em vi­gor em 1935, foi per­pe­tra­do o gol­pe de es­ta­do que im­plan­tou a di­ta­du­ra do Es­ta­do No­vo em 1937. Es­se fa­mi­ge­ra­do gol­pe te­ve a che­fia de mi­li­ta­res, prin­ci­pal­men­te dos ge­ne­ra­is Eu­ri­co Gas­par Du­tra e Gó­is Mon­tei­ro. A di­ta­du­ra re­sul­tan­te du­rou até 1945, quan­do a que­da de­fi­ni­ti­va do na­zis­mo e do fas­cis­mo na Ale­ma­nha e na Itá­lia abriu as por­tas da de­mo­cra­ti­za­ção nos gran­des paí­ses. No Bra­sil caiu Ge­tú­lio Var­gas em ou­tu­bro de 1945 e a 2 de de­zem­bro do mes­mo ano se re­a­li­zou elei­ção pre­si­den­ci­al da qual saiu vi­to­ri­o­so o ge­ne­ral Eu­ri­co Gas­par Du­tra, que go­ver­nou até 1951, ano em que Ge­tú­lio Var­gas vol­tou a go­ver­nar o pa­ís, de­mo­cra­ti­ca­men­te elei­to.

Var­gas so­freu ter­rí­vel com­ba­te dos seus opo­si­to­res, so­bre­tu­do pe­lo ca­rá­ter na­ci­o­na­lis­ta do seu go­ver­no e seu com­pro­mis­so com as clas­ses tra­ba­lha­do­ras. Pre­mi­do pe­la cam­pa­nha ul­tra ra­di­cal dos ini­mi­gos e aba­la­do pe­lo es­cân­da­lo em tor­no da sua guar­da pes­so­al che­fi­a­da por Gre­gó­rio For­tu­na­to, Ge­tú­lio se su­i­ci­dou em 24 de agos­to de 1954. Su­ce­deu-o o vi­ce Ca­fé Fi­lho, que veio a se ali­ar aos ad­ver­sá­rios de Var­gas e a par­ti­ci­par da ma­qui­na­ção gol­pis­ta que vi­sa­va im­pe­dir a pos­se do pre­si­den­te elei­to Jus­ce­li­no ku­bitschek de Oli­vei­ra. O mi­nis­tro da Guer­ra, o ge­ne­ral Hen­ri­que Duf­fles Tei­xei­ra Lo­te ope­rou em 11 de no­vem­bro de 1955 um con­tra-gol­pe que as­se­gu­rou a pos­se de JK.

Elei­to pre­si­den­te da re­pú­bli­ca em 1960 o Sr. Jâ­nio da Sil­va Qua­dros go­ver­nou por ape­nas 7 mes­es, por­quan­to re­nun­ciou em 25 de agos­to 1961 seu su­ces­sor le­gal era o vi­ce-pre­si­den­te Jo­ao Gou­lart, mas os mi­nis­tros mi­li­ta­res Odí­lio Denys (Guer­ra), Grun Moss (Ae­ro­náu­ti­ca) e Sil­vio Heck (Ma­ri­nha) se opu­se­ram a sua pos­se. Uma gra­ve cri­se po­lí­ti­co-mi­li­tar se ins­ta­lou. Hou­ve um acor­do pa­ra se acei­tar Jan­go no sis­te­ma par­la­men­ta­ris­ta, que foi acei­to. Mas a 6 de ja­nei­ro de 1963 um ve­re­di­to po­pu­lar res­ta­be­le­ceu o pre­si­den­ci­a­lis­mo. Jo­ão Gou­lart aca­bou sen­do der­ru­ba­do pe­lo gol­pe de 31 de mar­ço de 1964, vin­do o Bra­sil a ter go­ver­nos mi­li­ta­res por vin­te anos.

Em 2016, a fim de co­lo­car as clas­ses do­mi­nan­tes no po­der e im­pe­dir a vol­ta de Lu­la em 2018, foi per­pe­tra­do o gol­pe ci­vil que al­çou o vi­ce pre­si­den­te (elei­to, pois, na cha­pa de Dil­ma Rous­seff) Mi­chel Te­mer à pre­si­dên­cia da Re­pú­bli­ca.

Re­cen­te­men­te o bri­lhan­tís­si­mo so­ci­ó­lo­go e ju­ris­ta Jes­sé Sou­za pu­bli­cou o li­vro a Ra­di­o­gra­fia do Gol­pe, em que ana­li­sa a es­tra­té­gia ado­ta­da pe­los ci­vis gol­pis­tas do ano pas­sa­do e for­mu­la fun­da­men­ta­ção sim­ples­men­te ir­re­tor­quí­vel. Não foi à toa que o pú­bli­co pre­sen­te à en­tre­ga do prê­mio Ja­bu­ti em São Pau­lo aplau­diu de pé ca­lo­ro­sa­men­te a pes­soa de Jes­sé Sou­za quan­do ali re­ce­beu seu tro­féu de pre­mia­ção. No pró­xi­mo ar­ti­go co­men­ta­rei es­se gran­de li­vro.

 

(Eu­ri­co Bar­bo­sa, es­cri­tor, mem­bro da AGL e da As­so­ciação Na­ci­o­nal de Es­cri­to­res, ad­vo­ga­do, jor­na­lis­ta e es­cre­ve nes­te jor­nal as ter­ças & sex­tas-fei­ras. E-mail: eu­ri­co_bar­bo­sa@hot­mail.com)

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