Eu sempre disse que macaco não é gente!
Diário da Manhã
Publicado em 4 de dezembro de 2017 às 22:06 | Atualizado há 7 anosA manha, a astúcia e a inteligência não são privilégio do ser humano. É lendá¬ria a inteligência do macaco nas histórias que os índios nos deixaram, e a esperteza da raposa nas fábulas de Esopo e de La Fontaine.
Quanto ao macaco, embora muitos lhe creditem a inteligência à sua incrível aparência com o homem, sabemos que sua propalada esperteza não é sem fundamento: ele é dos bichos mais apreciados para se ter em casa pelo verdadeiro festival de palhaçadas que promove, para deleite dos adultos e crianças. No interior não era raro a gente ver um macaco atado pela cintura e preso a um jirau normalmente num dos cô¬modos perto do terreiro. Isto mesmo: atado pela cintura, pois se deixar um macaco à solta, ele perde sua finalidade de palhaço e passa à de vândalo – mexe em tudo, bisbi¬lhota as coisas, rouba e promove coisas inconcebíveis para um bicho sem miolos. Hoje, o Ibama veio frear esse costume tão em voga nos nossos tempos de menino.
Normalmente, o esperto símio é preso por uma espécie de correntinha, pois corda e cinto afivelado não são empecilho para sua liberdade: logo ele arruma um jeito de desatar o nó ou desafivelar o cinto. Diz minha mãe que seu pai, ioiô Bené, sempre tinha em casa um macaco para lhe fazer graças, subir-lhe nos ombros e caminhar-lhe pelo colo. Carmo Bernardes também criava um macaquinho na Macambira.
E o mais engraçado é que todo macaco domesticado tem o nome de “Chico”, assim como os papagaios são chamados de “Louro” ou “Cravo”, e as araras, de “Mulata”
Mas o macaco do mato, sem qualquer contato com a civilização, parece mais esperto que o domesticado, talvez porque sua esperteza está mais aguçada pelo instinto de sobrevivência: quando existe uma roça de milho já no ponto (isto é, embonecada ou com as espigas já granadas e começando a amadurecer), junta-se um bando enorme de macacos para atacá-la. Um outro bicho simplesmente invade a roça e ali mesmo come o que pode, deixando o rastro de destruição no milharal praticamente falido.
O macaco, não. Como que gente, o macaco não se limita a comer o milho: cada um come um pouco e carrega tantas espigas para comer mais tarde. E para garantir as mãos limpas e livres para uma possível fuga, elas amarram as espigas ao redor da cintura. E não ficam só nisso: sua inteligência o previne de que o homem pode surpreendê-lo a qualquer mo¬mento. E a exemplo do homem, ele também adota um procedimento que reputamos exclusivamente nosso: enquanto o bando desenfreado destrói o milharal, fica um vigia no alto de uma árvore para prevenir a chegada do homem. Quando este se aproxima, ele emite um grito, e o bando desaparece como que por encanto. Se, por acaso, o bando é surpreendido pela ação do homem sem que o vigia tenha prevenido, todos os macacos se reúnem, lá longe, no fundo da mata, e aplicam exemplar sova no distraído e negligente sentinela, além de deixá-lo sem a cota a que teria direito no rateio que costumam fazer. Isto é praxe, uma espécie de lei dos macacos.
É comum as macacas, a exemplo de outros animais, carregarem os filhos agarrados às costas. Quando há necessidade de parar para alguma coisa, o filhote fica ali ao lado, ao alcance da mãe. Um dos filhos de Camilo Canela, velho vaqueiro dos nossos rincões, campeava numa fazenda nos sertões de Conceição, quando viu uma macaca quebrando coco numas pedras. Ao lado, acomodara o maca¬quinho sentado numa pedra ao lado.
O rapazola desceu do cavalo, esgueirou-se por trás das moitas e lajedos para dar um susto na macaca. Quando ele surpreendeu a distraída mãe acocorada quebrando coco, ela se assustou e deu um salto para o local mais seguro que encontrou naquela emergência, deixando o macaquinho à mercê do filho de Camilo, que o carregou para casa para criá-lo.
A pobre macaca seguiu-o mais de légua até à fazenda “Engenho”, guinchando desesperada e inutilmente, na tentativa de reaver o filho, permanecendo vários dias rodeando a casa até desistir, diante da indiferença humana.
Aquele macaquinho virou macaco grande, e todas as vezes em que eu ia à fazenda ficava horas e horas vendo o esperto bicho fazendo coisa de gente, pitando cigarro e bebendo cachaça, sem se falar em outras presepadas e estripulias que “Chico” aprontava, para deleite nosso.
Liberato Póvoa liberatopo[email protected](Desembargador aposentado do TJ-TO, Membro-fundador da Academia Tocantinense de Letras e da Academia Dianopolina de Letras,Membro da Associação Goiana de Imprensa
– AGI – e da Associação Brasileira de Advogados Criminalistas – ABRACRIM – escritor, jurista, historiador e advogado)