O Estado do Rio de Janeiro é uma quadrilha só
Diário da Manhã
Publicado em 28 de novembro de 2017 às 23:06 | Atualizado há 7 anosDias atrás, comentei a corajosa declaração do ministro Torquato Jardim, que simplesmente levou a público uma verdade que já estava mais do que evidenciada na mídia, e que nenhuma autoridade tivera a coragem de reconhecer: o Rio de Janeiro é um cipoal de criminosos, em que, a partir de Eduardo Cunha, desandou a aparecer políticos intimamente comprometidos com o crime, gerando uma natural falta de interesse em combater com efetividade uma organização criminosa que lhes dá algum resultado econômico ou político no Estado.
O Rio de Janeiro vive há muitos anos refém de uma criminalidade que a coragem do ministro da Justiça ousou denunciar, não sem ser ameaçado de ser interpelado por autoridades comprometidas e sem interesse em pelo menos controlar as atividades criminosas que intimidam e disseminam o terror, tornando-os refém destes bandidos. E o “rabo” de cada um está amarrado ao de outro, o que inviabiliza ser apurado por eles próprios qualquer crime.
Pouco depois das declarações do ministro, como que “queimando a língua” dos protetores dos bandidos – e tão bandidos quanto eles – a Justiça mandou prender os deputados Jorge Picciani (presidente das Assembleia Legislativa – Alerj), Paulo Melo e Edson Albertassi, todos do PMDB, mas, seguindo o rastro da lambança feita pelo Supremo, ao “terceirizar” a Justiça no caso Aécio Neves, diversas Assembleias Legislativas decidiram tomar o lugar do Judiciário, mandando soltar meliantes e devolvendo-lhes os mandatos, numa explícita inovação jurídica, pois é evidente que só pode mandar soltar quem mandou prender.
A Procuradora Geral da República disse ao Supremo, e com inteira razão, que o Rio de Janeiro é dominado por ‘clima de terra sem lei’, corroborando o que o ministro da Justiça dissera, e antes que o STF se apressasse em corrigir o que fizera, o Tribunal Regional Federal (TRF-2) restabeleceu as prisões.
A afirmação de Raquel Dodge foi na ação em que ela pede ao STF a anulação da votação da Alerj que havia derrubado as prisões dos peemedebistas, e a decisão do TRF2 reverteu o entendimento dos deputados estaduais fluminenses, que haviam determinado a soltura de Picciani, Melo e Albertassi e o retorno deles aos mandatos. Depois da nova prisão decretada pelo tribunal, os três se entregaram à Polícia Federal e voltaram à cadeia pública José Frederico Marques, em Benfica, Zona Norte do Rio.
Para os cinco desembargadores da 1ª Seção Especializada do TRF2, a liberdade dos peemedebistas foi ilegal porque não passou pelo tribunal, que deveria ser notificado oficialmente e então emitir alvarás de soltura. Para ela, o cumprimento da ordem sem conhecimento da Justiça “não encontra respaldo ou paralelo em nosso ordenamento, aproximando-se, pura e simplesmente, de um ato de força ilegal”.
Está mais do que provado que os políticos, agentes públicos e empresários cariocas estão com os “rabos” emaranhados a tal ponto, que a cada prisão, delação ou mesmo condução coercitiva eleva a dose de tranquilizantes a ser tomada por quem ainda não foi lá depor.
Para mostrar que o ministro Torquato estava certíssimo, basta lembrar que estão como hóspedes das prisões no Rio nada menos que casais três ex-governadores, com suas respectivas primeiras-damas e cúmplices (Garotinho/Rosinha Mateus e Cabral/Adriana Ancelmo) e uma infinidade de políticos, secretários, conselheiros e empresários, alguns dos quais teimosamente liberados antes por famosas “gilmarzadas” após duas reiteradas decretações de preventivas, numa queda-de-braço de Gilmar Mendes com o juiz federal Marcelo Bretas, que as decretara.
Isto só vem reafirmar que Torquato Jardim estava corretíssimo, e tanto estava, que não foi mais ameaçado de dar explicações, mesmo num Brasil em que uma autoridade legítima pode ser compelida a dar explicações a bandidos.
(Liberato Póvoa, desembargador aposentado do TJ-TO, membro-fundador da Academia Tocantinense de LEtras e da Academia Dianopolina de Letras, membro da Associação Goiana de Imprensa – AGI – e da Associação Brasileira de Advogados Criminalistas – ABRACRIM –, escritor, jurista, historiador e advogado, liberatopo[email protected])