O inferno são os outros
Diário da Manhã
Publicado em 25 de novembro de 2017 às 01:19 | Atualizado há 7 anos
O inferno de Dante Alighieri é tumultuado de figuras demoníacas, torturas e depravação sexual. Tudo que era pela igreja condenado na época foi exagerado por Dante, a fim de demonstrar o que realmente seria o inferno de acordo com o pensamento daquela sociedade. Cada sociedade tem o inferno que merece, ou seja, no evoluir ou regredir da sociedade os heróis mudam e, consequentemente, os vilões também. Em 1944, muito à frente do ano de 1472, quando Dante escreveu a “Divina Comédia”, Jean Paul Sartre desenvolveu uma espécie de inferno, não tão pitoresco como o de Dante. Uma representação mais moderna, voltada para o interior, pelo homem e sua liberdade regrada, o inferno montado entre quatro paredes. Outro inferno, para outra sociedade.
Em 1944, Jean Paul Sartre (Paris, 21 de junho de 1905 – Paris, 15 de abril de 1980) escreveu a obra teatral “Entre Quatro Paredes”, trabalhando a filosofia existencialista através de sua premissa mais conhecida: “O homem está condenado à liberdade.” Na obra, Sartre dá voz a três personagens: Garcin, Inês e Estelle. Por meio dessas figuras, Sartre discute e reflete o pós-vida em que os personagens se encontram, ou melhor, no inferno sartreano, onde nada se assemelha ao inferno judaico-cristão, abordado por Dante Alighieri. Esses detalhes revelam o propósito do espetáculo: discutir e promover a reflexão sobre questões como o medo do julgamento alheio, angústia em relação ao olhar do outro e opiniões sobre esses fatos.
A atriz e diretora do espetáculo, Bruna Isac, que participa da peça “Entre Quatro Paredes”, conta que conheceu o texto em 2009 e se apaixonou pela ideologia de Sartre. “Mudei para o Rio de Janeiro, recentemente, e quando voltei para Goiânia pensei que o primeiro trabalho que eu queria realizar na direção de um espetáculo seria este texto”, conta Bruna. O texto traz uma versão contemporânea do que seria o inferno para a nossa sociedade. Diferente do que foi descrito por Dante, que viveu um tempo de efervescência de ideia religiosas, para o escritor Sartre, principalmente neste texto, o inferno são os outros. “Ele é essencialmente existencialista, já que vem do maior representante dessa vertente filosófica, o Sartre. Acredito que encaixa perfeitamente naquilo que vivemos hoje”, diz. A peça será apresentada no Espaço Sonhus Ritual, no Colégio Lyceu, durante os dias 25 e 26 de novembro, pontualmente às 20h30.
REFLEXÃO
A necessidade do homem e da mulher contemporânea de se mostrar feliz e perfeito ao outro, como acontece hoje nas redes sociais, são os motores para a montagem desta peça. O texto de Sartre que dá nome ao espetáculo demonstra esse sentimento da sociedade. Os personagens são construídos a partir de histórias de vidas impressionantes e invejáveis, sem defeitos ou medos, fato que impede, internaliza e enrijece por dentro o que acreditamos não ser bom o suficiente para ser mostrado ao outro.
Atualmente, percebe-se uma necessidade do homem e da mulher contemporânea de se mostrar sempre feliz e perfeito ao olhar do outro, principalmente nas redes sociais. São criados personagens de vidas impressionantes e invejáveis, sem defeitos, medos, angústias, erros, e isto impede, ou melhor, internaliza e endurece dentro de nós tudo que nós acreditamos não ser bom o suficiente para ser mostrado ao outro. Guardando dentro de nós todos estas características, antes de tudo julgadas por nós mesmos como defeitos, nós acumulamos tudo isso, internalizando e desenvolvendo doenças psicológicas, como a depressão, os sérios transtornos de ansiedade e diversas síndromes.
Desta forma, acreditamos ser extremamente importante discutir nossos anseios, nossas questões existenciais, nossas projeções sobre nós mesmos e sobre quem nos rodeia, e nossas expectativas extremadas sobre quem somos, quem queremos ser, e quem nós queremos que os outros pensem que somos. Sartre discute isso com seus conceitos de existência autêntica e inautêntica e com suas categorias de ser, o Para-si (o homem, a consciência) e o Para-Outro (o outro, a outra consciência). “Temos nosso livre arbítrio, somos essencialmente livres, condenados à liberdade. Mas todos os atos possuem suas consequências. Não são consequências ruins, mas elas existem. Então, reuni atores e profissionais de teatro que eu confiava e entramos nesse desafio. Nessa jornada”, conclui.
ENTRE QUATRO PAREDES
Data: 25 e 26 de novembro
Local: Teatro Sonhus
Horário: 20h30
Ingressos (no local): R$ 20,00 (inteira), R$ 10,00 (meia)
Ficha Técnica
ESPETÁCULO: ENTRE QUATRO PAREDES
Texto: Jean Paul Sartre
Direção: Bruna Isac
Assistência de direção: Marcus Pantaleão
Elenco: Fernando Alves, Lara Moura, Malu Nunes e Sarita Paiva.
Cenografia: Cadu Matutino
Iluminação: Marcus Pantaleão
Figurino: Bruno Amaral e Juliana Franco
Material Gráfico: Marcela Suedson
EXPOSIÇÃO “LUGAR NÃO LUGAR”
Período: de 25 de novembro de 2017 até 25 de fevereiro de 2018
Local: Museu de Arte Contemporânea de Caracas (Venezuela)
Entrada franca