Escritório do crime
Diário da Manhã
Publicado em 22 de novembro de 2017 às 02:43 | Atualizado há 4 meses
Tráfico de drogas, saídas para festas e corrupção eram constantes no presídio de Anápolis. Investigações revelaram uma “firma” que recolhe dinheiro em presídios para grupo que controla acessos
O Ministério Público comandou uma força-tarefa de 130 pessoas que, na manhã de ontem (21), desencadeou a segunda fase da Operação Regalia, que visa acabar com abusos e desvios de conduta na Unidade Prisional de Anápolis. Foram presos o diretor do presídio, Fábio de Oliveira Santos, além dos agentes penitenciários de carreira Ednaldo Monteiro da Silva e Antônio Dias Ataíde Neto.
Segundo o promotor de Justiça Thiago Galindo, que coordenou a operação, “havia um verdadeiro escritório seguro do crime, tráfico de drogas, até homicídio a gente conseguiu levantar de um preso que, em tese, teria suicidado. É uma gama de pequenos crimes que se prolongaram por muito tempo e ultrapassaram todos os limites”. Presos saiam para festas, traficavam drogas e até mantinham um motel na unidade prisional.
Após a primeira etapa da operação, as investigações comandadas pelo Ministério Público continuaram e revelaram uma intrincada rede de benefícios ilegais que os agentes permitiam para detentos que podiam pagar. Com relação ao motel os promotores que comandaram as investigações explicaram que foi montada uma complexa estrutura para abrigar presos e visitas em dias específicos em um local onde deveria funcionar um depósito de materiais. A Superintendência Executiva de Administração Penitenciária (Seap) já havia fechado esse motel em março desse ano, mas indícios de que o funcionamento foi mantido foram levados para o Ministério Público.
“Segundo o relatório da própria Seap, tinha até um livro com o telefone das mulheres que seriam chamadas. Era como um quarto de motel mesmo, com bombom, frutas”, explicou Thiago Galindo.
PRISÕES
Com a participação das polícias Civil e Militar, foram cumpridos 11 mandados de prisão, sendo cinco de prisão temporária contra o diretor, o supervisor, um agente e duas mulheres de presos, seis de prisão preventiva em relação aos envolvidos que já estavam presos, 7 conduções coercitivas contra um agente, ex-agentes e pessoas ligadas aos internos.
As investigações mostraram que presos que podiam pagar não eram escalados para o trabalho, mas tinham esses dias anotados como se tivessem cumprido o serviço para fazer a remissão das suas penas. Além disso, eles podiam sair para visitar parentes ou ir a festas.
Os agentes davam uma regalia tão especial quanto ilegal para presos que era a rotina quase diária de ir a caixas eletrônicos para retirar dinheiro. “A saída temporária só pode ser autorizada para visitar velório ou hospital, mas constatamos que era um método corriqueiro. Agentes até digitavam as senhas de presos”, frisou um dos promotores que atuaram no caso.
Para Ramiro Cartenedo, outro promotor que comandou as investigações, “havia uma contabilidade paralela com nome de todos os presos, o dinheiro entregue por detentos, tudo na mesma pasta” e o esquema foi fartamente documentado. “Não sabemos se o total é mensal, do ano. Sabemos que é superior a sete dígitos”, explicou.
Os agentes presos e outros envolvidos responderão por associação ao tráfico de drogas, associação criminosa, tráfico de drogas, corrupção ativa e passiva , ingresso de aparelhos celulares e homicídio.
“Agora vamos analisar toda documentação, oferecer denúncias do que está materializado, aprofundar as investigações e inquéritos estão sendo instauramos junto com a Polícia Civil”, concluiu Galindo.
O superintendente executivo da Seap, tenente-coronel Newton Nery de Castilho, explicou que o responsável pela regional de Anápolis assumirá a unidade provisoriamente. “Ele designará um novo dirigente e reformulará, se necessário, todo o quadro de servidores”, explicou.
FIRMA
Uma fonte ligada à Seap e que auxiliou nas investigações detalhou outras particularidades do sistema prisional que virão à tona em breve. Uma situação mais incisiva é a existência de um grupo que administra uma fonte de renda considerável oriunda da exploração ilegal de medidas nos presídios e que é centralizada em uma conta para manutenção de privilégios.
“Existe um grupo chamado ‘Firma’, que expande seus domínios sobre o sistema prisional e que pretende dominar tudo a partir da exploração das cantinas existentes nas unidades prisionais. É um grupo coeso e disciplinado que sabe onde quer chegar e quais meios precisa fazer uso para conseguir”, explicou essa fonte.
A exploração de cantinas é um ponto nevrálgico nos presídios. A Lei de Execução Penal estabelece que o estado precisa dar “assistência material” para detentos e reeducandos. Isso engloba vestuário, comida, creme dental, sabonete e coisas afins. O que o Estado não propicia eles podem comprar com seus recursos. É aí que entra a famigerada cantina. O Estado, omisso, nunca fez licitação para explorar o comércio nesse espaço público. Mas, permite que alguns privilegiados explorem esse comércio sem pagar imposto, permissão ou qualquer tipo de controle.
Na Casa de Prisão Provisória, com seus 2.500 presos, a cantina movimenta aproximadamente R$ 300 mil por mês, mesma quantia que circula no caixa da cantina do Presídio Odenir Guimarães. A “Firma” quer controlar as cantinas nos 132 presídios espalhados pelo Estado de Goiás afora. Se de cada um da “Firma” receber em média R$ 2.000,00 referente à permissão para explorar a cantina e nas maiores unidades essa comissão for mais polpuda, facilmente vão arrecadar R$ 500 mil por mês.
“Quem quer controlar as cantinas vai cair muito em breve. Tudo já está descoberto e sendo documentado para estourar”, finalizou a fonte.