Resistência é coisa de preto
Diário da Manhã
Publicado em 19 de novembro de 2017 às 04:22 | Atualizado há 4 meses
A data foi escolhida em homenagem a Zumbi dos Palmares,símbolo na luta contra a escravidão histórica e a atual marginalização do povo negro
Um feriado não muda a história, não muda o panorama de racismo, violência e marginalização. Mas datas simbólicas são importantes, para colocar em voga algumas pautas, para repensar a ideia disseminada de “democracia racial” que paira sobre os discursos, para organizar ações que procuram visibilidade. Em Goiânia, o Dia da Consciência Negra não é feriado, o motivo é que o calendário goiano está repleto de feriados das mais diversas ordens, mas obviamente nenhum ligado à religiosidade ou qualquer outro aspecto da cultura negra.
O Tribunal de Justiça de Goiás considerou que tornar esse dia feriado seria inconstitucional, mas a questão por trás de tal decisão está calcada em possíveis “prejuízos ao comércio”. O Tribunal de Justiça do Estado tornou nula a legislação que aprovava a data como feriado com o argumento de que há uma lei federal que regulamenta que cada município tem autonomia para escolher quatro feriados municipais, dois cívicos e dois religiosos. Goiânia já tem estes quatro feriados, um quinto foi considerado inconstitucional.
O fato do dia 20 não ser feriado não impede que aconteçam eventos em celebração à data, que reforçam a luta do movimento negro em busca de dignidade e respeito para pretas e pretos. “Pessoal, dia 20 de novembro, Dia da Consciência Negra, está chegando, próxima segunda-feira e não poderíamos deixar esta data passar em branco, por isso vem uma super programação pra esse dia super importante” anuncia o Centro Acadêmico Florestan Fernandes da Faculdade de Ciências Sociais (FCS) da UFG.
O evento na FCS terá uma mesa redonda com o tema “A Importância do 20 de Novembro (Lei 12.519) – a situação do negro no Brasil hoje” com a participação do Professor Pedro Barbosa, do Profssor Cleito Pereira e da Graduanda Larissa Neves; Exibição do documentário ”Duas Vezes Senzala” (25 min) e do filme ”Branco Sai, Preto Fica” (1h 33 min) e no encerramento uma oficina de Turbantes com Marta Quintiliano.
Duas Vezes Senzala
O filme retrata a vida de pessoas LGBT’s negras, suas vivências e suas experiências ao se assumirem. O documentário se passa entre entrevistas que explanam a vida dessas pessoas crescendo em uma sociedade LGBTfóbica e racista. O objetivo do filme não é só abordar a discriminação que essas pessoas sofrem dentro da nossa sociedade, mas também dentro da própria comunidade LGBT que, infelizmente, ainda reverbera comportamentos racistas e preconceituosos. Esse documentário tem como busca uma discussão aberta e construtiva sobre raça, identidade de gênero e orientação sexual, explorando meios e formas de quebrar comportamentos LGBTfóbicos e racistas que ainda permeiam nossa realidade social.
Branco sai, preto fica
O longa do diretor Adirley Queirós parte de um episódio real ocorrido em um baile de black music em Brasília em 1986 para falar de um dos abusos policiais ocorridos em um evento de cultura negra: a polícia invadiu o baile com tiros, rendeu pessoas e deixou, entre feridos, dois homens marcados, um com uma perna amputada e outro paralisado da cintura abaixo. Ninguém foi responsabilizado. No filme, vem do futuro um detetive para investigar o que acontecera e determinar o culpado.
SANGUE NEGRO
De cada 100 pessoas assassinadas no Brasil 71 são negras, de acordo com dados do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), esse é um dado impactante sobre o extremo da violência contra o povo negro. Mas as violências são muitas, desde o racismo institucional até as incontáveis injúrias raciais cotidianas.
As mulheres sofrem também violência cotidianamente, mas entre mulheres pretas a situação se agrava. A mortalidade por homicídio de mulheres não negras (brancas, indígenas e amarelas) caiu 7,4% no período de 2005 a 2015, passando para 3,1 mortes para cada 100 mil mulheres, a mortalidade de mulheres negras teve um aumento de 22%, chegando à taxa de 5,2 mortes para cada 100 mil.
Segundo dados recentemente divulgados pelo Unicef, de cada mil adolescentes brasileiros, quatro vão ser assassinados antes de completar 19 anos. Se nada for feito, serão 43 mil brasileiros entre os 12 e os 18 anos mortos de 2015 a 2021, três vezes mais negros do que brancos. Entre os jovens, de 15 a 29, nos próximos 23 minutos, uma vida negra será perdida e um futuro cancelado, segundo o Mapa da Violência.