Resultado da ingerência do Executivo no Judiciário
Redação DM
Publicado em 13 de julho de 2017 às 00:38 | Atualizado há 8 anosRecordando-me a sessão do TSE que convalidou a chapa Dilma Temer no último mês de maio, quando os ministros Gilmar Mendes, Napoleão Nunes Maia Filho, Tarcísio Vieira e Admar Gonzaga deixaram de cassar a chapa Dilma/Temer, remete-me ao nosso Tribunal Regional Eleitoral. As Cortes Regionais possuem dois membros da OAB, dois desembargadores, dois juízes de Direito e um juiz federal, enquanto o TSE possui três ministros do STF, dois do STJ e dois advogados juristas, indicados pela OAB.
Dos quatro membros do TSE que livraram da cassação a chapa, apenas o ministro Napoleão era juiz de carreira. Excluindo-se o autor do voto de minerva, Gilmar Mendes, que se fez juiz saindo direto da OAB para o Supremo, os dois outros foram sacados da advocacia para de repente se sentarem diretamente na Corte Superior Eleitoral poucos dias antes para julgar exatamente quem os nomeara; juízes que nunca haviam redigido um despacho, quanto mais sentença. E a inconsistência dos votos levou-me a lembrar-me do Tribunal Regional Eleitoral (TRE) do Tocantins.
A participação do Executivo no processo de escolha e nomeação de juiz da cota da OAB para o Tribunal Regional Eleitoral normalmente só aparece no ato de nomeação. Mas no Tocantins a batalha para “emplacar” um aliado na Corte Eleitoral iniciava-se desde a escolha da lista sêxtupla pela OAB, para que, quando o TJ reduzisse para uma lista tríplice, não correria o Governo risco de ter votos contrários. Como os juízes e desembargadores, à exceção do juiz federal, vinham já apontados pelo dedo do Executivo, ficava o Palácio Araguaia na cômoda situação de ver suas questões eleitorais ali aprovadas, no mais das vezes com a solitária divergência do voto do juiz federal.
E o Executivo interferia mesmo, e um exemplo foi a do juiz Marcelo Cordeiro, que era na época nada mais, nada menos, que o noivo (namorado ou companheiro) da senadora Kátia Abreu; portanto, co¬locado “a dedo” naquela função, apesar de seu inegável preparo jurídico, demonstrado nos seus artigos publicados na imprensa palmense, sendo talvez o único que foi imposto, mas com méritos intelectuais. Mas Marcelo Cordeiro, como profissional sério, com pouco tempo de magistratura eleitoral, vendo que sua indicação não buscava apenas compor a Corte para dizer “amém” a quem o indicara, decidiu, em nome da ética e da isenção, afastar-se do TRE naquele pleito de 2010, justamente quando sua namorada, Kátia Abreu, buscava eleger o filho, Irajá Abreu, deputado federal.
Isto custou a Marcelo uma perseguição sem tréguas por parte da parlamentar, e causou-lhe prejuízo na carreira. É só observar o que se deu:
Aposentando-se o desembargador Antônio Félix, em junho de 2012, previa-se acirrada luta para o preenchimento da vaga no TJ-TO, que seria do quinto da OAB. Seria a primeira vez que a OAB-TO formaria a lista, pois quando da primeira composição do Tribunal, a lista, formada por Antônio Félix Gonçalves, Coriolano Santos Marinho e Ernesto Cardoso Leite Neto, fora feita pela OAB de Goiás, pois o Tocantins ainda não dispunha de OAB quando da implantação do Tribunal. E da segunda vez, em 2002, nem chegou a ser encaminhada a lista, porque o presidente do TJ, Des. Luiz Gadotti, simplesmente decidiu que a vaga seria do Ministério Público, afrontando o princípio constitucional da alternância.
Mas, voltemos ao substituto de Antônio Félix: a OAB indicou, no dia 4/12/2012, a lista sêxtupla, formada pelos advogados Henrique Pereira dos Santos, Josué Pereira de Amorim, Marcelo César Cordeiro, Paulo Roberto da Silva, Ronaldo Eurípedes de Souza e Walter Ohofugi Júnior. No dia 6, o Tribunal formou a lista tríplice, integrada pelos advogados Marcelo César Cordeiro, Josué Pereira de Amorim e Ronaldo Eurípedes de Souza. O TJ-TO, descumprindo a orientação do CNJ de realizar a escolha em voto aberto, adotou o voto secreto, que gerou reclamação de outros concorrentes, que, com receio de represálias do Executivo e do próprio desembargador escolhido, decidiram não questionar a escolha.
Marcelo Cordeiro era, sem dúvida, o virtual desembargador, o nome forte, já que fora escolhido dois anos antes para o TRE e demonstrara muita capacidade, e, embora sua capacidade dispensasse padrinho, tinha havido, talvez sem sua anuência, o dedo de sua então namorada/noiva/companheira senadora Kátia Abreu, tanto que, dois anos depois, fora o mais votado da tríplice para desembargador.
Mas aí surgiu um fato novo: Marcelo Cordeiro trocara a senadora por outra companheira mais nova, com quem se casaria depois (aliás, não seria difícil achar companheira melhor, para se livrar de uma cinquentona prepotente, já com seus predicados de beleza defasados). Isto feriu os brios da parlamentar, que se vira preterida nas afeições do advogado, e dizem que ela passou a “detoná-lo”, e deu o troco: apesar de ele ter sido o mais votado e sendo ela na época aliada do governador Siqueira Campos, Marcelo Cordeiro não foi escolhido, e Ronaldo Eurípedes, que era considerado “azarão”, foi o nomeado, certamente por ingerência da senadora, tendo contado também com a providencial ajuda do conselheiro do TCE José Wagner Praxedes, notório aliado do Governador (que sempre apadrinhou Siqueira no TCE, onde sempre foi uma eminência parda) e velho amigo de Ronaldo.
De todos os advogados que passa¬ram pela Corte Regional Eleitoral até 2010, nestes quase trinta anos, apenas o jurista Helio Miranda era especializado em Direito Eleitoral, com in¬tenso trabalho na seara do Direito Público e obras publicadas sobre o assunto. Dos demais que ocuparam a classe dos juristas, salvo as honrosas exceções de Ernesto Cardoso Leite Neto, José Roberto Amêndola, Marcelo Cordeiro e João Francisco Ferreira, que eram compe¬tentes advoga¬dos, não me recordo de um só que tenha pontificado na advocacia eleitoral. Ou¬tros sequer militavam na advocacia “arroz-com-feijão”. Eram simples marionetes com cordões manobrados pelo Palácio Araguaia,
E isto levava, muitas vezes, alguns a terem a “ajuda” do Executivo para elaborar suas de¬cisões, quando o assunto interessava, vindo de lá os votos prontos apenas para transcrever para o impresso do TRE e assinar.
Para se ver o nível dos integrantes da OAB na Corte Eleitoral, certa época, um juiz da classe dos advogados, cujo nome não declino, para não constranger, suspendeu, por liminar, a pedido do Executivo, uma decisão de mérito do Tribunal Superior Eleitoral, ao fundamento de que os prejudicados ainda poderiam recorrer ao STF.
O caso entrou no folclore jurídico. E cada dia mais a gente se assombra com as presepadas que ocorriam no Tocantins.
(Liberato Póvoa, desembargador aposentado do TJ-TO, membro-fundador da Academia Tocantinense de Letras e da Academia Dianopolina de Letras, membro da Associação Goiana de Imprensa (AGI), escritor, jurista, historiador e advogado, liberatopo[email protected])