Lado B de Goiânia
Redação DM
Publicado em 10 de julho de 2017 às 18:12 | Atualizado há 8 anos
O final da década de 1980 e início da década seguinte elevou a música sertaneja de Goiás a níveis estratosféricos, revelando ao Brasil duplas que até hoje figuram nas listas de artistas mais vendidos da história da indústria fonográfica brasileira (Leandro e Leonardo, Zezé e Luciano, Chrystian e Ralf, Bruno e Marrone). Nessa época, a cidade de Goiânia passou a ser um polo de produção do gênero, direcionando o interesse das gravadoras do país inteiro. Paralelo a isso, os músicos do rock goiano encontravam nas fitas cassete uma veia de circulação daquilo que produziam, numa época em que poucos grupos tiveram a oportunidade de lançar um álbum em vinil ou CD. Esse período foi bastante produtivo principalmente para grupos de rock alternativo, pós-punk, hardcore ou influenciados pelos mais diversas variações do metal. É o que comprova o blog Demo-tapes Brasil, criado pelo catarinense Edson Luís Souza.
No acervo do site, que é mantido por doações de colecionadores de todo o Brasil, estão disponíveis arquivos e informações sobre 14 fitas produzidas por bandas de Goiânia. O blog também cuida da memória visual da cena, com scans dos encartes e letras disponibilizados pelos grupos na clássica embalagem das fitas, bastante populares até o início dos anos 2000, quando a transição para o CD ganhou força. O site também viabiliza o contato do público com letristas que narraram a percepção dos jovens da cidade, recriando o cenário goianiense sob uma perspectiva diferente, urbano, de quem produzia rock pesado, com letras explícitas, tatuagens, e roupas consideradas estranhas em meio aos vários olhares tortos carregados de resquícios de coronelismo.
O autor do blog, Edson Luís Souza, é de Jaraguá do Sul, Santa Catarina, e coleciona fitas cassete desde 1987. Ele é uma figura notória do rock que era produzido na região de Joinville, e já participou de algumas bandas (Camisa-de-Força e The Power of the Bira). A ideia de criar o blog e de receber doações de todo o Brasil surgiu com a percepção de Edson Luís que a memória musical de toda uma geração poderia cair no esquecimento. “Em 2010 comecei a me preocupar com a memória do Rock em minha cidade, Joinville e região (Jaraguá do Sul, Guaramirim, etc). As novas gerações não conheciam (ou não tiveram oportunidade de conhecer) as bandas do passado. Comecei a resgatar no baú algumas fitas de bandas legais da cidade e converter em mp3”, conta.
Versos
“O ódio sai das casas com a lágrima no olho procurando um jeito melhor de se aguentar”, dizem as primeiras linhas da faixa ‘Firsts Flights’, que abre a fita de mesmo nome lançada pela banda Casa Bizantina em 1994. “Primeiros vôos. E todos sabem que reencontrar o caminho de casa é como agarrar a bola de boliche com os dentes”, escreveu Fabiano Olinto, guitarrista, vocalista e letrista do grupo. As canções são todas cantadas em inglês, e contém tradução nos encartes. Mais tarde, a mesma letra foi revisitada em português e com novo título (Autores, Atores e Belos Dramas), Essa banda ainda segue produzindo música e lançou vários outros trabalhos nos anos seguintes: Enclosures (1996), DDD (1999), Autores, Atores e Belos Dramas (2001) e Estado Natural (2006).
Em pouco mais de 15 minutos, distribuídos em 5 músicas, a banda Arte Acidental sintetizou sua primeira fita, Trem Doido, lançada em 1996. A banda tinha na formação os músicos Luiz Sérgio, Ricardo Cruz, Rafael Basílio, Roberto Chalub e Vitor Takai. O trabalho carrega um pouco daquilo que era produzido fora do estado por bandas como Chico Science e Nação Zumbi, e também traz uma boa carga de punk. As letras, creditadas a toda a banda, ainda soam atuais e retratam a rotina goianiense e seus problemas sociais. “Meu humor não é negro, é livre como o arco-íris, ignora o preconceito, a verdade todos querem, a tristeza muitos sentem, a carne morre primeiro, os anos passam correndo, e você aí parado, o mundo agora respira, as mulheres se libertaram”, narra ‘Palestina Brasileira’, faixa 3 da fita.
Entre os estúdios utilizados pelas bandas destaca-se o Up Music, que ainda está em atividade. Outro estudo citado é o Estúdio OM, onde foi gravada a fita Rock The Boat (2000), da banda Motherfish. Também era comum que as bandas goianas gravassem as fitas em Brasília. No acervo do site, também existe uma pérola da Monstro Discos, um dos selos de música alternativa mais importantes do Estado. A fita It’s Better For You (2000) da banda Hang The Superstars, número 007 no catálogo da gravadora, e remete ao início de uma longa história. Além dos grupos já citados, podemos encontrar músicas das bandas Mechanics, Nem, Rat Salad, Comedores de Mãe, Decibéis Debiloid’s e Cash for Caos.