Opinião

Mad Max e a estrada do feminismo

Redação DM

Publicado em 17 de junho de 2017 às 03:11 | Atualizado há 6 meses

Perseguições, explosões, fugas e mais explosões. Estes são elementos essenciais dos filmes de Mad Max. Faltar isto é descaracterizar uma franquia que colocou o cinema pós-apocalíptico no mapa e trouxe uma nova visão da distopia de um mundo destruído, onde os seres humanos vivenciam uma luta diária pela sobrevivência e a obtenção de recursos limitados como gasolina (nos filmes antigos) e água (no longa atual).

Trinta anos depois do lançamento de Mad Max 3: Além da Cúpula do Trovão (1985), e inúmeras tentativas frustradas de lançar um quarto longa-metragem no inicio dos anos 2000, mas impedido pela tragédia do 11 de setembro que resultou no aumento do dólar e o encarecimento da produção, o diretor George Miller resgata o projeto juntamente com a Warner Bros. e traz para a nova geração Max Mad: Estrada da Fúria, estrelando Tom Hardy no papel antes defendido por Mel Gibson na trilogia original, e introduz Imperatriz Furiosa (Charlize Theron), uma nova personagem já importante e essencial ao contexto social em que vivemos.

Furiosa, interpretada por Charlize Theron, possuí esta carga de importância, até superior do que a do próprio protagonista que dá nome ao filme, pois dentro da história de Estrada da Fúria diversos temas são trabalhados durante a frenética ação de quase duas horas, e é ela a engrenagem central usada como símbolo do processo de mudança e transformação daquele mundo. Muitos disseram ser feminista o novo Mad Max, como se isto fosse uma característica ruim do filme. Pelo contrário, durante anos Hollywood flerta com o assunto, e dentro de uma indústria comandada, na grande maioria, por homens brancos e conservadores, alguns filmes de ação, como Ultravioleta, Aeon Flux e Tomb Raider, por assim dizer, já tentaram quebrar uma cultura predominantemente machista ao trazerem mulheres destemidas e com personalidade forte ao patamar de protagonistas, mas ainda assim, sensualizadas e colocadas juntamente com um interesse amoroso na história. Já George Miller foge desta ideologia e cria, sim, uma personagem forte, sem medo e corajosa cujo propósito recebe, inesperadamente, a ajuda de um homem (no caso Max), mas em nenhum momento o roteiro a coloca em posição de dependência, ou sensualidade ou interesse romântico de Max. Aliás, dentro desta história toda, é Max o expectador de todo o show.

Logo nos instantes iniciais do filme, Max perde o seu carro, seu cabelo, é levado cativo e com o decorrer da história vai perdendo o status de protagonista. Todos os elementos que representam e enaltecem a virilidade dos homens no cinema, e que Miller faz questão de descartar logo de cara. Em seguida, conhecemos Furiosa e acompanhamos sua traição ao vilão Imortan Joe, líder absoluto do lugar onde vive e considerado “deus” pelos súditos, e cujo dom da oratória forma soldados (chamados de War Boys) dispostos a sacrificar a própria vida, se necessário, para salvar Joe, em troca do perdão eterno e de uma vida abundante no paraíso.

Antes de voltar a falar de Furiosa, aqui já notamos uma dura crítica à religião, ou mais especificamente, àqueles que a usam para beneficio próprio. Um dos motivos pelo qual Imortan Joe é considerado uma divindade pelos seus servos é justamente por possuir um recurso escasso naquele universo: água. Ao manter o controle sobre um bem de difícil acesso, Joe usa o discurso para formar seguidores que visam os benefícios, ainda que periódicos, de sua política. Nisto, o roteiro tece duas críticas em uma: a religião como ferramenta de preservação dos interesses pessoais e controle populacional, e a retenção de recursos nas mãos de um número mínimo de pessoas, que o utilizam para aumentar sobremaneira seu poder e influência em cima dos menos favorecidos.

Voltando à Furiosa, a personagem de Theron, inicialmente, aparenta ser aquela típica figura da mulher feminista como muitos imaginam: sozinha, masculinizada e assexuada. Felizmente, Furiosa aos poucos se revela muito mais do que isso, e Miller acerta ao enxergar tais características como ferramentas úteis, e necessárias, para sua sobrevivência dentro de uma sociedade comandada por homens. Homens estes que, liderados por Imortan Joe, escravizam as melhores mulheres para extração de leite materno, outro item de extremo valor naquele mundo, e as mais bonitas, obviamente, para reprodução.

Diante disto, Furiosa sequestra as escravas de Joe, chamadas de Noivas, e aproveita uma oportunidade para fugir e ao mesmo tempo levá-las para um lugar seguro, também comandado por mulheres, as Vuvalinis. Seu plano não é passível de erros, mas Furiosa escolhe agir do que continuar vivendo sob as ordens de um ditador. O desenrolar de suas ações coloca Max em seu caminho e Miller faz questão de desconstruir todo e qualquer clichê de seus personagens. Não há, em nenhum momento, interesse amoroso entre Max e Furiosa; as Noivas, gradualmente, deixam a imagem de mulheres indefesas e partem pra luta, literalmente, e por fim, o clã das Vuvalinis, formado por mulheres idosas e guerreiras, também entram na pancadaria para defender sua liberdade.

Em Mad Max: Estrada da Fúria não temos mulheres que almejam sua liberdade, apenas, mas sim, um grupo de mulheres unidas que, convencidas e ajudadas por Max, escolhem acabar com o império de Imortan Joe e construir um mundo justo e melhor para uma população à beira da morte. É a queda do patriarcado apresentado dentro de uma franquia que sempre foi sinônimo de masculinidade. E o filme não lida com o assunto radicalmente, mas expõe uma realidade que, mesmo se passando em um universo fictício, não deixa de ser verdadeira em nosso mundo real. Um acerto magistral de George Miller, que fez não apenas um dos melhores filmes de ação da década, como um dos mais interessantes para se discutir. Testemunhem!

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