A árvore da vida – XXIV
Redação DM
Publicado em 10 de junho de 2017 às 02:28 | Atualizado há 8 anos
Presente no capítulo CLXV da recensão Saite do Livro dos Mortos, encontra-se uma petição a Amen-Ra, onde os mais poderosos dos nomes mágicos do deus são recitados: “Salve, tu Bekhennu, Bekhennu! Salve, príncipe, príncipe! Salve, Amen. Salve, Amen! Salve Par, salve Iukasa!
Salve, deus, príncipe dos deuses das partes orientais dos céus, Amen-Nathekerethi-Amen. Salve tu cuja pele está oculta, cuja forma é secreta, tu, senhor dos dois cornos nascidos de Nut, teu nome é Na-ari-k, e Kasaika é teu nome. Teu nome é Arethi-kasatha-ka, e teu nome é Amennaiu- anka-entek-share ou Thekshare-Amen Rerethi! Salve, Amen e permite-me fazer a súplica a ti pois eu conheço teu nome… Oculto é teu discurso, ó Letasashaka, e eu fiz para ti uma pele. Teu nome é Ba-ire-qai, teu nome é Marqatha, teu nome é Rerei, teu nome é Nasa-qebu-bu, teu nome é Thanasa-Thanasa; teu nome é Sharshath akatha.”
Um outro excelente exemplo, quiçá um dos melhores no que diz respeito à aparente ininteligibilidade dos nomes, acha-se no Harris Magical Papyrus, do qual uma tradução inglesa pode ser encontrada nos Fac-símiles de Papiros Hieráticos do Museu Britânico.
“Adiro-Adisana! Adirogaha-Adisana. Samoui-Matemou-Adisana!
“Samou-Akemoui-Adisana! Samo-deka! Arina-Adisana! Samou-dekabana-adisana! Samou-tsakarouza- Adisana! Dou-Ouaro- Hasa! Kina! Hama! (Pausa) Senefta-Bathet-Satitaoui-Anrohakatha-Sati-taoui! Nauouibairo-Rou! Haari!”
No fragmento a que já nos referimos do ritual Greco-egípcio, editado por Charles Wycliffe Goodwin para a Cambridge Antiquarian Society em meados do século passado*, aparecem também nomes exemplares: “Eu te invoco, deus terrível e invisível que habitas o sítio vazio do Espírito:
Arogogorobrao, Sothou, Modorio, Phalarthao, Doo, Apé, O Não-nascido.”
Entretanto, tanto do ponto de vista da pesquisa quanto da filosofia concorda-se que o conhecimento da Cabala em todos os seus ramos constitui um suplemento importante e considerável à prática do mago. Como o mago se aplica em tornar sua vida compreensível e em interpretar todo incidente que lhe é inerente como uma transação de Deus com sua alma, de maneira que todas as coisas possam tender para sua iluminação espiritual, poderia parecer incongruente que ele contradissesse essa decisão incorporando palavras sem significado e sem sentido em suas invocações. Acima de tudo, a consistência e a coerência interna tipificam a mente do mago. Consequentemente negligenciar os princípios exegéticos da Cabala é deixar desprotegidos os canais através dos quais o caos e a incoerência poderão invadir o sanctum de cognição. Toda palavra bárbara deveria ser tão cuidadosamente estudada e compreendida em termos de grau de atenção e erudição quanto uma análise da Crítica da Razão Pura de Kant, permitindo-se a significação oculta penetrar abaixo do nível de consciência onde, durante a cerimônia, possa auxiliar na produção da excitação requerida. E a revelação do real espírito dos nomes bárbaros não pode dispensar um bom conhecimento funcional da Cabala.
Por exemplo, consideremos a palavra “Assalonoi” constante numa outra parte do fragmento greco-egípcio. A primeira letra sugerirá Harpócrates, o Senhor do Silêncio, que é o Bebê no Lótus e o Puro Louco do tarô, o inocente Percival que silenciosamente se põe em busca do
Cálice Sagrado. É apenas ele que, devido à sua loucura mundana mas também à sua sabedoria e inocência divinas, pode chegar incólume ao fim. O “s” será visto como se referindo à carta do tarô que representa o Santo Anjo Guardião que ostenta no peito um sigillum que tem gravadas as letras do Tetragrammaton. “Al” pode ser interpretado como sendo a palavra hebraica para deus, bem como “on” é um nome gnóstico. Pode-se supor que o sufixo “oi” indique o pronome possessivo meu, de sorte que considerada em sua totalidade, a palavra é, na realidade, um resumo de uma invocação completa do Santo Anjo Guardião.
Consideremos agora “Phalarthao”, palavra na mesma invocação. “Phal” é obviamente uma abreviação de falo, que de acordo com Jung é o símbolo das faculdades criativas de um ser humano. Ele o define, aliás, como “um ser que se move sem membros, que vê sem olhos e conhece o futuro; e como representante simbólico do poder criador universal, em todo lugar existente, a imortalidade está indicada nele. É um vidente, um artista e um operador de prodígios”. Submetendo-se as duas letras “ar” ao processo cabalístico denominado Temurah, teremos Ra, o deus-
Sol, que verte sua copiosa generosidade em luz, calor e sustento sobre todo o mundo da matéria, e que proporciona graça e iluminação espirituais à vida interior. O “th” é Tes, a serpente leônica que é a essência da vida física, conferindo substância à visão espiritual. “A” é o raio de Thor, as forças mágicas do Adepto postas em movimento e o “o” representa o bode montês e o aspecto fecundo criativo do ser do homem.
A palavra “Adisana” que aparece com muita frequência no elenco de nomes bárbaros fornecidos pelo Harris Magical Papyrus, traz à mente uma alusão teosófica. As Estâncias de Dzyan apresentadas em A Doutrina Secretamencionam a palavra sânscrita Adi-Sanat. Blavatsky explica que essa sugere equivalência com Brahma e a Sephira da Cabala, Kether, e significa o Criador uno. O mago pode assim supor que a palavra egípcia, na falta de conhecimento mais preciso e definido, é, portanto, uma referência à coroa, a mônada no homem e no cosmos.
Ainda outros métodos podem ser concebidos para tornar inteligíveis os nomes bárbaros para que nos ritos nenhuma falha possa desfigurar a integridade e consistência da consciência de alguém.
No que concerne ao uso prático – a exaltação da alma – um método esboçado por Therion pode ser de alguma utilidade. Supondo-se que a cerimônia culmine numa grande invocação, cujo ápice inclui muitas dessas palavras especiais, é possível empregar uma técnica específica, a qual, contudo, implica um pouco de treinamento da imaginação. Essa faculdade deve ser desenvolvida de modo que qualquer imagem de qualquer objeto possa ser formulada claramente diante do olho da mente com vívida distinção e completude; e não apenas isso, mas de maneira que a formulação possa ser sustentada por algum tempo. Durante a invocação, o teurgo deve imaginar que a primeira dessas palavras intoxicantes é como um pilar de fogo se estendendo como uma coluna vertical e reta na luz astral. À medida que as letras do nome deixam seus lábios e são impelidas para o éter, que ele imagine que sua própria consciência no corpo de luz segue essas letras em sua jornada pelo espaço sutil e é arremessado violentamente ao longo daquele eixo. A palavra bárbara seguinte deve ser concebida ocupando uma coluna talvez duas vezes mais longa ou mais alta que a precedente, de modo que quando a última palavra de invocação for atingida – ignorando no momento a ação e poder inerentes à própria invocação – a consciência será supremamente intoxicada e o ego será subjugado por um sentimento de espanto e fadiga. O eixo deve ser visto no fim para crescer em estatura diante do olho espiritual, ascender cada vez mais alto até que a imaginação seja quase fulminada pela grandeza e imensidão assomadas que gradualmente criou. Esse sentido de temor e maravilha mento produzido por esse viajar no eixo ígneo de cada palavra bárbara é o precursor certo da exaltação e êxtase mágicos. E com a prática o teurgo inventará outros métodos, mais adequados ao seu próprio temperamento e para o emprego satisfatório dessas palavras.
Para o avivamento do trabalho cerimonial a dança, a música e o toque de sinos constituem outros acompanhamentos complementares. Os toques de sinos e sons produzidos por percussão deverão estar em harmonia no que diz respeito à quantidade e ao tipo de operação. Seu uso visa a anunciar o domínio, registrar a nota do triunfo do mago e recuperar a atenção desviada. Quanto à música, trata-se de um assunto muito mais complicado porquanto sua apreciação varia largamente de indivíduo para indivíduo. É, de preferência, omitida em muitas invocações visto que tende mais ou menos a distrair a atenção do teurgo, embora como prelúdio possa ajudar no êxtase e exaltação. Exige a presença de um músico ou músicos e qualquer sinal de embaraço ou falha técnica deste ou destes atrai discordância e fracasso. O violino ou a harpa, produzindo as notas de maior transcendência e exaltação, podem, ocasionalmente talvez ser empregados.
O tuntum com seu selvagem e apaixonado tamborilamento pelos dedos é útil em outros tipos de trabalho nos quais se requer a excitação da energia, ou até mesmo a tranqüilização da mente. Trata-se simplesmente de forçar a mente a acompanhar o compasso rítmico do tuntum, que pode ser aumentado ou gradativamente reduzido até quando tiver desvanecido num silêncio abrandado, seguir-se-á a paz de uma mente tranquila. A música oriental consiste principalmente desse tipo monótono, encerrando assim um motivo religioso ou místico. Numa apresentação de balé à qual um amigo deste escritor foi convidado em Java, havia cerca de doze dançarinos que envergavam trajes e máscaras grotescos embora deslumbrantemente coloridos, típico do Oriente ostentatório. A orquestra era constituída por cinco músicos: três tocando um instrumento parecido a um enorme xilofone cobrindo apenas cinco notas, e dois percutindo tambores javaneses. Num teatro externo a dança, principalmente produzida com as mãos e os dedos, durou cinco horas sem um único interlúdio. Todo o tempo os aplicados membros da orquestra nativa fizeram soar seus ritmos monótonos até que pareceu aos europeus como se os sentidos e a mente sucumbissem ao ritmo tedioso, passando finalmente ao silêncio.
(George Oliveira, jornalista)