Invasão de casas, devassas, prisões e a decisão judicial em defesa da liberdade
Redação DM
Publicado em 9 de junho de 2017 às 01:38 | Atualizado há 5 meses
- Jornalista Heitor Vilela, Ian Caetano e João Marcos, de Senador Canedo, foram presos em 23 de maio de 2014, em suas casas
- A acusação, no inquérito –‘Kafkiano’ –, apontava para uma suposta ‘formação de quadrilha’ e até a incitação ao crime
- Enragé absolvido pela Justiça acredita que o Brasil vive, hoje, com Michel Temer, um ‘ Estado de Exceção de novo tipo’
23 de maio de 2014. Revoltas explodem nas cinco regiões do Brasil. O início dos protestos teria ocorrido em São Paulo, em 2013. O MPL – Movimento Pelo Passe Livre – sai às ruas contra o reajuste da tarifa de ônibus. Uma concertação entre o à época prefeito de São Paulo, Fernando Haddad [PT], intelectual marxista que havia habitado o Ministério da Educação, em tempos de Lulismo, e o governador do Estado, Geraldo Alckmin [PSDB], que teria supostas ligações perigosas com a ala mais conservadora da Igreja Católica, a fração Opus Dei, fundada em 2 de outubro do ano turbulento de 1928, por Josemaría Escrivá Balaguer, um padre espanhol , canonizado em 2002. Ian Caetano, hoje cientista social, Heitor Vilela, jornalista graduado na Universidade Federal de Goiás [UFG], João Marcos, de Senador Canedo, foram presos em suas casas.
– Tiago Madureira, então estudante de jornalismo, não foi encontrado no dia do cumprimento das prisões.
Os quatro haviam participado os atos que ocorriam em Goiânia, Goiás. Eles condenavam o aumento no valor das passagens do transporte público e defendiam a revisão da política tarifária, de infraestrutura e de logística do serviço. Por razões que só saberão explicar o Estado e as forças policiais que a ele devem obediência, fomos alvos de prisão preventiva, explica ao Diário da Manhã Ian Caetano. O inquérito era vago, obscuro permeado de léxicos encontrados em documentos similares aos da ditadura civil e militar [1964-1985], dispara. Não fomos “pegos em flagrante” cometendo qualquer delito ou infração, insiste ele. As nossas respectivas casas foram invadidas ao raiar do dia, quartos e pertences devassados e a notificação de que estávamos sendo presos preventivamente, denuncia, indignado.
– Sequer sabíamos da operação ou do inquérito à época.
O protesto estava embalado pelas manifestações de junho de 2013. A palavra-de-ordem era contra o aumento das tarifas de ônibus. Ian Caetano informa que o contexto de 23 de maio de 2014, é não só histórica e cronologicamente vinculado a 2013, ano posterior imediato, como também a pauta era a mesma. A referência é ao não aumento da tarifa, metralha. Uma vez que não havia acesso transparente à forma de cálculo desta e, por óbvio, porque não conseguíamos ver justificativa na elevação de um valor já considerado alto, na medida em que não encontra qualidade correspondente na prestação do serviço pelo qual se cobra, fuzila. As manifestações que se seguiram foram reprimidas com violência pela Polícia Militar do Estado de Goiás, braço armado do Governo de Goiás, atira o ‘enfant terrible’, hoje no Rio de Janeiro.
– Já é lugar comum, nem causa mais tanto espanto.
A violência e a repressão, ao invés do diálogo e da formulação conjunta de políticas públicas, são sistemáticas, como ao longo destes anos têm-se acentuado em número e grau, analisa. A Polícia Militar é o instrumento mais utilizado e de violência mais patente, primeiro porque é o destacamento principal utilizado para lidar com manifestações de rua, segundo pelo sadismo e pela truculência intrínsecos à essa instituição, observa. Na poeira do tempo, Ian Caetano recorda-se que a prisão é, em si, um local inadequado. O discurso da “boa vida” que leva um preso só pode vir da cabeça de quem lucra com a indústria do encarceramento, ou de quem nunca pôs os pés numa prisão, relata. Um local que a nada serve, senão à privação da liberdade, pontua. Não reabilita para a vida em sociedade e só reforça a reprodução de uma cultura do medo, que pode servir para criar um ser humano acuado e oco, desabafa ele.
– Torturas físicas e psicológicas como nos relatos hoje historiografados do período da ditadura civil e militar não sofremos, mas a tensão e o esforço para nos fragilizar e debilitar psicologicamente, de fazer-nos descrentes, desacreditados e plangentes, por parte das forças repressoras, eram evidentes.
Já houveram ocorrências de entrada da PM [GO] tanto em prédios das faculdades da UFG quanto nas casas estudantis, ataca. Não para assistir alguma aula, ou às numerosas e profícuas palestras que são ministradas nas mais múltiplas áreas, acusa. Ou quem sabe para propor que à UFG forneça curso sobre segurança pública civilizada e humanizada aos policiais, mas sempre com finalidade de repressão e de silenciar o dissenso, reclama. Isso, claro, nos casos em que se apresentam em destacamento ou fardados, observa. Ian Caetano frisa também que não são reduzidas as suspeitas de policiais, à paisana, que lá perambulam, pela universidade, em Goiânia, com única finalidade de espionar, extraoficialmente, atividade política que, eventualmente, este ou aquele aglomerado de estudantes esteja a articular, vocifera.
– A acusação, no inquérito –Kafkiano – apontava para “formação de quadrilha” e incitação ao crime.
Sentença judicial
Depois de longos três anos, que marcaram nossas vidas como cidadãos de segunda categoria, sem direitos políticos plenos, a Justiça, em Goiás, nos absolveu, conta, emocionado o ativista político e social de esquerda. Heitor Vilela, Ian Caetano e João Marcos foram submetidos a medidas cautelares do dia da soltura até a sentença do juiz. Integram a relação: não se ausentar de casa em finais de semana e feriados; não sair de casa após às 22 horas; periodicamente prestar contas da agenda semanal, como atividades de trabalho ou de formação e não participar de qualquer aglomeração pública com finalidade de promover atos políticos. A nossa tensão e aflição frente a qualquer opinião pública proferida verbal ou textualmente era constante, explica. O temor era o risco de um novo encarceramento, diz.
– As três prisões, o assassinato de Guilherme Irishi e o espancamento de Mateus Ferreira da Silva, em 28 de abril de 2017, na greve geral contra as reformas da Previdência Social e Trabalhista, estão relacionadas, sim.
Tipo novo
O Brasil vive, hoje, um Estado de Exceção? É possível dizer que não vive, por certo, um estado de normalidade, nem social, nem institucional, avalia um pensativo Ian Caetano. As instituições e a estrutura política têm-se mostrado incapazes de processar os conflitos nelas inseridos, registra, em tom de lamento. O último protesto em Brasília, em 24 de maio de 2017, quando o ocupante ilegítimo do executivo federal, Michel Temer [PMDB-SP], assinou decreto colocando o Exército contra a população, mostra que o governo federal está disposto a perder o “véu”, já desbotado, de democracia para fazer passar seus interesses, a despeito do caos e da aguda crise dos quais têm padecido os mais variados setores da sociedade, como universidades, hospitais, trabalhadores das mais variadas áreas, sublinha.
– Talvez estejamos num “estado de exceção” de novo tipo…
“Houve tensão e o esforço para nos fragilizar e debilitar psicologicamente”
Ian Caetano, absolvido em 2017