Mestrado e doutorado a distância: bom ou ruim?
Diário da Manhã
Publicado em 7 de dezembro de 2017 às 23:44 | Atualizado há 7 anos
Há tempos que cursos de Especialização (pós-graduação lato sensu) são oferecidos na modalidade “a distância” no Brasil. Agora, parece que chegou a vez dos cursos de Mestrado e Doutorado (pós-graduação stricto sensu). Foi publicado dia 28 de Novembro deste ano, no Diário Oficial da União, a homologação de um parecer do Conselho Nacional de Educação (Parecer CNE/CES nº 462/2017) que propõe um projeto de resolução tratando das formas de funcionamento de cursos de pós-graduação stricto sensu no país. Lê-se, no artigo 3º desse projeto, que as instituições credenciadas para a oferta de cursos a distância poderão oferecer mestrado e doutorado nessa modalidade. O projeto de resolução aborda também outra questão polêmica, que é a oferta de doutorado profissional (o mestrado profissional já existe no país). Com isso, o governo força ainda mais, via legislação federal, a aproximação da universidade brasileira com o sistema produtivo, seguindo uma perspectiva sistêmica da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Essa visão, que data de meados da década de 1990, considera as universidades como parte de uma base científica e de engenharia (Science and Engineering Base) que daria sustentação à produção de inovação nas empresas.
Esse é apenas um exemplo de como organismos internacionais induzem as políticas públicas dos países em uma economia globalizada. E isso acontece há décadas, mesmo que o cidadão comum não o saiba. Mas, no caso da pós-graduação brasileira, essa oferta de cursos stricto sensu a distância constitui algo bom ou ruim? Bom para quem? Seria bom para o governo, por exemplo? Se lembrarmos que a oferta da educação (seja básica ou superior) como mercadoria é uma orientação antiga do Banco Mundial para os países em desenvolvimento, em uma perspectiva neoliberal que desresponsabiliza o Estado pela garantia de direitos sociais como a educação, sim, é bom para o governo. Pois, se ofertados por universidades públicas, cursos de mestrado e doutorado a distância não demandam muitos espaços e recursos presenciais, sejam materiais (laboratórios, bibliotecas) ou humanos (professores, servidores administrativos). Também diminuiria a quantidade de bolsas para estudantes, diminuindo os gastos. O que, para um Estado neoliberal é vantagem, pois continua arrecadando muito e se desresponsabilizando de financiar direitos sociais. Por outro lado, para os “empreendedores educacionais”, a abertura de mais esse nicho mercadológico será ainda melhor. Possibilidades mil de expandir negócios, com pouca estrutura física e explorando o trabalho de professores/tutores nos ambientes virtuais, flexibilizando horários e funções de trabalho.
Bom… e para os futuros estudantes desses cursos? Essa oferta será algo a se comemorar ou a temer? Aqui teremos respostas variadas a depender das condições concretas de quem responde. Obviamente, uma primeira consequência desse processo será uma oferta maior de vagas o que, para algumas pessoas, será um ponto positivo. São profissionais que se graduaram há certo tempo, trabalham e não dispõem de condições para se dedicar integralmente aos estudos e, por isso mesmo, não conseguem concorrer com estudantes recém-graduados por vagas nas seleções de mestrado e doutorado na modalidade presencial. Ao contrário desses estudantes, essas pessoas estão longe dos bancos e laboratórios das universidades, não possuem currículos produtivos – no campo acadêmico isso significa publicações de livros, artigos, resumos em congressos etc. – e nem tempo para participar de grupos de pesquisa e de estudos, dos quais seus concorrentes já participam desde a graduação. Logo, para esses profissionais, a oferta de cursos de pós-graduação stricto sensu na modalidade a distância, representa uma esperança de obterem um diploma que valorizará, até certo ponto, seu perfil profissional. E, se for um servidor público, poderá, dentro de um plano de carreira, melhorar seu ganho salarial com esse diploma. Também poderão buscar espaço como professores na educação superior, principalmente em instituições privadas, onde alavancarão os ganhos dos donos das empresas educacionais (o mercado de diplomas inchado é mais uma vantagem para os empresários da educação).
Já para os estudantes que têm condições concretas de continuar seus estudos superiores em cursos presenciais, vivendo de bolsas de estudo (cada vez mais escassas) e ajuda da família, essa oferta, aparentemente, não traria nenhum efeito e não lhes diria respeito. Porém, esse pensamento é enganoso. Se considerarmos o posterior inchaço, a médio e longo prazo, de diplomas stricto sensu no mercado de trabalho, há com que se preocupar. Como já observou o sociólogo francês Pierre Bourdieu, a raridade do diploma fortalece o capital simbólico e econômico de quem os possui. Com essa oferta, a raridade tende a diminuir e os ganhos também. E isso vale para todos, principalmente para os que ainda não entraram no mercado de trabalho.
Como podemos perceber, as respostas para a questão apresentada no título deste artigo podem ser várias, dependendo de onde se encontra quem está respondendo. Para cada um, de acordo com sua biografia e interesses, o sentido que a pós-graduação representa pode ser diferente. Exatamente por isso, nossa pergunta deve ser mais específica: e para o Brasil? Isso será bom? Considerando a finalidade principal da pós-graduação stricto sensu, arrisco-me a dizer que a resposta é negativa. A produção de ciência de qualidade e de ponta pode gerar tecnologias e inovações que, juntamente com outros fatores, ajudam a fortalecer o país, contribuindo para o seu desenvolvimento e ajudando a resolver problemas sociais. O próprio projeto de resolução do CNE afirma que os cursos de mestrado e doutorado devem ser “orientados para desenvolver uma produção intelectual comprometida com o avança do conhecimento e suas interfaces com o bem econômico, a cultura, a inclusão social e o bem-estar da sociedade”. Claro que não acreditamos em uma visão salvacionista da ciência, pois, as questões sociais de uma nação são complexas e não dependem somente de se ter produção científica de ponta. Mas, isso já ajudaria bastante. Contudo, para que isso se concretize, é necessário financiamento e avaliação da qualidade do que se está produzindo. E aqui está o “X” da questão. O governo brasileiro tem dificuldades para acompanhar os cursos presenciais já existentes. Imaginem com o aumento de cursos on-line. Aumentar apenas quantitativamente os possíveis espaços de produção de ciência e tecnologia, sem garantias de qualidade, é jogar dinheiro fora e não vai contribuir para que o Brasil deixe sua condição de importador de tecnologias e inovações. Corre-se o risco de produzir gráficos lindos, mostrando o aumento quantitativo da produção científica no país, mas sem qualidade no plano concreto. Mas, será que não é exatamente isso que querem os países que estão à frente da disputa global de patentes e dos próprios organismos internacionais? Que continuemos na periferia, fingindo que somos grandes? Fica o alerta.
(Adriano de Melo Ferreira, professor da Universidade Estadual de Goiás e da Rede Pública Estadual de Educação Básica)