Gritos poéticos de Gabriel Nascente
Redação DM
Publicado em 23 de março de 2017 às 02:47 | Atualizado há 7 meses
Gabriel José Nascente é natural de Goiânia, estudou Eletrotécnica na Escola Técnica Federal de Goiás, mas sua paixão primeira sempre foi a poesia. Aos dezesseis anos já havia publicado seu primeiro livro de poesias, Os Gatos. Enquanto jornalista e poeta, escreveu e editou mais de sessenta livros entre narrativas, poesias, reportagens, crônicas e ficção. Nos anos da Ditadura Militar no Brasil, o poeta esteve em Montevidéu (Uruguai) e Buenos Aires (Argentina), clandestinamente.
Publicou o livro El llanto de la Tierra, em Concepción, no Chile, no final dos anos 1990. Sua obra fora traduzida para o castellano por Dilermano Rocha, poeta do Centro de Estudos Brasileiros em Buenos Aires. Sua vasta obra teve fragmentos traduzidos nos Estados Unidos e Grécia, além de ter conquistado inúmeros prêmios e reconhecimento internacionais. Atuou em veículos de comunicação goianos, como o Diário da Manhã e O Popular.
Gabriel Nascente é membro da Academia Goiana de Letras, ocupante da 40° cadeira, e na tarde de hoje, 23 de março de 2017, serão celebrados seus cinquenta anos de carreira poética. O evento será realizado na Assembléia Legislativa de Goiás (Alego), a convite da Academia Goiana de Letras e Contato Comunicação, no saguão de entrada do Palácio Alfredo Nasser. Na ocasião será lançado o primeiro volume de “Poemas de Garganta”, um CD de poesias faladas, de autoria de Gabriel Nascente.
O poeta convida os demais poetas goianos a comparecerem à solenidade, trazendo seus “recados”, uma contribuição para uma tarde que pretende relembrar as poesias tribunícias, conhecidas como poesia de engajamento social para resistir e combater a Ditadura Militar no Brasil, por volta dos anos 1970. “Esse evento é para resgatar a poesia ‘tribunícia’ dos anos 70, quando era chamada poesia do engajamento social para resistir e combater a ditadura. Estamos conclamando cada poeta a trazer o seu recado. Será uma grande confraternização da classe, uma reunião do ‘poetariado’”, frisou Gabriel.
Nesta tarde de autógrafos, o poeta goiano ressaltou que sairá de um regime de quase vinte anos sem participar de um evento deste porte. E ainda salientou a importância desse contato do leitor com o poeta, apesar da ciência da ampla difusão de sua poesia, que tem “caminhado sozinha”.
Entrevista com o poeta e membro da Academia Goiana de Letras, Gabriel Nascente
DM Revista: Tempos atrás o mundo chegou a propagar a idéia de que o “papel” seria extinto, que toda leitura se daria de modo virtual, os jornais impressos não circulariam mais. Ainda estamos por aqui. Com este primeiro volume de Poemas de Garganta, o senhor traz para o leitor uma perspectiva diferente da poesia habitual. O que o senhor imagina a respeito do futuro da literatura?
Gabriel: Na verdade, o futuro da literatura é continuar existindo. A Literatura, por mais que sofra estremecimentos de eventuais rupturas, ela jamais se sucumbirá. Quando você fala que o papel sofre ameaça, conjuntamente com seu produto, que é o livro, diante do boom eletrônico, e de toda conquista da parafernália cibernética, somando tudo isso, não passa de modismo. Essa onda de invenções é modismo. Daqui a pouco o homem não estará mais usando isso (aparelho telefônico). Resumindo, a literatura traz dentro de si uma essência que, com o tempo, ela transpõe a intensidade dos séculos, das invenções. O homem pode inventar o que ele quiser, inclusive computador, que jamais terá condições de criar algo capaz de parir uma coisa chamada inspiração.
DM Revista: Quais poetas goianos setentistas representaram para o senhor, não enquanto poeta, mas enquanto consumidor de poesias, voz e luta contra a repressão da Ditadura Militar?
Gabriel: O movimento literário goiano nada mais era que uma ressonância que recebia do grande eixo Rio–São Paulo. Foi no bojo desses acontecimentos que a poesia se manifestou com o espírito engagé, ou seja, com engajamento político partidário. Era uma poesia que, de um lado ela expulsava, maltratava a estilística literária do poema formal, para participar de um recado de revolta social, com uma linguagem tipicamente panfletária. Agora, como tudo é passageiro, tudo é fugaz, tudo é fruto e produto de uma época que reproduz modismo, isso também passou. Lembrando que, aqueles poetas, que se esbanjaram com a poesia panfletária, como vozes de resistência contra a sanguinária Ditadura Militar, elas se sucumbiram com o fim da Ditadura. Não tiveram gene de resistência literária a não ser o conteúdo de recado e protesto. Era uma corrente literária que protestava um determinado episódio dentro da história da política brasileira, que trouxe o obscurantismo, prejudicando a alma intelectual de seus maiores representantes, na voz de seus cantores e de seus poetas.
DM Revista: Como essa repressão era sentida pela classe artística goiana, naquele período? Vocês chegaram a sofrer perseguição?
Gabriel: O que deflagrou o movimento, poderia ser autor de um único verso que já era considerado comunista. Então, a Ditadura soltou suas bruxas, para levar para pessoas para a cadeia. Inclusive o Batista Custódio, como jornalista, que passou oito meses no D.I.. Alguns intelectuais que foram presos, como Carlos Alberto Santa Cruz, Serra Dourada, Dr. José de Moura, Eurico Barbosa. Intelectuais atuantes, não só na tribuna como na palavra escrita. Isso não quer dizer que mesmo a Ditadura, com esse espírito cruel, tirânico, de perseguição, não conseguiu sufocar os clamores da sociedade brasileira representada pelos seus líderes, na voz de seus escritores, poetas e cantores.
DM Revista: Qual a sua visão a respeito dos novos poetas goianos? A maneira de escrever poesia, de representar e interpretar sentimentos mudou?
Gabriel: Eu sou um estudioso, apreciador do fenômeno poético em Goiás. E atravessei essas décadas de correntes literárias, e vim observando que essa poesia de vanguarda, com raríssimas exceções, traz um certo esvaziamento por falta de algo original, que é a mão nervosa da inspiração. Esses poetas muito formais, alguns que vêm da universidade, eles saem de lá com o espírito acadêmico de detonar a palavra em cima do papel, procurando sentimentos para jogar dentro da poesia. Não é bem isso. Eu entendo que, em primeiro lugar, a poesia é uma explosão da alma. Embora eu esteja usando uma linguagem metafórica, eu posso dizer que pela sua existência, ela (a poesia) imita a segunda infância do homem. É necessário dizer que alguns pegam carona no ofício da literatura por mera vaidade de ocasiões, por vaidade de vitrines, por aparecimento em holofotes da televisão, manchetes de jornais, etc. Penso que esses jovens poetas da geração da “Infernet”, correm um sério risco de escrever multidões de páginas e não dizer nada. Ao mesmo tempo, peço carona nisso para dar um recado: o caminho não é a internet, o caminho é o livro. Se eu estou dizendo que o caminho é o livro, é preciso que esses poetas mantenham permanente encontro com a biografia literária dos maiores poetas do mundo.
DM Revista: Nesta tarde de 23 de março de 2017, serão celebrados os cinquenta anos de sua poesia. O senhor faz um convite para que outros poetas levem sua contribuição para que, juntos, possam celebrar também a poesia tribunícia. O que o senhor espera que esta tarde deixe de legado para o cenário cultural de Goiás?
Gabriel: Eu espero que esta tarde reabra janelas, para que eventos dessa natureza continuem acontecendo, sendo que o propósito, o objetivo disso é resgatar um tempo onde a poesia era a oralidade das pessoas, nos mais diferentes meios de comunicação: mesa de bar, nos galanteios de namorados, cinema, teatro. As pessoas andam muito obcecados pelo automatismo da comunicação de teclado, e esquecem que lhes falta o principal, que é o calor humano. a palavra dita, a oralidade da poesia, que emite som, que esculpe da psiqué para quem está recebendo, para o leitor, o espectador. A emoção que ele recebe é uma carga diferente daquela do vídeo. O que nós queremos com este evento é um reencontro de poetas, onde o principal júbilo é a tribuna aberta, para, mais uma vez, a democratização da poesia, pelo seu poder de oralidade.
DM Revista: Em entrevista à Agência Assembléia de Notícias, o senhor usou o termo “poetariado” para se referir à reunião que ocorrerá de toda a classe goiana de poetas na noite de hoje, no Palácio Alfredo Nasser. É possível fazer um paralelo entre a labuta do proletariado e os caminhos dos poetas ao longo dos séculos?
Gabriel: O poetariado foi criado por alguém, não me recordo quem, para se referir a nós, os poetas de periferia. Existe o poeta da gravata, que é o poeta que está na elite dos gênios engravatados e existe o poeta que é o menestrel, o andarilho, o sonhador, o power. É esse que leva a mensagem que brada a esperança. Quando nós falamos “o poetariado”, não é um termo pejorativo, é apenas uma brincadeira alusiva à Teoria Marxista. O que queremos dizer é sobre a força da coletividade, o espírito cigano de quanto mais poetas fazendo o seu concerto, mais poesia há de acontecer.
DM Revista: Depois de cinquenta anos fazendo poesia, de onde ainda é possível extrair inspiração? Coisas que inspiravam os poetas do século XX ainda fazem sentido aos poetas deste começo de século XXI?
Gabriel: Quando a poesia me chega, o Gabriel homem sai e fica o poeta. Uma coisa que surpreende a todos, e sobretudo a mim, ao longo desses cinquenta anos de poesia, eu encontrei a mim sem um livro na mão. Quero dizer que eu exercito a literatura, a criação poética em mim, eu diria sem exageros, é uma criação hemorrágica. A vibração de excesso poético na minha alma é tão grande, que às vezes, me dá angústia. Mesmo porque, quanto mais eu escrevo, mais penso e eu não disse nada. Essa é a verdade. Então essa esponja é infinita. E eu não tenho culpa disso. Agora, se você me perguntar se eu escrevo poesia para chegar à Academia Brasileira de Letras, engana-se. Não é bem isso. O assunto da Academia é natural, todo soldado sonha em ser general. É um projeto de vida, e não uma procura por um galardão e honrarias. É inútil dizer “poeta, para seu canto!”. Se Homero escreveu A Ilíada, se Virgílio escreveu Eneida, se Shakespeare escreveu Hamlet, o pobre Gabriel Nascente escreveu A Viola do Povo!