Dólar barato e juros altos sufocam a indústria
Diário da Manhã
Publicado em 9 de março de 2017 às 02:23 | Atualizado há 8 anos
Segundo o professor Luiz Carlos Bresser-Pereira, que já foi ministro da Fazenda, duas coisas estão estrangulando a política brasileira em geral, e a indústria em particular: as altas taxas de juros (puxadas pela Selic estratosférica) e a desvalorização do dólar em face do real. Neste instante, a moeda americana está cotada, para compra e para venda, em 3,14 reais. Bresser acha que a cotação “de equilíbrio” seria 3,9 reais, ou algo perto disso.
Bresser-Pereira está longe de ser um neoliberal. Aliás, ele odeia o neoliberalismo. Vem desenvolvendo uma nova concepção teórica da economia brasileira a que a imprensa vem chamando de novo desenvolvimentismo. Foi fundador do PSDB, mas rompeu com os tucanos. Vem votando no PT e faz oposição ao governo Temer.
O protesto de Bresser contra o dólar subvalorizado tem base em suas pesquisas teóricas, mas é um discurso que expressa, também, os sentimentos da indústria nacional e do agronegócio. O setor produtivo nacional sofre com a valorização da moeda nacional. Tecnocratas do governo ficam felizes, pois a valorização cambial ajuda a controlar os preços ao consumidor e segura a inflação.
No início deste mês, a Confederação Nacional da Indústria, a CNI, divulgou uma nota expressando sua “preocupação” com a atual trajetória de valorização do real frente ao dólar. A entidade, que saudou com entusiasmo o Novo Regime Fiscal do governo Temer e apoia a reforma previdenciária por ele proposta, suplica, agora, por medidas que estanquem a sangria cambial.
O tom é de súplica mesmo. A entidade é excessivamente diplomática. Não é boa política para a indústria nacional melindrar as autoridades de Brasília. A taxa de câmbio real/dólar caiu 17% ao se comparar a média mensal de janeiro e dezembro de 2016. Somente nos dois primeiros meses de 2017, houve uma queda adicional de 7,2%, totalizando 23% em um espaço de 14 meses. “Essa forte mudança no preço da moeda estrangeira pode causar danos irreparáveis nas estratégias das empresas e no investimento”, afirma a porta-voz da indústria nacional.
Ela não precisa entrar em detalhes. Não há necessidade de explicar a dinâmica do fenômeno. A nota é dirigida às autoridades econômicas. Eles sabem do que se trata. Mas o grande público, com um pouquinho de boa vontade e algum esforço, poderá entender a situação.
As operações de comércio exterior têm prazos longos. Negócios de exportação realizados há seis meses, por exemplo, com uma determinada taxa de câmbio, têm seu fechamento financeiro afetado quando a taxa de câmbio sofre valorização brusca e excessiva, consubstanciando-se, muitas vezes, em prejuízo. “O nível da taxa de câmbio é uma variável fundamental no processo de desenvolvimento econômico, pois alterações na taxa de câmbio podem provocar importantes efeitos sobre a estrutura produtiva e de emprego do País”, afirma. Isto quer dizer, trocando em miúdos, que o comportamento do mercado cambial reflete diretamente na competitividade da indústria. A valorização da moeda nacional torna os produtos estrangeiros mais competitivos frente os nacionais, seja no mercado doméstico, seja no exterior. Resumindo, os produtos importados ficam mais baratos do que o similar nacional. Se nada for feito, os “xing lings” e made in Paraguai vão inundar novamente as prateleiras e as bancas dos camelôs.
“Ao tornar os bens importados mais baratos”, afirma a CNI, “sobrevalorizações cambiais excessivas e prolongadas reduzem a lucratividade da produção e do investimento em setores de bens comercializáveis (que são transacionados internacionalmente). Ao mesmo tempo, o preço de não-comercializáveis fica artificialmente mais elevado. Como setores de bens comercializáveis são, tradicionalmente, setores que tendem a ter maior capacidade inovadora, maior agregação de valor e maior nível de produtividade, a valorização provoca a transferência de mão de obra de setores de baixa produtividade para os de alta produtividade, com impacto negativo no nível de produtividade geral da economia”.
Este diagnóstico puramente econômico comporta uma interpretação política. Desvalorização do dólar barateia o concorrente estrangeiro. Mas isto acontece por que? A CNI confessa a debilidade da indústria nacional em face da estrangeira. No que reside esta debilidade? Fundamentalmente, reside no fator produtividade. A alta produtividade da indústria estrangeira permite-lhe fazer preços mais baratos, mais “competitivos”. Então, é preciso levantar barreiras contra o concorrente estrangeiro. Livre comércio no dos outros é refresco.
Barreiras alfandegárias estão fora de moda e acarretam retaliações, reclamações junto à OMC e um sem número de chateações políticas. Mais prático é levantar barreiras cambiais. O dólar valorizado não apenas favorece nossas importações de commodities como, de resto, protege a indústria nacional contra a competição estrangeira. O ruim disso – e aqui não há como negar razão aos neoliberais – é que a dependência da proteção estatal acaba produzindo acomodação. Os industriais nativos não têm motivações para investir em inovação, em ganhos de produtividade, em suma.
Volatilidade também é problema, diz a CNI. Não só a trajetória de valorização em si é nociva; a instabilidade da taxa de câmbio também é muito desagradável. Sondagem realizada pela CNI coloca a instabilidade da taxa de câmbio entre os principais problemas enfrentados pela indústria em 2016. A instabilidade dificulta a formação de preços, as decisões de investimento e de produção das empresas industriais.
Que fazer, então, para consolar os industriais? A CNI afirma que é necessária uma ação da política econômica no curto prazo. “É indispensável adotar mecanismos que evitem a valorização permanente da moeda brasileira, que retira a competitividade dos produtos brasileiros, tanto no mercado brasileiro como no mercado global, bem como suas oscilações excessivas”.
É difícil alterar a tendência dos movimentos cambiais globais. Todavia, é possível atuar para evitar flutuações excessivas na taxa de câmbio originadas do mercado doméstico e mundial e, principalmente, coordenar as políticas domésticas para minimizar os efeitos indesejados sobre a taxa de câmbio. Em outros tempos, tempos menos neoliberais, o Banco Central baixava uma portaria desvalorizando o real e o problema estava resolvido. Mas, hoje em dia, é algo profundamente constrangedor, e impolítico, mudar a taxa de câmbio via portaria. É uma heresia que nenhum livre cambista pode suportar.
Mas o BC pode, por vias transversas, atuar no mercado cambial comprando ou vendendo dólares. Dependendo da conjuntura, por meio dessas operações de compra e venda da moeda estrangeira, a Autoridade Monetária pode regular a taxa sem necessidade de baixar tabelamento. É um tanto constrangedor fazer isso, mas salva as aparências.
Reduzir a Selic também ajuda. Segundo os analistas da CNI, a vigência de uma política monetária muito restritiva, em função da permanência de déficits fiscais elevados, provoca a ocorrência de taxas de juros brasileiras muito acima das taxas internacionais. O diferencial de juros atrai recursos externos que fomentam uma valorização da moeda brasileira não fundamentada nos fatores reais de custo e competitividade. É por isso que o professor Bresser vincula juros altos a taxa de câmbio. São a corda e caçamba. Rebaixar os juros inibe a atração de dólares.
A convergência da inflação para a meta permite, e justifica, a redução desse diferencial, com queda mais pronunciada dos juros domésticos. É, portanto, fundamental, insiste a CNI, “que os formuladores de política tenham em mente os efeitos da valorização cambial não só na inflação como no restante da economia, em especial na indústria. A CNI reconhece, humildemente, que os problemas de competitividade não se resumem à taxa de câmbio. As reformas microeconômicas voltadas para o aumento da competitividade são igualmente fundamentais. “A CNI espera que essa agenda receba máxima prioridade”, acrescenta.
Ajudaria muito, também, se a indústria fizesse a sua parte. Os industriais brasileiros são meio esquizofrênicos. Defendem a não-intromissão do Estado no domínio econômico quando as coisas vão bem. Mas, ao primeiro sinal de crise, apelam ao poder público. Quando o concorrente estrangeiro mostra suas garras, pede socorro ao Estado e exige que se levantem barreiras contra as importações. Os industriais brasileiros vêm adiando investimentos. Preferem operar com altos níveis de ociosidade e manter estoques dispendiosos a remarcar preços para baixo. Quem não chora não mama. Marx ou Keynes disse isso?