Baliza
Redação DM
Publicado em 9 de março de 2017 às 02:22 | Atualizado há 8 anos
Em janeiro de 1971 assumi a coletoria estadual de Baliza. Saíra, pela manhã, da residência dos meus pais, em Jataí, onde residia com minha esposa, em direção a Mineiros. Nessa acolhedora urbe, com meus sogros, almoçamos. Viajávamos em uma “C-10”, em voga na época, inclusive no Fisco estadual, dirigida por um colega meu. Pela primeira vez, minha amada e eu moraríamos sozinhos(nosso casamento ocorrera há cerca de três meses), por isso nossa resumida traia seguia conosco. Cansativa a jornada porque éramos quatro na cabine, capacidade para três. A mulher do condutor foi imprudente em nos acompanhar. No fim da tarde alcançamos Baliza, um lugarejo parido pelos garimpos no rio Araguaia, divisa com Mato Grosso. Exauridos estes, exauriu-se a povoação. Algumas casas geminadas, outras não. No largo, o templo romanista quase sempre fechado porque não havia padre no lugar. Um dia, vindo não sei de onde, apareceu um, muito bem recebido pelo prefeito Sergipe(vim a saber depois que este professava o protestantismo). Nascera no Sergipe, daí o apelido. Seu nome verdadeiro – ignoro se ainda vive – Marcelino. Naquela região, quem não era nordestino de nascimento descendia de nordestino. Muito bem intencionado o senhor Marcelino, mas nada realizava porque a renda do município mostrava-se assaz diminuta e ele pensava que poderia melhorá-la se o Estado mandasse para lá um exator. Ora, o que proporciona arrecadação é riqueza, lá imperava a pobreza. Acanhadas agricultura e a pecuária. Apesar disso, lotaram nessa repartição dois exatores. O outro morava em Goiânia e vez por outra aparecia por lá para não fazer nada, somando-se a mim que nada fazia. De Baliza se enxergava a iluminação elétrica de Torixoréu, Mato Grosso, também pequena, todavia melhor do que sua vizinha. Por falta de ponte sobre o Araguaia a travessia se efetuava de canoa. Sobravam mosquitos e facilmente se adoecia de hepatite. Uma das vítimas foi minha corajosa e amorosa companheira, a senhora Ilsa. No fim de agosto ou abertura de setembro ela regressou a Mineiros a fim de tratar-se. Na tarde do “Dia da Pátria”, eu assistia a um evento alusivo à data, quando alguém me avisou que, na barranca mato-grossense, um homem queria falar-me. Fui ao seu encontro. Era o colega Célio Cardoso que acabara de assumir o posto de delegado fiscal de Jataí e estava a conhecer a região. Vespucci, o outro exator, já tinha sido recolhido para onde pudesse ser útil e justificar seu bom salário. Ao tomar ciência dos valores arrecadados anualmente e que em outubro gozaria minhas primeiras férias no Fisco, determinou-me o novo chefe que, no fim de setembro, entregasse a repartição ao colega Antônio Bueno, de Bom Jardim de Goiás, a poucos quilômetros em estrada muito arenosa, e findas as férias que me apresentasse na delegacia em questão. E assim se fez.
Para morarmos o prefeito cedeu, gratuitamente, um casarão sem forro, piso de tijolos à vista, sem banheiro. Eram uma sala, copa, cozinha e quarto. A “casinha”( latrina) situava-se no fundo do pequeno lote cercado de arames frouxos. A sala era apropriada para instalação comercial e alojara uma loja. Seu proprietário abandonara, na mencionada sala, uma ou duas prateleiras de madeira e alguns vidros de perfume ruim. Nesse imóvel de paredes altas, portas e janelas de madeira, morara e praticara a mercancia uma pessoa de destaque, de sobrenome Nasser, parece-me que irmão do grande homem público, deputado federal Alfredo Nasser, já de saudosa memória. Disseram-me que nessa tapera – posso assim denominá-la – nascera Jarmund Nasser, sobrinho do Alfredo, morador em Goiânia e secretário estadual de Educação no governo Otávio Lage(31.1.1966 a 15.3.1971), e eleito deputado federal pela Arena em 1970. Conosco moravam morcegos, muitos os morcegos.
Ilsa nunca mais regressou àqueles pagos, eu passei por lá, em um ano da década de 80. Fi-lo de automóvel na companhia de três senhores, em viagem de Aragarças a Mineiros. Parece que, dessa vez, havia iluminação elétrica.
Desperdício de dinheiro público mandar exator, cargo que não mais existe, para Baliza. Em recuadas épocas correra tanto dinheiro em Baliza que Jesuíno Veloso do Carmo, fazendeiro e empresário em Rio Verde, sua terra natal, se enriquecera com loja em um daqueles imóveis enrugados. Havia, em uma casa da ruazinha principal, grande e pesado cofre de aço que a Receita Federal desprezara quando fechou, há anos, seu posto fiscal. Ainda está esse cofre em Baliza? Mas a pobreza tanto se firmou que um homem adquirira, dizem que em troca de um rádio portátil de muitas faixas, uma daquelas casas só para ficar com o telhado a fim de cobrir a que ele estava a erguer não me recordo se na mato-grossense Barra do Garças.ou na goiana Aragarças. Prefeito pediu que cobrássemos pelo menos o ICM das telhas. Fi-lo porque era meu dever e para não contrariá-lo.
(Filadelfo Borgea de Lima, autor de vários livros, sócio fundador da Academia Rio-Verdense de Letras, Artes e Ofícios; curso superior incompleto(Letras), filiado na Associação dos Funcionários do Fisco do Estado de Goias-Affego, no Sindifisco/GO. Maçom da “Estrella Rioverdense”, 72 anos, mora em Rio Verde desde 1973, natural de Jataí)