Marcos significativos na história do Brasil (Bahia III)
Diário da Manhã
Publicado em 5 de março de 2017 às 01:37 | Atualizado há 8 anos
Se não fora goiana, eu seria baiana. Tenho sede de Deus. Vibro com o encontro entre as criaturas e o Criador. Em três semanas de convivência com o cenário e personagens, em Porto Seguro/BA, filhos de sangue, filhos adotivos, tive a alegria de dar graças à vida, ora participando de reflexões e bênção do padre Ivan, na casa hospedeira de José e Nice; ora compartilhando, em cinco dias diferentes, de ofícios religiosos, nas Igrejas: Nossa Senhora da Saúde, São Joaquim e Sant’ Ana, Nossa Senhora do Brasil; ora entrevistando filhos da terra, faixa de 80 a 90 anos, autores importantes da história contemporânea desse município.
Marcaram-me profundamente descobertas no Centro Histórico, situado em uma das partes altas de Porto Seguro. Conheci os três primeiros templos, construídos em território nacional: Igreja da Misericórdia, Igreja de Nossa Senhora da Pena, padroeira da Cidade, e Igreja de São Benedito. Esses templos expõem obras inestimáveis de grandes mestres baianos da arte sacra. Porto Seguro abrigou no Brasil os primeiros habitantes europeus, em 1500. Aos pés de uma cruz, instalada num banco de coral, na praia da Coroa Vermelha, o encontro de índios e portugueses foi abençoado pela celebração de uma Missa de Páscoa, a primeira de tantas que, desde então, foram celebradas nesse pedaço de chão. Frei Henrique de Coimbra presidiu esse significativo momento de fé e esperança.
No Centro Histórico, encontram-se os alicerces da primeira Casa de Ensino do Brasil, Colégio dos Jesuítas, fundado por Manoel da Nóbrega, principal instituição educacional da América Lusitana, até meados do século 18. Foi a primeira universidade do Brasil. Nesse espaço, refletindo sobre histórias, sugeridas pelos alicerces solitários, e contemplando, lá em baixo, o mar sereno, pacífico, embora Atlântico, desfilaram-se em meus pensamentos baianos especiais: o jurista, político e escritor Rui Barbosa que via na educação a alavanca, motor do desenvolvimento; o jovem poeta Castro Alves, cuja poesia social abolicionista é marcada por seu humanismo, por suas idéias liberais e democráticas; o inesquecível filósofo da educação, Anísio Teixeira, que afirma: A função da escola avança para o campo da educação total do sujeito, no momento em que trata e oportuniza, em seu trabalho pedagógico, a transmissão de valores éticos e morais, o cultivo do ensino das artes e da cultura, e, consequentemente, a preparação para um oficio.
Busquei a sombra e o acolhimento de um carregado pé de caju, assentei-me numa cadeira, próximo á mesa de uma simpática lanchonete e fiquei ali, com meus pensamentos, por um bom tempo. Perdi o apetite. Outros personagens e diferentes conteúdos enriqueceram e enlouqueceram o filme que se projetava dentro de mim: o Papa Francisco, os escritores, Michel Quoist e Padre Fábio de Melo; e a proposta e discutida reforma educacional da LDB brasileira. Pensadora, moro na filosofia. Então, conclui: foram-se os telhados. Foram-se as paredes. Ficaram-se os alicerces.
Nessa viagem ao passado, em sintonia com o presente, como pesquisadora, enderecei meu olhar para outras atrações e outros marcos no primeiro núcleo habitacional do Brasil: uma pequena e sedutora rua, com muitas casinhas coloridas, bem antigas, com a mesma arquitetura, conduzindo o visitante à antiga Casa de Câmera e Cadeia, onde se encontra um extraordinário Museu, hoje reformado, dirigido pelo professor Gilmar Barreto Mota, rica memória cultural. O Marco do Descobrimento, trazido pelos portugueses, e o Farol, aí fixados, como todo o mencionado patrimônio, identificam a Bahia pelo cheiro, cores e sabores: acarajés, vatapás, bobós, carurus ocupam grandes e apetitosas panelas quentinhas; enormes e ornamentadas gamelas, ora de cocadas, ora de frutas da terra, cacau, coco, cupuaçu, cajá, também seduzem o paladar do transeunte; barracas multi cores por todos os lados; voos e canto de passarinhos; varais de cangas, roupas de banho, chapéus, sandálias, artesanato, danças, árvores e arbustos esparsos, flores, aqui e acolá, tudo enfeita o cenário desse morro, que continua observando o mar e o povo do litoral sul da Bahia.
Também continuo observando o mar, a terra e o povo do litoral sul da Bahia. Em 1985, tive a graça de contemplar Salvador, a Capital mágica, com o olhar de meus versos: _ E a vontade de engolir/de saborear/ o que se esconde,/ dentro dos montes/ dentro das figuras/( tão diferentes e tão iguais) além dos horizontes…/ É se sentir/ mais forte gigante/ no sertão da Bahia/ no sertão da fome/ no sertão da semente/ no sertão da poesia/.
(Sonia Ferreira, escritora, presidente do Centro de Cultura da Região Centro-Oeste/CECULCO, membro da Associação Nacional de Escritores/ANE/DF. Participa de diversas instituições culturais de Goiás. E-mai: [email protected])