Opinião

Amores não correspondidos

Diário da Manhã

Publicado em 22 de fevereiro de 2017 às 02:33 | Atualizado há 8 anos

A tragédia, como gênero dramático que trata das ações e dos problemas humanos de natureza grave, teve sua origem na Grécia antiga, ou mais especificamente no teatro grego, sempre com finais tristes e  funestos. Inserida na história e percorrendo o tempo chegou até nossos dias com o significado de adversidade, calamidade, catástrofe, desgraça, flagelo e infortúnio. A tragédia abrange, sem duvidas,  questões sobre a moralidade, caráter, o significado da existência humana e as relações entre as pessoas. As personagens de uma tragédia deparam, inevitavelmente, com diversas situações da vida, sempre presentes em ocorrências que resultam em fatalidade. Quando envolve questões amorosas as tragédias despertam grande atenção e emoção, considerando que é extremamente doloroso enfrentar é assistir a pessoa amada amar outra pessoa.

Dalton tinha poucos amigos, apesar de muitos conhecidos. E entre os amigos, um dos mais íntimos  era Abdon. Dalton e Abdon eram amigos de longas datas,   e em razão dessa proximidade eram conhecidos socialmente como inseparáveis. A amizade era tanta que um se tornou confidente do outro. Foi em razão da amizade que Dalton abriu seu  coração com amigo quando disse que amou apenas uma vez na vida. Não foi feliz, pois a amada não era “boa bisca”, querendo com isto dizer que a conduta moral e caráter não correspondeu ao que esperava dela. A razão falou mais forte e abandonou o romance, mas ficou com a sensação de um amor que não deu certo. Dalton desistiu dos amores românticos e passou a viver apenas aventuras passageiras, dedicando-se ao magistério e pesquisas, como biólogo. Antes de chegar aos quarenta anos era reconhecido internacionalmente como renomado biólogo, e o sucesso de suas pesquisas propiciou  grandes méritos para a equipe que chefiava, na universidade onde trabalhava. As disputadas palestras que proferia, em diferentes  locais, lhe propiciava receita mais do que satisfatória, além da sensação de se sentir realizado profissionalmente.

Em suas aventuras Dalton conheceu Carmem, prima de Abdon, de boa família, rica e independente. O relacionamento durou longo tempo e ambos gostavam da companhia do outro. Ele sentia-se bem ao lado dela e acreditava que a recíproca era verdadeira. Aconteceu que Carmem passou a devotar-lhe mais do que simples afeto. De sua parte, ele apenas gostava do relacionamento, mas não a amava. Vacinado contra o amor intenso, passou a dedicar à pesquisa biológica, que se transformou em sua grande paixão. O contrário aconteceu. Carmem apaixonou-se loucamente por Dalton, elegendo-o como o “homem de sua vida”.

Mas como o destino é cruel, Bruno, que já tivera namoricos com Carmem, apaixonou-se perdidamente por ela. Bruno era rico, inteligente, bem apessoado, educado e romântico. Era o que se poderia considerar um “bom partido”, objetivo de todas mulheres que procuravam segurança matrimonial. Mas havia um  problema: Carmem não amava Bruno. Sentia-se bem com sua presença, mas não gostaria de tê-lo sempre em sua companhia, achando mesmo que o amor transformado em paixão era preocupante. Ao conhecer Dalton, e se  apaixonar por ele, perdeu o interesse por Bruno. Este, por sua vez não se conformou em ter sido colocado em plano secundário. Carmem, com 28 anos bem vividos, detentora de dois cursos superiores, profissionalmente inserida na administração de empresa familiar, achava que completaria sua felicidade ao lado da pessoa amada e sonhava em se realizar como mãe.

No aniversário de 15 anos de Elena, sobrinha de Carmem, Dalton foi um convidado especial de Abdon, parente da aniversariante. Elena, como debutante, era o centro de todas atenções. Carmem como tia, uma  das principais incentivadoras da festa, participou na organização nos mínimos detalhes, como contratação de uma renomada orquestra, “buffet” de alta categoria, traje sugerido, etc.  Portanto, podia convidar quem quisesse para o evento. Não convidou Bruno, apesar deste ter implorado para tê-la em sua companhia no baile. Quanto a Dalton, não precisava convidá-lo, pois este era convidado de seu primo Abdon.

Um dia antes do evento, Bruno telefonou para a mãe de Carmem, insinuando para ser convidado, mas não foi. Mesmo assim a mãe conversou  com a filha, indagando por que ela não convidou Bruno. Mãe e filha eram amigas e sempre conversavam sobre os problemas de cada uma. Um tanto angustiada, Carmem se abriu para a mãe, dizendo: “…O amor era um sentimento estranho, não obedecendo a lógica nem o bom senso. Bruno  implorou para que eu o convidasse para o baile, o que não aconteceu. Eu quase implorei a Dalton para tê-lo em minha companhia na festa, e ele não concordou, preferindo ficar com os amigos. Bruno faria tudo para estar em  minha companhia, mas eu não quero por que não o amo. Eu daria tudo para ficar na companhia de Dalton, mas ele não quer por que não me ama. Dalton não ama ninguém, pois o único amor de sua vida não lhe propiciou felicidade. Assim, os dois, eu e  Bruno, ficaremos sozinhos e infelizes”.

No auge da festa, após a valsa de 15 anos, quando todos convidados pareciam animados, logicamente com a contribuição da farta bebida que era servida, Bruno, depois de dar propina para o porteiro, entrou no salão visivelmente embriagado, dirigiu-se à mesa onde estava Carmem. Sem nada dizer desferiu-lhe dois tiros na cabeça e em seguida um tiro no ouvido direito. Acabou  festa e terminou em tragédia os amores não correspondidos.

 

(Ismar Estulano Garcia, advogado, ex-presidente da OAB-GO, professor universitário, escritor)


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