Opinião

Diante de um Judiciário ocioso, juiz resolveu administrar com o prefeito

Redação DM

Publicado em 9 de fevereiro de 2017 às 01:21 | Atualizado há 8 anos

Quem chega hoje a uma comarca do interior, já a partir do acesso aos cartórios começa a enfrentar entraves burocráticos próprios do Poder judiciário. Às vezes se depara ainda com pilhas intermináveis de autos acumulados nas escrivaninhas, apesar da já iniciada substituição dos processos físicos pelo sistema digital.

A primeira impressão que se tem, é de que os juízes ganham pouco e por isso trabalham menos, ou que ganham muito e por isso deveriam trabalhar mais. Mas não é bem assim, principalmente nas comarcas onde faltam juízes nas varas especializadas. Além disso, hoje se multiplicam as demandas sociais que dasaguam no judiciário. Mas antigamente, mesmo que o juiz de direito quisesse trabalhar, o judiciário era um poder ocioso. Era assim, por exemplo, na cidade goiana de Posse, situada próxima à fronteira com a Bahia, quando o doutor Donizetti Martins de Araújo iniciou sua carreira na magistratura em 1939.

Viajando a cavalo, já a partir de Formosa o juiz de direito teve que fazer longo percurso passando por Sítio d’Abadia, depois adentrando o estado de Minas Gerais e reentrando no território da Bahia, assim chegando ao antigo distrito de Riachão (hoje Mambaí), até alcançar, finalmente a demandada comarca de Posse. Estradas ruins, perigosas, atravessavam-se vales e serras, como a temível Serra de São Domingos, onde havia uma única pista escorregadia, entre elevações e despenhadeiros.

Em Posse, o doutor Donizetti encontrou o povo insatisfeito com o então prefeito Jonas Vieira de Lima (que viera de fora e estava sendo  denunciado ao governo do Estado). Fora recebido na cidade pela esposa do prefeito, senhora Hilda de Lima, uma vez que o chefe do Executivo municipal tinha sido chamado a Goiânia. A prefeita substituta organizou uma grande homenagem ao meritíssimo recém-chegado. Ofereceu-lhe um piquenique que teve lugar numa chácara aprazível nas proximidades da cidade, ao qual compareceu em peso a sociedade possense.

Quando o prefeito Jonas voltou de Goiânia, eis que o juiz o advertiu: que o povo andava muito queixoso, que ele nada tinha feito em benefício da cidade (viera de Januária, Minas, e fora nomeado prefeito de Posse) e que o juiz estava disposto a ajudá-lo a fazer algum benefício para o povo. Jonas explicou-lhe que na verdade não tinha podido fazer quase nada porque a Prefeitura não tinha arrecadação e não dispunha de recursos para administrar.

Aceitou, de bom grado, a colaboração do juiz e passaram a trabalhar juntos. Já que não existia Fórum em Posse, o expediente do Judiciário era na própria Prefeitura, numa saleta reservada para o juiz. Essa união dos poderes, Judiciário e Executivo, foi benéfica para a cidade de Posse. O juiz passou a assessorar o prefeito na qualidade de seu mentor intelectual. Serviço para o Judiciário, quase nada. Na administração pública, tudo por fazer.

 

(Emílio Vieira, professor universitário, advogado e escritor, membro da Academia Goiana de Letras, da União Brasileira de Escritores de Goiás e da Associação Goiana de Imprensa. E-mail: [email protected])

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