“É ressurreição ou reencarnação, papai?”
Diário da Manhã
Publicado em 7 de fevereiro de 2017 às 01:15 | Atualizado há 8 anos
Eu havia prometido não esconder nada que achasse significativo, lógico, do misericordioso leitor, entretanto, não resisto e, a pedido de alguns amigos, narrarei uma conversa que tive com a minha caçulinha, a Sophia Penellopy, 8 anos, ao telefone. Ela está na Espanha com o irmão, o Lucas e, como a mãe é católica e a tia é espírita, depois de perguntar se eu estava bem foi logo alfinetando:
“É ressurreição ou reencarnação, papai?”.
“Filha, eu não tenho uma resposta e é uma questão de fé. Arredondando, cinco bilhões de pessoas creem na reencarnação e três bilhões na ressurreição”.
Senti um amargor por não poder responder-lhe e lembrei-me, imediatamene, da minha querida mãezinha, a Dona Jô, que faleceu em 2014. Lembro-me, como se fosse agorinha. Eu estava sentado no último degrau da escada que ainda leva-nos ao seu quarto, em Ribeirão Preto. Tinha pouco mais de 30 anos. Confessei-lhe que, embora estivesse ganhando um bom dinheiro na empresa, que fundei e quase afundei, eu estava ficando cada vez mais deprimido com a realidade à minha volta, com os mendingos, as crianças e os “velhos” abandonados, enfim, não aguentava ver, ao sair de luxuosos restauranes, a miséria e a morte proliferando cada vez mais em São Paulo, Capital, aonde nasci e morei um quarto de século. Aquela que me deu à luz, a Joventina Maria, com aquela sua voz que tocava corações, falou baixo e triunfalmente:
“Henrique, se eu tiver o privilégio de estar diante de Deus eu vou ter mais perguntas do que agradecimentos”.
“Mãe, a senhora leu essa frase onde?.
“Em nenhum lugar”.
Sou um moleque teimoso mesmo. Continuei:
“A senhora está inventando a frase agora?”.
Ela, humildade em pessoa, respondeu apenas: “sim”. Não é querendo dar uma de bom, como dizem, mas, preciso mencionar que eu, na adolescência, “devorei” as prateleiras de clássicos da Biblioteca Altino Arantes e Padre Euclides, em Ribeirão Preto. Era colecionador de frases que copilava para um grosso caderno, mas, essa, a da mamãe, é a campeã até hoje!
A Sophia Penellopy arrancou-me das reminicências alfinetando-me, novamente:
“Papai, se for a reencarnação quanto tempo demora para uma pessoa ir até o céu e voltar para nascer novamente?”.
“Li que é cerca de 30 anos, Sophia”.
Ela não demorou nem meia dúzia de segundos e me surpreendeu:
“Então quer dizer que eu posso ser o seu pai, papai?”.
O meu pai, Antônio Gonçalves Dias Filho, mineiro, faleceu em 1983. Até.
(Henrique Dias é jornalista)