Espelho, espelho meu – a autoimportância
Diário da Manhã
Publicado em 4 de fevereiro de 2017 às 01:33 | Atualizado há 8 anosEla se acha muito importante. Muito mesmo. Já trabalhou em vários gabinetes com autoridades. Vivia arrumada, neste ramo de gente importante a estética é tudo. Fez e foi de tudo de faxineira a cerimonial. Hoje pertence, ao menos é o que acredita, a sociedade só não tem dinheiro nem carreira, sequer emprego fixo. Vive pendurada em dívidas, adora um agiota, é endividada de pai e mãe.
Mais que um enredo de novela ou uma personagem de teatro de Chico Buarque de Holanda o foco central desta questão é a auto importância. Como ponto de partida qual é seu real valor? Quais foram nesta vida suas realizações? Você esta contente ou feliz com seu trabalho e sua vida? Você gosta de você mesmo? Você encontrou um caminho para sua realização pessoal?
Nossa auto imagem é formada por vários aspectos de nossa personalidade. Auto imagem é a forma como nós nos percebemos. Todavia esta auto imagem nem sempre é fiel a nossa realidade de vida, ao contrário. Por vezes ela pode estar em débito tornando a auto estima baixa e você achar que não vale nada. No outro polo a auto imagem inflacionada na qual um indivíduo passa a tornar se um ser iluminado sem dinheiro para pagar suas contas de energia. Seja para cima ou para baixo a distorção da auto imagem em excesso passa a ser extremamente patológica.
“Espelho espelho meu existe alguém mais bonito do que eu” dizia a madrasta de Cinderela. Os contos de fada nos apontam enquanto sabedoria popular um caminho de observação da psique humana. Em geral os tiranos e os vilões destes contos eram indivíduos com excessiva sede de poder e com profundas distorções de auto imagem. Invariavelmente colocando se acima de sua realidade e agindo sem escrúpulos para tornar isto realidade. Vaidade, poder, ganância.
O ego (eu) passa a viver de acordo com esta distorção de percepção que tem base no inconsciente do indivíduo. A percepção tornando se seletiva para tudo aquilo que possa a vir reforçar sua necessidade e anseio. A vida psíquica então vira uma neurose de poder sem realidade. O espelho mágico debochado tenta chamar quem se observa a realidade:” ela é mais bonita que você” e por isto é quebrado.
A auto importância hoje em nossa sociedade está na base de boa parte dos problemas psíquicos existentes e das psicopatologias. A inadequação psíquica causa desconforto a medida em que a realidade se impõe a fantasia. O agente estressor deste processo causando desajuste social, isolamento e dai para as patologias um beiço de uma pulga.
Todavia na prática existe um processo básico. Uma pessoa com sua auto imagem distorcida para cima, cheia de auto importância, esta raras vezes irá procurar ajuda de um profissional. Sua vaidade não permite. Este tipo de indivíduo só procura ajuda quando sua vida torna se uma ruína, especialmente no contexto afetivo.
A estrutura inconsciente que age na auto importância excessiva é um profundo complexo de inferioridade. Um sentimento de vazio que tenta fugir através de distorções sociais do sentimento interior que tem de inutilidade. Escora se assim na vaidade ou em pseudo títulos que conquista. E passa a viver em um redemoinho de nada.
(Jorge Antonio Monteiro de Lima, analista, pesquisador em saúde mental e psicólogo)